Estranhava as
cozinhadinhas que minha Irmã mais velha fazia, nas brincadeiras de bonecas com
as amigas. Em vez de fazer de conta ela fazia de verdade.
Cozinhava feijão, arroz e cortadinhos de mamão verde, em panelas pequenas, às
vezes, por algum descuido mas sem reclamação, com cheiro de fumaça, minha
preferência. Todo mundo sabe como era. Quem comia mesmo eram as donas das bonecas
e convidados, como eu no caso, que ficava só ali, na godela.
Olhe que eu me viciei. Era uma comidinha sem fartura, que depois, para
valer, vinha o almoço da casa. Mas não dispensava. Interrompia a brincadeira
com os carrinhos de plástico para uma pausa: convidado para uma cozinhadinha.
Quando era de minha irmã Nora..., era de tirar o chapéu. Era lorde, ou chique,
como se dizia então.
Tinha um caixote de carrinhos de plásticos. Muito orgulho:
- Pega esse (que tinha as rodinhas de tampas de borrachas de frascos de
injeção), é macio, uma beleza, e entregava o caminhãozinho à criancinha mais
pobre que a gente, sempre de bico, que ficava só apreciando e nunca acontecia
de roubar.
E muitos outros, que apareciam, pegavam um carrinho para brincar. No fim
da tarde, hora de tomar banho, havia um garoto encarregado de receber os carros
e dar baixa nos empréstimos.
Um dia era aniversário de uma boneca, minha irmã mandou distribuir o
bolo mediante apresentação de um presente. Eu, no faz de conta, comi um pedaço
de bolo de verdade, mas morri de rir quando minha irmã lamentou o presente
entregue à Ereca, empregado de mãe, que saiu correndo com o seu pedaço de bolo:
- Por que, Nora? Tão bonitinho! - eu disse a ela..
Acontece que o sacana tinha enrolado num papel não um presente
novo mas uma ursinho já velho e esquecido, apanhado nos pertences dela.
Hoje considero minha irmã, ex-nuticionista do Hospital Roberto Santos,
bom que se diga, uma boa cozinheira.
- O melhor arroz fumacento que já comi. Tem gosto de infância, Nora.