sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A vez que Zeduardo quase “tirou Sofia de Casa”

A vez que Zeduardo quase “tirou Sofia de Casa”


Cidade pequena, notícia como essa era mais rápida que a Internet. Tal como novela, Zeduardo não perdia um capítulo. Era dizer a filha de fulano foi tirada de casa para que todos se interessassem pelos mínimos detalhes. Época do chamado “casamento na polícia”.   Nos seus doze anos, Zeduardo já tinha como primeiro sonho tirar uma moça de casa. Aqui é que começa a história.

Estava um dia pegando corrida de bicicleta com uns amigos, quando surgiu a conversa de que Sofia de dona Arminda estava dando.

- Dá mesmo? – quis ter certeza.

- Dá, cara: ela é a única menina que brinca com os meninos naquele casarão velho da Rua Nova. A gente fica ali brincando de esconde-esconde e depois... você sabe...

Zeduardo era de outra rua, mas procurou se enturmar com pessoal da Rua Nova.

Foi chegar com aquela sua bicicletinha monareta para que fosse recebido logo por quem?  Por Sofia, ela mesma, doidona no seu jeitão de moça graúda, porém bonita, e o que é mais importante: dava.   

Por serem todos meninos não se podia dizer que ela já havia sido tirada de casa. Quem ia tirar era ele, Zeduardo, que, ao contrário daqueles moleques bobocas da Rua Nova, sabia mais das coisas.

Sofia perguntou se podia dar umas voltinhas na bicicleta.

- Claro, mas numa condição.

Sofia já foi se ajeitando logo na bicicleta, sem, contudo, procurar saber qual a condição, como se concordasse. E ia sair, tentando se equilibrar, quando  Zeduardo a conteve pelo braço, olhando nos seus olhos.

- Hein, Sofia, você garante encontrar comigo?

Sofia era toda sorriso naquela monareta, como se consentisse. Mas era importante ouvir da sua boca.

- Hein, Sofia? ... lá perto da ponte da saída, amanhã à tardinha, você encontra comigo? Dá mesmo?

Zeduardo só soltou o braço de Sofia sorriso, cabelos de ouro, quando ouviu de seus lábios aquilo que ele mais queria na vida:

- Dou.

Imagine você cantar uma garota e ela responder “dou”. Não precisa dizer que Sofia correu todas as ruas da cidade. Tinha mais que direito. Quando Zeduardo recebeu de volta a monareta era adiantado das horas e ele já estava pensando no trato para dia seguinte.

Ajeitou-se e foi para o encontro com Sofia, que não era a Loren, mas era bonita e o que é mais importante: ...


Nem compareceu às brincadeiras, concentrou-se e ficou ali nas proximidades da ponte riscando o chão frio com um graveto e antevendo as cenas de amor. Não sabe até hoje por quanto tempo ficou a espera de Sofia. O certo é que a sombra da noite foi descendo e nada da garota. Quando deu por si o que reinava era o cricri de grilos. Zeduardo não teve dúvidas e se arrancou do local, pois já lhe perpassava alguma assombração. E não foi dessa vez que Sofia foi “tirada de casa”. 

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Nossa Praça


Nossa Praça



1. Só aos olhos de quem chega

Que melhor parece a praça,

Como troféu, como taça,

Tendo ao fundo a igreja.

Pois, irmão, agora veja

Esse mundo como é:

Nada deixaram de pé

E com “bela” arquitetura

Sepultaram a formosura;

Nossa praça essa não é.


2. Nossa praça pobrezinha

Tinha muito mais encanto.

Se hoje derramo pranto,

Tudo pelo que ela tinha

Ou até pelo que não tinha,

Não se pode andar de ré.

Mas creio em Deus e tenho fé:

O que bem aos olhos agrada

Ao coração pode ser nada,

Nossa praça essa não é.


3. Nossa praça tinha vida

A correr modestamente.

Tenho aqui em minha mente

Que Candiba era Candiba.

Hoje é foto esquecida

Na parede de um sopé,

Que eu, saudoso, chego até

A viver desta lembrança.

Ainda que com tal festança

Nossa praça essa não é.


4. Essa praça é bonita

E isso não se discute.

Mas é que nela se embute

Um atentado à vida.

Muita gente sofrida

Que não aguenta finca pé

Vende o que de valia tem,

Pensando que é para o bem:

Nossa praça essa não é.


5. A formosura de uma praça

Não está na arquitetura

Que isto vira sepultura

Se no povo que ali passa

Não se encontra alguma graça

No trato que o povo quer.

Chora de homem a mulher

De criança a cidadão

Sem saúde e educação

Nossa praça essa não é.


Poema de Nei George Prado

Candiba-BA; 2000




domingo, 11 de agosto de 2013

O poeta




O poeta viaja por terras
Próprias e alheias
Alheio até de si mesmo
Passagem ida e volta
Pra te trazer a pepita
Do garimpo dos deuses



sábado, 3 de agosto de 2013

A Menina Carente do Século 21


A Menina Carente do Século 21
                     
       

Dir-se-ia tratar de uma rapariga tipo qualquer, dessas que entram num boteco cheio de homens para pedir.  Isso numa visão de lampejo hipócrita, porque logo, quando, pedindo ajuda na porta, junto da qual me encontrava, ela decidiu entrar e sentar-se numa das cadeiras vagas à mesa de um dos presentes, cuidei fosse mesmo uma menina de bairro afastado que acabara de ser vítima de algum malfeitor em dia de movimento ali no centro da cidade. Podia até ser filha ou sobrinha de um conhecido nosso.

Não esbocei nenhuma pergunta, porque, de pronto, as flechas indagadoras e assistencialistas se lançaram por conta dos demais frequentadores cinquentões, deixando que a dona do comércio, que, em caso que tais, costumeiramente batia o martelo para expulsar “esse tipo de gente” do seu estabelecimento, ficasse como uma espécie de Joaquim Barbosa, Presidente do STF.  Assim procedia dona Rosinha, como que em suspenso com o pano de enxugar mesa na mão, no seu átimo contido de também querer limpar o recinto, esperando o desenrolar daquela visita desesperada, ou melhor, o desembuchar da visitante.

- Fale, minha filha -  pediu o que estava mais próximo.

A garota tentava responder mas tropeçava nas palavras como que meio embriagada ou sob efeito de um choque muito sério.

Observei manchas de terra em suas costas, o que me levou a supor que ela teria caído no chão num acidente ou coisa parecida.

- Quer um copo d”água? Traz água aí pra ela, Rosa...”  - gritou Mauro Baixinho, que parecia ter tido a mesma observação, como que tomando frente nos primeiros socorros.

Por fim, algo compreensível foi pronunciado pela garota:

- Não, não quero água.

- Comida. Quer comer alguma coisa? – outro veio de lá como se tivesse sacado o problema.

Não, também não estava com fome. Tinha problema de epilepsia, ia começar a dizer, mas alguém, mais que de imediato, a interrompeu com a proposta de levá-la em casa, no que ela recusou, prosseguindo na tentativa de explicar com dificuldade o que realmente a afligia.

A menina virou o rosto para Mauro, ocasião em que vi de forma mais nítida o seu drama, em meio a lágrimas, pouco se importando com possíveis machucaduras de alguma queda que sofrera mas como se tivesse perdido pai ou mãe - foi o que imaginei – e então, como se implorasse, fez  o pedido:

- O senhor tem um celular desse pra me dar? – apontou para a mesa de Mauro.  - Eu perdi o meu quando caí... – explicou-se ainda aos prantos e, vendo-se desiludida, diante do ufa! da expressão geral da atenta plateia, assim como havia entrado, levantou-se e saiu para confundir-se no fluxo da rua, como se tivesse perdido a razão de viver. Para sempre.

Não era uma rapariga, no sentido brasileiro, como se presumira à primeira vista; apenas uma menina carente do século 21.