quarta-feira, 30 de junho de 2021

Sustentável amor

 

 

 

 1.

Por nossas limitações,

delimitamos imensidão do mundo em busca de um habitat.

Quantas coisas insignificantes deixamos vida afora

como um simples escrito de infância,

asas bonitas de erma borboleta

que bailava além das cercas

de jardim.

2.

Nessa tentativa de válida equivalência

nunca nos afastamos do trivial da história.

3.

Retire fora as estultices circunstanciais

que o estorvo se revela o mesmo

do que é analogicamente clássico.

4.

escrevo para substituir a foto que esqueci de clicar no momento exato de poesia

que a estação aparece senão passa

e pacifica

todas as suas cores,

exalados odores.

5.

Não cuidei simplesmente da fruta

que me haveria tanto de apetecer por princípio de chama,

é que desde o caroço colho o amor

que se fez na sua perseverança diária,

segredo que guardo

que gruda

e nunca sai

de mim.

 

Nei George Prado

26.05.2021


segunda-feira, 21 de junho de 2021

A flauta doce

 

para Vasco e Patrícia

 

Passeava montada em um cavalo. Fazenda do avô. Não se lembra agora da cor do cavalo nem de como era a vegetação, mas do short dela, nos seus vinte e poucos anos, do cabelo castanho ao enleio do vento e, ela levemente chicoteando o animal, do entrecruzar de olhos, quando ergueu-se para além do que se discutia. Ela era uma das herdeiras, na vaga do pai, falecido, que ali comparecia para a partilha do rebanho de gado deixado pelo velho avô. Gado que não acabava mais. Nem aí, diria depois, um dos tios, entendido, cuidaria de sua parte.

Passeava com estilo de menina de cidade que aparece no campo. Bom, viera ali como advogado de uma turma de herdeiros para o embate com outro advogado da turma dissidente, que a família não tinha assim uma união, e não para apreciar material estranho ao processo. Mas o clique fora feito.

Cabeça de gado para lá e para cá, para um e outro herdeiro, foi realizada a partilha, até que se deu por encerrada essa etapa, porque com relação a bem imóvel, a fazenda, isto já estaria nos autos, conforme o entendimento firmado. Hora de ir embora.

Ao ligar o carro, guardava consigo a imagem dela no cavalo de que nem a cor se lembrava, num jeans em destaque de pernas bronzeadas, e aquela jovialidade que parecia distante da sua esfera afetiva por impossibilidade jurídica da pretensão, até que, de súbito, apareceu-lhe à porta uma voz de flauta doce:

 -  Vai pra cidade? Pode me dar uma carona?

Claro. Com um negócio daquele, iria até para... - mandaria depois explicações às famílias...

Deveria ser, por força de oficio, coisa natural. Estaria apenas dando uma carona. Mas e as pernas?

 - Você não participou da partilha do gado. Seu tio João, não foi?

 - É. Não entendo muito disso.

As pernas. Os cabelos. A jovialidade. As pernas. As pernas. Não tinha como não olhar.

 - Solteira.

- Solteira, mas tenho um filho que tá com mãe. Tou sozinha em casa. Cê me deixa lá? É logo ali. Vou te ensinar.

Era caminho.

 - Aqui.

 Parou.

 - Entre. Pego uma cervejinha no boteco ao lado.

 As pernas. Os cabelos. A jovialidade. Uma cervejinha. Resolveu.

Casinha modesta. Sentou-se. E ela chegou com a cervejinha destampada apanhada do boteco ao lado, um copo e ainda ligou a tevê:

 - Vou tomar um banho.

Foi-se. E ele na cerveja e tevê. Ela passando enrolada na toalha para o tal banho. De volta para se aprontar no quarto, porta aberta e com espelho de onde ele via as pernas sem o short. Que programa se passava na tevê nem se lembrava, em que se encontrava a quantidade do líquido na garrafa nem se lembrava. 

O espelho do quarto dela lhe mostrava um monumento e ele então tomou uma atitude.

- Demorou! Pensei que você não viesse mais não – disse  a flauta doce.


quarta-feira, 16 de junho de 2021

Para lá, para cá


Naquela casa, daquela rua, de manhãs claras e resto do dia a caminho curto da noite, moravam umas garotas. Ponto, e sobre esse ponto os suspiros mais profundos de tesão, encanto juvenil, acerto e ajustes de almas gêmeas. Quem saberia? Não existiam em crua realidade, mas eram quase palpáveis e bonitas até dizer “chega!”. E a gente carregava para onde bem quisesse trocando segredos de menino e caçando ousadia com elas.

“A do meio não está de namoro com Tadeu?”

 “A que tem uma covinha no rosto quando ri?” Qual, Tadeu não tem essa força toda não; acho que é um cara de fora."

Mas com a nova professora, que se sentava com descuidada elegância e fumava carlton, sorridente, pernas cruzadas,  com estilo, foi diferente o papo.  Adão até inventou uns lances interessantes dela. A notícia que circulava era a de que ela andava nua dentro de casa.

“Pelada?”

“Nua como assim, Adão? Só de calcinha?

 "Dizem que Basílio trabalhando de pedreiro pro vizinho dos fundos  é que tivera  a sorte de ver”- disse Adão.

Iluminação ou magia? Basílio deve ter tido uma iluminação. Ficamos todos com inveja de Basílio. Quando ele passava para o trabalho a gente olhava com admiração. Como que pronto para pedir autógrafo. Basílio, afinal, tinha visto a professora, pernas e peitos, mais os cabelos louros de entrada.

Um dia ela esvaziou uma carteira de carlton e a arremeçou no chão, corremos eu e Rock para pegar, quando saiu dos lábios dela uma rispidez de autoridade:

“Ei, é de Gustavinho!”

E Rock, mais atirado, porém respeitoso com aquela estampa de professora,  nem ousou e deixou para mim, que guardaria como um espécie de...  fetiche.

Depois, ficava imaginando a professora sem o vestido curto de suaves bolinhas se movimentando dentro de casa.  Para lá, para cá. Para lá, para cá.

Sem Basílio por perto, claro.