domingo, 28 de dezembro de 2014

A cantora Madona apóia o presidente da Venezuela

De uns tempos para cá, passei a me sentir meio analfabeto. Por conta das vistas cada vez mais cansadas talvez. Nesse bombardeio diário de informações, com manchetes as mais diversas em mistura, acabo, na pressa em escolher o assunto que mais me interessa, por esbarrar em uma ou outra que de imediato me causa confusão, tal qual ocorria com aquela velha surda do programa de TV A Praça é Nossa. Só que no caso o problema da velha era com relação a linguagem oral e a minha é com a escrita.

Quando abro a internet e vou garimpar as matérias para uma leitura mais atenta, tendo que afastar do caminho os noventa e nove por cento de lixo, é que ligeiramente tenho essa impressão. Devia ter anotado alguns desses tropeços de leitura para ilustrar essa nova doença. O pior é que se você não cuidar de se certificar depois ao fazer essa rápida leitura das manchetes, o que se torna uma perda de tempo mas necessária, acaba por reproduzir de forma equivocada a informação.

Encontrados mais à mão, registro então alguns casos. Outro dia, nesse processo de escolha, deparei com o seguinte: Madona posa com o presidente da Venezuela. Não me interessava, passei adiante mas preocupado com aquilo. Pombas, que que tem a ver Madona, cantora pop, com um político da América Latina? Aí, com tal preocupação, já não conseguia concentrar direito na matéria seguinte, de forma que, encasquetado, cliquei de volta em Madona posa com o presidente da Venezuela, quando enxerguei melhor a foto e constatei que não era a artista Madona mas o ex-jogador de futebol Maradona, que naquele Pais chegava para ser técnico. Outra: Paquistão-2014: jogadores elegem Neymar e CR-7 como melhores do ano. Claro que adoro futebol. Quis ler o texto, mesmo estranhando que tal escolha tenha sido feita num país que não tem nenhuma tradição nessa modalidade de esporte. Vai que passaram a admirar a poesia do futebol dos craques e fizeram essa homenagem, pensei. Pois pensei errado: era Pesquisão-2014. Eu já estava tão fragilizado com noticiários sobre corrupção no Brasil e no mundo e até no Vaticano, que ontem não deixei escapar e anotei essa em que ia me estrepar e no estalo me salvei: PMs podem ser expulsos da corrupção, quando a chamada da matéria era, na realidade, PMs podem ser expulsos da corporação.

Falei da velha de A praça é nossa, agora me lembro do caipira que deu duro no trabalho em período junino e depois saiu pela cidade à procura de festa, quando, após ter ficado por mais de hora esperando abrir certo estabelecimento, perguntou a um transeunte:

- Oh moço, que hora vai abrir aqui o Forró de Gérson?

- Aí não é Forró de Gérson não- respondeu o moço, – é Forro de Gesso.

Ora, era apenas uma placa, imagine agora com esse excesso de informações. Vai aí, portanto, minha contribuição para a cautela do leitor nesses tempos.





sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A vez que Davi poupou Golias



Ele era o mais velho da turminha e vivia meio a um canto, como um dos alunos mais fracos. Do contra, ia sempre na contramão, no seu jeitão áspero, de criança criada sem pai. Mas descobri no desenrolar das aulas que ele não era tão ruim em desenho. Pelo menos isso. E passei a ser além de coleguinha de alfabetização, naquele ano de 1969, seu amiguinho lá na rua. Eu, o xodó da professora, melhor aluno; Davi, o estranho.

Um dia a professora riscou um sinal no quadro e foi perguntando aos alunos de um a um:

- Que sinal é aquele?

- Sinal de menos, professora.

- Fique ali.

Dirigia-se ao próximo:

- Que sinal é aquele?

- Sinal de menos, professora.

- Fique ali atrás de sua colega.

E assim foi que todo mundo ia dizendo “sinal de menos” e ficando em fila sem apanhar de palmatória. Restávamos eu, o cara, o gigante em notas, e Davi, o amalucado. Eu tinha certeza que o sinal escrito no quadro pela professora era o “sinal de mais” (+) mas como todos disseram que era o “sinal de menos” (-) e não tinha acontecido punição nenhuma resolvi acompanhar a maioria quando me chegou a pergunta:

- Sinal de menos, professora.

- Fique ali na fila.

Naquele tempo, só se ingressava no ginasial (atual 5ª. a 8ª. série) após aprovação no chamado curso de admissão. Só quando acabou com tal exigência é que Davi conseguiu entrar para o ginasial. A essa altura eu já me preparava para o segundo grau.

- Que sinal é aquele? - a professora perguntou, para o último, que era Davi.

- Sinal de mais.

A professora pegou a palmatória e entregou a Davi:

- Tome, dê um bolo em cada um dos seus colegas.

As crianças iam passando por Davi com a mão estendida para receber o bolo punitivo, que ele aplicava com força, e a fila ia andando até que chegou a minha vez, ocasião em que Davi apenas fez tocar de leve a madeira, numa palmatoada meramente simbólica: o Golias da classe lhe inspirava respeito e amizade - consideração recíproca que guardamos para sempre.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

... senão



... senão a manhã não chega
se esgueira
respingos da chuva
insistente de nada
aroma do café
que não se anuncia
pela casa

.. senão o dia não chega
nem termina
as crianças não têm volta
da escola
estão todas soltas
pelas ruas
nuas
estão nuas
sem rostos

há um jeito de casa
estiolada
de fim de linha
placa de “vende-se”
impressão de homem
na calçada
camisa do Flamengo
desbotada
cigarro sem fósforo
cerveja sem álcool
bife de soja
o número do celular que você discou
não existe
a Internet caiu
você está no teatro
pelo lado de fora

30.09.2014

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Getúlio, Jango e Dilma


A presidente Dilma, em sua campanha para reeleição, vem sofrendo o que sofreram todos os presidentes anteriores que não trilharam de acordo com os interesses de uma elite - que se curva aos interesses do capital estrangeiro -, como Getúlio Vargas e João Goulart, que não completaram seus mandatos, apesar de grande aprovação popular; o primeiro obrigado a suicidar-se, o que fez recuar o golpe, que foi tentado no governo JK e que veio a  explodir em 1964 com a deposição do segundo, fazendo o país mergulhar num mundo kafkiano por mais de vinte anos, quando o Brasil se encontrava em plena efervescência cultural e política.

A grande mídia, à época, como o faz hoje, tem se colocado sempre como um “gato do mato” nessa luta em favor da Casa Grande; daí não se estranhar agora, que tudo parece caminhar em distanciamento à sua mesquinhez, com a aprovação do governo de Dilma, sem necessitar de esquadra americana no litoral do estado do Espírito Santo, porque apoiada no salto de evolução que se deu na comunicação, o mesmo filme com “remake”, para que Dilma seja derrotada ou pelo plano “A” ou pelo plano “B”.

Lembremo-nos de Leonel Brizola, o quanto ele foi massacrado pela Rede Globo, que depois de tantos anos de prostituição em parceria  com a ditadura militar (21 anos) estampou matéria em que confessa que esteve errada e então pede desculpa, tipo “desculpe a nossa falha”, como dizia o apresentador do JN Cid Moreira. Ao que a gente poderia dizer “Vá e não peque mais”, mas não adianta – é na primeira esquina.


Já é tempo de o povo brasileiro abrir bem os olhos para o que informam os veículos de comunicação, com as distorções que costumam fazer para que tudo resulte na retomada das rédeas do poder que, segundos eles, deve seguir uma outra linha, entregando o Brasil a banqueiros, especuladores, com a presença mínima de Estado e, por conseguinte, desvalimento desse povo, como ocorreu no caso das quedas dos presidentes Getúlio e Jango.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Sem nota fiscal

Já que sonhar é de graça, Deraldo não deixava por menos. Seus sonhos tinham a altura das estrelas. Falava de coisas a realizar como se fosse do tipo “vou ali tomar um cafezinho e volto”.

- Se tudo der certo, amanhã estarei no Rio de Janeiro tomando um chope à beira da praia com Xuxa.

Dizer o quê, pelo amor de Deus.

- Sente aí, Deraldo. Tome uma pinguinha com a gente mesmo, homem.

- Não posso; tô aguardando um telefonema de Maité Proença. Ela ficou de me ligar hoje.

Muitos dos amigos achavam que Deraldo sempre fora assim. Outros, porém, atribuíam essa sua perturbação à segunda falência por problema fiscal.

Altas multas por sonegação de impostos o levaram ao caos.  Da Segunda vez, quando se reergueu, procurou andar em dia com o fisco. Pagava religiosamente todos os tributos. Até o que às vezes não devia. Na dúvida, pagava. Queria dar sua contribuição e conduzir-se dentro da lei. Com tantos tributos, a vaca foi de novo para o brejo.

A vaca não, que Deraldo não era pecuarista, mas o seu comércio de atacadista.  Resultado: andar direito também não dava camisa.

Assim é que Deraldo de repente se tornou aquela explosão de fantasias. E passou a desfrutar daquilo que é de graça: sonhos. Pelo menos já não devia fedêpe nenhum; os outros é que lhe deviam.

Tantas marcas lhe deixou na mente perturbada a fase de operação fiscal que, quando Deraldo falava em dinheiro, expressava-se  mais ou  menos assim:

- Com dois milhões de UFIR eu faço um arraso.

- Qualquer dia eu ponho a mão numa bolada.

E pôs. Nas alturas em que andava, não é que acabou acertando sozinho na loto.

Comprou uma F-1000 cabine dupla e partiu para o Rio de Janeiro. Freqüentou ambientes sofisticados. Esteve na Academia Brasileira de Letras, durante a solenidade de posse de Dr. Roberto Marinho.

E quando, dia seguinte, foi recebido no Palácio das Laranjeiras, fez por merecer uma repreensão do então governador Brizola, seu líder político, por ter atendido ao convite do poderoso chefão da Globo. Mas, para não estender muito o caso, vamos encontrá-lo de volta para a Bahia, após grandes aventuras no sul maravilha.

E não voltava sozinho não. Com ele vinha todo um time de primeira: Xuxa, Maitê Proença, Lídia Brondi e Vera Ficher. Lembrava o ataque da seleção brasileira de 70: Jairzinho, Pelé, Tostão, e Rivelino como falso ponta-esquerda, que era para enganar os estranjas.

Logo ele se lembrou daquele velho ditado: Deus quando dá a farinha, o diabo fura o saco. Ao entrar na divisa entre os estados de Minas Gerais e Bahia e passar pelo posto fiscal, voltava aquela aporrinhação. A perseguição fiscal acabou sendo uma inhaca na vida de Deraldo.

- O senhor tem nota fiscal? – foi perguntando o fiscal de olho no interior do carro.

- Essa não. Nota fiscal?! Claro que não.

- Pois então meu amigo, vou lavrar o auto de infração. A mercadoria - concluiu olhando para Xuxa, Maitê, Lídia Brondi e Vera Ficher – vai ser apreendida.

- Mas qual é a infração, ô seu fiscal?

- Contrabando, meu filho, contrabando do grosso... ou do fino, sei lá.

- Contrabando de quê?

O fiscal, com a caneta em punho e cara de ousado, foi apontando uma a uma: Xuxa, Maitê, Lídia Brondi e Vera Ficher:

- Contrabando de açúcar, meu filho.

Era o destino de Deraldo. Mas, como dizia Machado de Assis, é melhor cair das nuvens que de um terceiro andar.

1990


sábado, 26 de julho de 2014

Dete

Tinha uma covinha no rosto, acentuada quando sorria, mas quase não sorria, umas toras de pernas e o cabelo sem cuidado, sem contar os seios que se presumiam bonitos. Imagine agora o bumbum. Era triste Dete. Tinha seus motivos, conforme soube depois.

- Dete, esqueça tudo isso que você me falou sobre seu ex, procure um salão de beleza e faça seu cabelo, passe a usar umas roupas bonitas e, principalmente, mantenha um sorriso sempre, em todos seus atos; o amanhecer é um sorriso que Deus nos proporciona: a vida é grande.

Quando dias depois Dete voltou ao meu escritório, cabelo com estilo, roupa no capricho, a covinha do rosto estava acentuada. No lembrar do poema de Manuel Bandeira, céus e terra se estremeceram.

sábado, 19 de julho de 2014

JOÃO UBALDO RIBEIRO



Quando era estudante de Direito eu estudava Direito Administrativo nuns livros capa preta em dois volumes de Manuel Ribeiro. Descobri depois pelas crônicas do Jornal da Bahia assinadas por João Ubaldo Ribeiro, que eu saboreava semanalmente, que ele era filho do mestre. Sua maior obra, para mim, foi, sem dúvida, Sargento Getúlio, mas me deliciava com sua crônicas. Vá com Deus, João, você é destaque maior nas letras – um imortal. 

sábado, 12 de julho de 2014

COPA: Brasil mete 1 a 7 na Alemanha

Essa é a manchete principal que só saiu no meu jornal particular, porque sou doente por futebol do Brasil. Mas confesso que quanto a isso, ultimamente, tenho me alimentado mais de vídeos pela internet.

Um dia minha mulher molhava as plantas, largou a mangueira no quintal e veio até meu escritório, que fica no fundo, por causa dos meus gritos:

- Que grito é esse? O que aconteceu?

Dei-lhe um abraço de comemoração.

- Gerson desempatou o jogo da final contra a Itália.

Ela voltou para seus afazeres fazendo sinal com o dedo próximo à cabeça como que a dizer que eu estava pirado. Eu assistia ao jogo na íntegra (pela enésima vez), e, cá para nós, mulher não entende dessas coisas. O jogo estava num empate que se arrastava até que Gerson, que só tinha a perna esquerda mas que era de ouro, fez aquele gol. Quando Carlos Alberto fez o quarto gol e eu gritei novamente, aí ela não deu mais importância, como se eu fosse caso perdido.


sexta-feira, 4 de julho de 2014


NEYMAR JR

Neymar Jr
você ficou fora da Copa do Mundo-2014
acabo de saber
mas a Copa do Mundo-2014 é que te perdeu

terça-feira, 1 de julho de 2014


Flor do algodoal


em meio ao algodoal
a flor
tênue tom
que se despreza
mas que comigo vai
como uma manhã
imperecível
esta lembrança tua
nua
na cama
10.02.2013

quinta-feira, 5 de junho de 2014

O mundo não se acabou



1.
o mundo não se acabou
as manhãs respingam em chuva
cantada hoje e outrora
discretos frutos em desvendados véus
as bombas atômicas sobre mim
não surtem efeito
se esgueiram
diante de minha Luz

2.
por quê o mundo chora
se há sorriso no amanhecer?

3.
há nos céus bordados de estrelas
que se despedem
para o Sol se impor

4.
por quê o mundo chora
se há sorriso no amanhecer?

sábado, 31 de maio de 2014

MARIANO



Seu Albertino, vizinho, pegou um; Seu Pedro Rocha pegou outro; vovozinha, que morava ao lado, ficou com uma mocinha,  e mãe resolveu apanhar um dos mais novos, Mariano. Os pais deles viviam só na irrealidade das coisas, tomando suas cachaças e cantando, com essa filharada.

Todos, grosso modo, foram bem conduzidos na vida. Mas eu quero falar de Mariano.

Mãe tinha um loja de tecidos e pedalava na máquina de costura fazendo roupas. A gente estava brincando e lá vinha mãe gritando por Mariano, para que experimentasse um calção que ela tinha feito. Mariano, um pouco mais velho que eu, não sabia ler mas escrevia, na verdade desenhava, pois que não sabia o sentido das palavras. E o principal que descobri nele foi a voz.

A cidade tinha um serviço de alto-falante, e Mariano, que tinha o hábito de ficar a morder a fralda da camisa que mãe fazia para ele, entre uma mordida e outra, cantava imitando Tim Maia, que era o som que rolava então.

Ele descobriu que eu gostava disso e aí começou a tirar onda de difícil. Eu gosto tanto de música que passei a pagar doce na venda ao lado de casa para Mariano. O verdadeiro Tim Maia perdia para ele, Mariano.


domingo, 18 de maio de 2014

Meu avô Osvaldo Pereira Dantas



Meu avô Osvaldo Pereira Dantas. Depois que foi embora bate na gente os lances de convivência. Simplicidade, bondade, honestidade – isso fica gravado em nós para sempre. Mas existem também os lances de humor, que envolvem o choque de gerações e de conhecimento da modernidade que se processa hoje em ritmo acelerado.

Vou aqui iniciar uma série de pequenos episódios ocorridos durante nossa convivência com vovozão (ele era graúdo), sub-titulando, conforme o caso.

O caso da TV

Para começar, vale esclarecer que quando Cid Moreira terminava o Jornal Nacional e dizia boa noite ele respondia boa noite. Um dia ali estava e fiz uma correção:

- Vovô, o senhor não precisa dizer boa noite, que isso é televisão: Cid Moreira não está vendo a gente.

- Mas meu filho, depois do homem dar notícia de tudo, do Brasil e do mundo, terminar o serviço, como é que a gente deixa de responder o boa noite?

Acontece que um dia ele estava na casa de meus pais e acabou maravilhado ao ver que a nossa TV era colorida. Procurou saber, vendeu umas duas vacas e encomendou ao genro de tio Zé Pereira – que transitava para S. Paulo - um aparelho de TV a cores.

Dedê Dantas, meu tio, tomava cerveja comigo, eu de férias, vindo da capital:

- Vamos assistir ao jogo da seleção do Brasil lá em casa – pai tá entusiasmado com a televisão colorida.

Pedi uma saideira  e outra.

- Vamos, que já tem dez minutos de jogo.

Fomos. O Brasil jogava contra a Suécia, com o uniforme número dois

Entramos, o jogo já em andamento etc.

- E aí, vô, como está o jogo?

- Ei, meu filho,esse timinho de azul tá pra matar nós.

O timinho de azul era o Brasil; a Suécia era camisa amarela.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Ao cantor e compositor Dedé Badaró




Dedé Badaró,
sua melhor canção
não é de sua composição
mas a que você canta, interpreta
toca
Teca

Candiba(BA), 20.03.2014.

Nei George Prado (Colinha)

domingo, 11 de maio de 2014

O menino passarinho I


Para Daniel da Silva Prado

Não era nem menino nem passarinho. Nada a ver.

Molhava as plantas de sua casa num certo dia e aí aconteceu.

Borboletinhas em volta no jardim do quintal, e aí aconteceu: elas, as borboletinhas, volteavam por entre as plantas, com festividade, num fim de dia.

Então surgiu um passarinho diferente, que pousou no pé de romã.

Como ele não se arredava, mesmo com esguicho de água da mangueira com que regava as plantas, aproximou-se, brincando:

- Ei, como é seu nome?

- Ramon – o pássaro respondeu de forma cantada, que ele entendeu.

Surpreso com a “fala” do pássaro, que não era fala e ele entendia, indagou:

- Por quê estou entendendo você?

- Porque você é um poeta. Olavo Bilac não conversava com estrelas?

- É, mais isso só na poesia...


O passarinho estranho deu uma girada de pescoço e respondeu: - Vem gente; depois eu volto – e saiu do pé de romã.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Jair Rodrigues, o artista




eu coloquei este título porque aqui na região
existe muito Jair
e inclusive dos Rodrigues
e é claro que eu quero prestar uma homenagem a ele
que tanto nos alegrou
como cantor
com suas interpretações
primeira qualidade
só que o principal de Jair Rodrigues
além da voz
era o astral
alegria
daí este registro
o sorriso dele, egoisticamente, eu guardo escondido para mim
mas acabo espalhando para vocês
como forma cristã
de dividir o pão

08.05.2014

sábado, 3 de maio de 2014

Paulo Sérgio e a radiola




Lá em casa, anos 70, havia uma radiola – esses meninos não sabem o que é isso e eu explico: era feito uma mesinha que tinha um rádio AM com várias faixas e um espaço separado para botar os discões tipo LP para tocar, que pai volta e meia trazia das suas viagens. A empregada vinha e passava na madeira óleo de peroba, que fazia lustrar tanto o tampo da radiola como a voz do cantor novo. Diferente. Chocante. Um novo Roberto Calos. Minha irmã mais velha logo apaixonou-se por ele, em traição a Roberto Carlos, cujo anelzinho de casamento a gente tinha comprado na loja da Dona Nida, em 1968, no maior entusiasmo.

Aí não era só lá em casa não. No alto-falante da cidade, no alto-falante do cineminha de fim-de-semana, no circo, só rolava ùltima Canção e outras músicas de Paulo Sérgio.

Eu passei a gostar meio escondido de Paulo Sérgio, mas quando  pegava na capa do disco do rei RC, ainda mais naquela época de ditadura militar, eu ficava com medo desse gostar – rei é rei, mas eu também o traí curtindo Paulo Sérgio e chorei o dia em que ele se foi.


E a radiola?

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Gal, menina bronze





Modismo. Aquela época (1977) devia ser a do bronze – revisitada - para lembrar aqui o poeta Fernando Pessoa.  (Gal por onde agora você se bronzeia, pequena e bravinha?). Gal, se você passasse o dedo no corpo dela parecia que tirava tinta mas não saía qualquer tinta: ela era mesmo bronze.  Adorava aquela cor. Os cabelos - Luluzinha da revistinha. Argolinhas discretas nas orelhas meio jeito phippe; próprio. 

Tomei um dia um suco de caju no apartamento dos pais de Gal (sem a presença deles), a propósito de um trabalho escolar, em companhia de Paulo. Paulo, brancão, de Uberaba, na Bahia (o pai tinha uma empresa de transporte filial em Salvador), não ligava assim não para esse tipo de menina; gostava era de mulher brancona igual a ele mesmo. Otário. Ele tinha uma mania de trancelim de S. Judas Tadeu - peito cabeludo -, que serrilhava de vez em quando entre os dentes, o que só isso achava meio legal, mais nada. E era bom no basquete, no vôlei e aluno bonzinho, ao gosto das freiras irmãs do Instituto Nossa Senhora da Salete, nos Barris, em Salvador, na Bahia, como figura exemplar. Até achava aquilo chique mas meio minhominhom. Ah! Tocava um violãozinho, duas ou três músicas, o que já era suficiente para causar algum efeito. Eu, no entanto, tímido, tocava até mais, mas sem aquela pose elegante de Paulo (cadê você, bicho?).

Estou escrevendo para rememorar essa fase colegial dos anos 70, com foco na figura de Gal e Paulo fica me atrapalhando. Vá pra lá, Paulo, com suas brancuras e seu trancelin de S. Judas Tadeu (gente boa, até ao gosto das irmãs do colégio). Gal. Quero me lembrar dela. Cadê você, Maria das Graças Aquino (viu como me lembrei do seu sobrenome?).


Estávamos na fase dos quinze anos. Eu ficava encantado com a responsabilidade de Gal, como irmã mais velha, no colégio, cuidando de seus dois irmãozinhos menores, menina bronze e Luluzinha da revistinha (soube depois que seus pais eram separados).

sábado, 26 de abril de 2014

Violão




violão sobre o sofá
mulher nua
estendida
é só saber dedilhar
caminhos de sonho e conforto
aproximação com os deuses
o infinito
fica aqui

domingo, 20 de abril de 2014

O compositor




eu fiz uma canção
gravei em Studio
arranjos
etc e tal
e fiz recomendações
às rádios locais
oh que felicidade a minha
tornou-se a música mais tocada
não nas rádios
mas no som do carro de
meus pais


CANDIBA-BA, 20/04/2014.