Cresci com esse incômodo, que no final não
deixava de ser prazeroso, de ter que ir vez por outra até a fazenda dos Gerais
de Palmas de Monte Alto, Serra Geral do Sudoeste da Bahia, visitar meu avô, que,
depois que se desquitou de minha avó, ali vivia com sua segunda esposa e
filharada, numa casa grande que pertencera ao genro do Barão de Caetité.
Para se ter uma idéia de como era a casa, de
estilo colonial, se hoje temos internet,
lá ainda havia alguns postes de madeira indicando o uso que em tempos remotos
se fazia do telégrafo. Engenho de cana-de-açucar, agregados e peões. Um velha
mestiça que cuidava das cabras. Cana, rapadura e cachaça. O gado criado meio à
solta, porque onde quer estivesse era nas suas terras.
Lembro-me de um dia de visita em que era
ainda um pequeno que começava a descobrir as coisas. Meu pai, sempre do lado,
me explicando.
_ Esse era o tronco dos escravos – me
apontava um pedaço de velha madeira trabalhada toscamente.
_ E aquela preta velha, pai? De onde ela é?
_ Ah, daqui. O velho comprou a fazenda e já
achou esse povo aí. Ela cuida das cabras.
O velho estava sentado numa cadeira enquanto
um moço lhe tirava a barba que havia crescido de forma desordenada.
Estranho e sofisticado, pensei. Meu avô iria
mostrar depois para meu pai um gado que
já estava separado. Iríamos a cavalo.
Meu pai conversava com o velho, quando
apareceu o vaqueiro montado a cavalo e puxando mais dois animais.
Ao voltar, falei com meu pai:
_ Ô pai, o senhor não acha aquele vaqueiro de
meu avô mesmo que vê o barbeiro que tirava a barba do velho.
_ Ué, meu filho, é a mesma pessoa: ele só fez
botar a roupa de vaqueiro. E tem uma coisa, ele faz de tudo por aqui: aplica
injeção em uns, encana braço quebrado de outros, faz serviço de pedreiro, corta
barba e cabelo do velho, faz de tudo um pouco...
Naquele tempo era assim, por isso é que minha
mulher não me entende quando, às vezes, quero que mande chamar Dodô Vaqueiro
para cortar meu cabelo e tirar minha barba.