domingo, 22 de setembro de 2013

A vez que fiquei preso

Deu quase de tudo que se pode imaginar de uma prisão. De sentimento de solidão, revolta de passarinho bravo, querendo voar com gaiola e tudo ou arrebentar cadeados, boca de choro sem que a mãe estivesse por perto, depois visita de conhecidos e até evangélicos, doação de cigarros e lanches pela grade, ameaça de manifestações de solidariedade pelo lado de fora, até afrouxamento de gola de camisa e, por fim, entrega nas mãos de Deus.

Tudo isso num curto espaço de tempo. Curto? Vá você ficar pelo menos 50 minutos de prisão para saber o que é o tempo. Tantos presos que já consegui tirar da cadeia e eu ali sem poder impetrar um habeas corpus em causa própria em velocidade de internet. Pensei até nos personagens de Franz Kafka.

Claro que se tratava de uma prisão domiciliar, digamos assim, mas e daí? Prisão é prisão. Estava tudo certo, como de costume. A mulher saíra mais cedo para trabalhar e, tal como uma das pombas do poema de Raimundo Correia, lá se ia a outra pomba quando, barba feita, bem arrumado, pasta com papeis e documentos necessários para a peleja diária, fui tirar o carro da garagem e não encontrei o controle remoto do portão. Com certeza a mulher teria levado os dois aparelhinhos, foi o que pensei.

Para quem estava certo de que logo estaria a caminho dos compromissos e ter que agora atrasar-se, isso numa segunda-feira...

- Não, meu bem; procure direitinho porque eu estou apenas com o meu controle. Procure aí, depois você me liga, que eu estou ocupada no momento.

- Você não entendeu: estou preso.

Disse que ligava depois – desprezo da família. Esbocei cara de choro, mas sem ninguém por perto. Olhei para os meus gatos, que ainda devoravam a ração sabor peixe que eu havia colocado minutos atrás, mas, lembrando Cartola, os gatos não falam, eles simplesmente fazem chantagem até conseguirem o que querem.

Nessas conjecturas, telefone de novo. Família é família:

- Você olhou direitinho dentro do carro?

Voz de preso, injustiçado:

- Claro que olhei senão não teria ligado.

- Liguei pra empresa que instalou o portão. Preste atenção: pegue a chavinha que está na fruteira da mesa da sala, abra a caixa e desligue o sistema. Depois é só empurrar o portão. Normal.

O portão ficou mais firme do que com a coisa ligada. Normal o cassete. Dona Elvira apareceu no portãozinho e, cumprimentos e tal, me deu um pedaço de chimango. Duas mulheres com roupa de crente vieram em seguida. Se eu já tinha lido a bíblia, queriam saber.

- Já.

- No capítulo...

- Não, dona, não me lembro assim de capítulo... com licença, o telefone.

- Conseguiu?

- Consegui desligar, mas quem é que vai empurrar o portão? ... Tá, dona, obrigado pelos santinhos.

- Que estória é esta de santinho?

- É que eu acabei de receber visita de evangélicos, que deixaram uns folhetos no portãozinho e saíram insatisfeitas porque eu me esqueci e falei santinhos. Ah, afinal, estou preso.

-  Se for o caso e você puder me esperar uns 30 minutos, então eu vou aí, mas procure direito no carro.

Procurar mais por onde?

- Oi, seu Roxinho. Nada não: portão com problema pra abrir – e tome explicações.

Seu Roxinho falou de um genro que mora em S. Paulo e que trabalha na instalação desses portões. Queria ligar e pedir instrução. Era só um pulinho até sua casa e pegar o número do telefone.

Nisso, mais pessoas, sabedoras da situação, foram se aglomerando em volta do portãozinho. Seu Roxinho me passou um cigarro e me pediu calma. Notei que uns iam passando para os que chegavam informação com versões  diferentes. Mas eu não tinha ali um assessor de comunicação, um porta voz, um advogado, embora fosse um advogado em causa própria, numa segundona me esperando lá fora, no escritório, no fórum e... telefone:

- Fale!

- Você já olhou direito no carro.

- Ah, meu Deus, claro que já olhei... lugar de costume... não achei  porra de controle nenhum.

- Pois olhe nos lugares fora do costume.

Não é que fui olhar e encontrei o treco encaixado num lugar decente, que devia até ser o de costume mas para mim não era: na véspera tinha recebido o carro do lavador e o sacana dera uma grau no painel e colocara o controle num lugarzinho apropriado para  guarda de controle que eu nunca iria descobrir.

Resolvido. Tempo de cárcere: 50 minutos. E quanta coisa e reflexões aconteceram. Nó de gravata já folgado, por conselho de seu Roxinho, portão se abrindo para o mundo, que me esperava, me senti como aquele personagem do filme “O expresso da meia-noite”, e aí compreendi melhor o porque de sua saída em câmera lenta, de tanta ânsia, ao vislumbrar a liberdade diante de si.

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