Dizem que os primeiros colonos que o rei de
Portugal enviou para o Brasil eram, na sua maioria, degredados e prostitutas.
Quando assim iniciava alguma conversa do dia, Zeduardo descansou o copo sobre a
mesa e soltou uma das suas:
- Pombas, então desde as nossas origens já somos
ladrões e filhos de rapariga.
A conversa não prosperou porque Mazim, que há muito
tinha pedido a palavra, resolveu contar uma parte de sua vida, adiantando que,
não ia muito longe, tinha na sua família a sua bisavó, religiosamente casada
com seu bisavô, que tinha sido rapariga exclusiva dele mesmo.
- Oxente! – gritou Zeduardo: como pode, se ela só
tinha seu bisavô como marido?
Mazim, todo professoral, quis saber primeiro o que
significava ser rapariga. Alguém explicou que rapariga era o feminino de rapaz
mas que depois assumiu o significado de mulher que transa por dinheiro.
- Pois então
minha bisavó era rapariga!
Contou Mazim que o velho Ioiô Tonico era um
verdadeiro mão-de-vaca. Comida não deixava faltar em casa. Havia fartura. Mas
era ali ó: a chave da dispensa em suas mãos. Nada mais. Isso desde o começo do
casamento. Iaiá Madalena, ainda em fase primaveril, já esboçava um certo
protesto com relação a sua atitude. Precisava de algum dinheiro. Coisinhas de casa.
Roupinhas para os primeiros filhos, uma lembrancinha ou outra. Ioiô Tonico,
imperioso, não tinha olhos para o que entendia ser capricho extravagante da
esposa. Pelejava a coitadinha. Ao seu modo, arrumava a casa e a filharada como
podia.
Uma noite em que se apresentava o ambiente próprio
para Ioiô desfrutar um dos seus direitos maritais, Iaiá Madalena deu um
verdadeiro golpe, que acabou resolvendo seus problemas até o fim da vida,
criando toda família dentro do padrão de vida que a condição financeira de Ioiô
podia oferecer. Filhos bem vestidos, asseados, escola, casa na cidade e etc.
Estava, como de costume, para receber Ioiô em sua
cama. Ioiô mão-de-vaca. Ioiô guardador de chave de despensa. Bonzinho para com
as mulheres do Mocambo e ruim para a família. Quando ele se aproximou, todo
garantido do seu direito, custo zero, Iaiá trançou as pernas e, negaciando o
corpo, falou:
- De hoje em diante, Ioô, só aqui ó... - e movimentou os dedos
exigindo dinheiro.
E assim foi por toda a vida, até Iaiá Madalena, rapariga
do marido, criar toda a família, e Ioiô Tonico religiosamente entregando seu
dinheirinho, lá pelo final apenas por costume.