quinta-feira, 25 de maio de 2017

até meu último tostão




te levarei para gastar comigo
até meu último tostão

depois brincaremos de nada
como quem fica com o pauzinho
do picolé quando acaba

sem reservas
poderemos ficar do lado de fora do circo
do cinema
sorrisos e silêncio

a caminho de casa
teremos feito nosso próprio
filme

e a certeza virá de leve
beijar a manhã
como fruta madura
que se descobre no quintal

26.04.2017

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Naquele tempo era assim




Cresci com esse incômodo, que no final não deixava de ser prazeroso, de ter que ir vez por outra até a fazenda dos Gerais de Palmas de Monte Alto, Serra Geral do Sudoeste da Bahia, visitar meu avô, que, depois que se desquitou de minha avó, ali vivia com sua segunda esposa e filharada, numa casa grande que pertencera ao genro do Barão de Caetité.

Para se ter uma idéia de como era a casa, de estilo colonial, se hoje temos internet, lá ainda havia alguns postes de madeira indicando o uso que em tempos remotos se fazia do telégrafo. Engenho de cana-de-açucar, agregados e peões. Um velha mestiça que cuidava das cabras. Cana, rapadura e cachaça. O gado criado meio à solta, porque onde quer estivesse era nas suas terras.

Lembro-me de um dia de visita em que era ainda um pequeno que começava a descobrir as coisas. Meu pai, sempre do lado, me explicando.

_ Esse era o tronco dos escravos – me apontava um pedaço de velha madeira trabalhada toscamente.

_ E aquela preta velha, pai? De onde ela é?

_ Ah, daqui. O velho comprou a fazenda e já achou esse povo aí. Ela cuida das cabras.

O velho estava sentado numa cadeira enquanto um moço lhe tirava a barba que havia crescido de forma desordenada.

Estranho e sofisticado, pensei. Meu avô iria mostrar depois para meu pai  um gado que já estava separado. Iríamos a cavalo.

Meu pai conversava com o velho, quando apareceu o vaqueiro montado a cavalo e puxando mais dois animais.

Ao voltar, falei com meu pai:

_ Ô pai, o senhor não acha aquele vaqueiro de meu avô mesmo que vê o barbeiro que tirava a barba do velho.

_ Ué, meu filho, é a mesma pessoa: ele só fez botar a roupa de vaqueiro. E tem uma coisa, ele faz de tudo por aqui: aplica injeção em uns, encana braço quebrado de outros, faz serviço de pedreiro, corta barba e cabelo do velho, faz de tudo um pouco...

Naquele tempo era assim, por isso é que minha mulher não me entende quando, às vezes, quero que mande chamar Dodô Vaqueiro para cortar meu cabelo e tirar minha barba.