na Poética do Artista Popular Waldick
Soriano
1.
Deu-se
que lá no céu
Que
não tem televisão
Tampouco
rádio e jornal
Lá
não tem tal precisão
Chegou
Waldick Soriano
Já
chegou assobiando
E
foi por convocação.
(...)
13.
Nisso
chegou um maluco
Que
ali não se distinguia
Era
o ídolo Raul Seixas
Um
roqueiro da Bahia
Alegre
e fortalecido
Com
um cara conhecido
Luiz
Gonzaga em parceria
(Cordel “A vez que Waldick Soriano
foi chamado ao céu e por lá ficou” - NGP)
O cantor e compositor Waldick
Soriano tem na poética das suas canções populares um pouco de Buda e do poeta
português Fernando Pessoa. Que ele até não tenha lido textos sobre um e outro,
mas as suas canções, que têm como temática um sentimento universal, trazem de
forma clara esse registro também dos referidos mestres.
Melhor que se comece por falar de
Fernando Pessoa, invertendo assim a ordem. É que o poeta português lembra nos
seus versos que todas cartas de amor são ridículas e não seriam cartas de amor se
não fossem ridículas. Esse ridículo, como sabemos, é de forma tal e não de
outra, pois que o amor é assim, de simplicidade, como são nos versos de Manuel
Bandeira, nos poemas “Porquinho da Índia” e “Estrela da Manhã”, aqui citados
mais à mão.
Waldick Soriano vai que também não
leu Bandeira, mas na arte, na poesia, não existe fronteira e nem limite, e o
que há de brotar brota como a flor no asfalto no dizer do poema de Carlos Drummond
de Andrade. Ele, Waldick Soriano, é um
intuitivo de inspiração popular, por isso é que foi de muita aceitação, do
gosto do homem médio, da massa, e, ainda que torcendo o nariz, da elite
cultural, a ponto de, no final de sua carreira, encontrar o apoio da atriz
global e produtora Patrícia Pillar, que das suas canções gostava desde criança,
quando curtia o radinho de pilha da sua babá, e teve a boa idéia de fazer um
documentário sobre o artista de nossa região (Caetité-BA), que se tornou
famosa, primeiramente na área de educação, com
Anísio Teixeira, e depois com o artista Waldick Soriano.
A propósito, vale anotar que a
formação do artista, com relação à sua terra (e isso aqui devia ser entre
parênteses), essa discriminação da elite (“o homem da cidade”) com o homem do
campo (Waldick era do povoado de Brejinho das Ametistas), isso naqueles anos
cinqüenta, não deixou de sofrer essa influência, tal como falam da irradiação
da terra do urânio.
Assim é que, por exemplo, na canção
“O Moço Pobre”, a primeira do DVD-CD
produzido por Patrícia Pillar, encontramos esse sentimento de se livrar da dor
eliminando o desejo, como no poema de Fernando Pessoa, que trilha o ensinamento
de Buda, segundo o qual quem quer pouco terá tudo e quem quer nada
será livre:
“Um
moço pobre como eu
Não
deve amar
E
nem tampouco alimentar
Sonhos
de amor”
Sabe-se que Waldick, quando jovem,
ainda em Caetité, teve uma paquera com uma moça de família e não pôde passar
desse lance, por ser amor considerado à época impossível.
As suas canções giram sempre em
torno desse tema, com palavras simples, como dita o sentimento da gente.
Lembro-me de que em 1999, quando ele
esteve conosco em Guanambi, eu perguntei o porquê de ele ter utilizado na
canção verso como “eu não sou cachorro
não”, por sinal um bolero muito bonito, e ele me respondeu:
- A gente não costuma dizer, em
certas ocasiões, “eu não sou cachorro não”? Pois minha música representa o
sentimento comum, do povo, daí...
Lembro-me agora de que Roberto
Carlos disparou em sua carreira com a canção ao gosto da juventude dos anos
sessenta dizendo “Quero que vá tudo pro
inferno”, uma coisa diferente em música até então. Erasmo Carlos, o
Tremendão, numa entrevista, disse que na época era chocante utilizar certas
palavras nas canções, como ele e Roberto Carlos fizeram naquela que tem o verso
“sua estupidez não lhe deixa ver que eu
te amo”.
É isso: o sucesso desses artistas,
de comunicação fácil com o povo, não veio por acaso.
Falei do radinho de pilha da babá de
Patrícia Pillar e recordei que quando criança, enquanto começava a dormir,
ouvia minha mãe, de bonita voz, cantando “volta,
fica comigo só mais uma noite”.
Esse menino nem sonhava que um dia
ira conhecer o autor da música e com ele tomar cachaça, prosear e cantar.
(Waldick, meu irmão, você foi mais que um guerreiro e deixou a sua marca).