Faltava-lhe
a namoradinha no desenho de vida de pequeno burguês, que se projetava então à revelia, conforme imaginavam
dele. Após criar o modesto costume de frequentar noites e festas numa rua de
residências estudantis, caíra-lhe no costume bom um “embrecho” com uma garota,
que virou namoro, de ter começo, meio e... fim. Dessas de presilha ou diadema
no cabelo. Sobre o que deveria dizer alguma coisa. Mas o quê mesmo? Fazia quase
meio século.
O que se riscara no painel desse
tempo, no entanto, haveria de permanecer, como o abraço envolvente que dera em
Glória, protegendo-se da chuva, sob a marquise, na Avenida Joana Angélica, numa
fresca manhã de 1979. Um quadro de um casual encontro haveria de permanecer na
sua parede de lembranças, ele voltando da educação física e ela, de sombrinha,
indo para o colégio. Dois jovenzinhos num dia de chuva, que aproveitavam para
curtir abraçadinhos, aos beijos e amasso. Silêncio. Barulho normal de rua,
tráfego e tiritantes chuviscos no asfalto. Momento que fora concebido pelos
deuses, sem ninguém saber. Ela nos seus quinze anos, ele nos seus dezessete.
Simples assim, como tudo naquela época, com ajustadas lentes.
O que levara a perder aquela
rotina? Andava bem no colégio e vinha normal na relação com Glória. Tinha
descanso, conforto, rolé, descoberta, dança e toda alegria de uma manhã que se
abria no cotidiano.
- Venha,
vai ser legal!
Era uma
festinha, em que depois de um papo com os novos amigos, regado a batida de
maracujá, amendoim e demais itens da família do suco maguary-kibom, dançavam um bocado e iam os
dois para uns amassos de despedida. Glória abria a bolsinha e retirava uns
caramelos, queimados, chicletes, o que fosse para passar o tempo mudando de
hálito, posição ou assunto.
Ah!
Queria pintar outro quadro sobre o “finale”,
mas o que vinha na mente era o fatídico dia dos namorados, do presente
que recebera. Agora ele se sacudia. Rompera-se a normalidade.
E tão perturbado que ficou
perdido com as palavras dos que se diziam novos amigos. Disseram da vibração
dela, quando vira os rapazes da UNE no congresso realizado no
Centro de Convenções Salvador, na Bahia, após 15 anos de ditadura.
“Que lindo!” Glória teria gritado
no entusiasmo, sem saber que ela estaria sendo filmada pelas lentes da mistura
de inveja e donzelice dos novos amigos, firmes na solidariedade de macho. E ele, de
igual origem, permitindo aflorar um machismo que guardava imberbe dentro de si.
- Ora, Glória não tem namorado?
Preferiu então dar por acabado o
relacionamento, malgrado os panos quentes das amiguinhas de Glória, à porta de
sua casa. Melhor que procurasse mascar esse chiclete, como fazia ela nessas
ocasiões. Deixaram então de presente uma
caneta cor de ouro com gravação Edu &
Glória, em 12/06/79.
Depois, quantos vezes não chorara
nas noites perdidas no escuro do quarto sem a menina da presilha!