Regina
1.
Estava jogando sinuca
com Roque na hora que todos correram para as portas do bar:
- Quero ver também,
porra! Com licença! – falei.
Ficava
um amontoado de curiosos. Novidade nenhuma. Como sempre. No bar do Borba havia
uma enorme mesa de sinuca que segurava a rapazeada na parte de cedo.
-
Chegaram essa noite de S. Paulo. São minhas duas irmãs mais velhas e sobrinhos
– disse Roque dando uma tacada forte na bola.
Enfiei-me
no meio e fotografei mentalmente a sobrinha de Roque, dizendo por fim:
-
Vai ser minha namorada! – e fui
desocupar a sinuca, abandonando o taco na mesa.- Sua sobrinha é um tesouro,
Roque – arrematei.
- 16 anos, cara.
E já estavam desenhadas
minhas férias, com clima de filme de sessão da tarde e as aventuras de dois
jovens. Ele, doido por uma paixão e ela, também, cheirando a hortelã e mel de
abelha.
- Como é o nome dela,
Roque? – gritei entusiasmado.
- Regina, filha de
minha irmã mais velha Hortência, de seu segundo casamento.
- Gustavo
e Regina, um amor descuidado que brotou
a tempo. Começou a rolar o
filme dentro de mim.
- Temos que falar com a mocinha – disse Ricardo
a um canto.
- Para ver se aceita
fazer? – falou Gilba, que pegou meu taco
da mesa.
- Agora mesmo, cara –
retornou Roque, com firmeza.
- Minha equipe é de primeira – eu disse.
Assim, com esse
espírito empreendedor, formou-se uma dupla, sob a chefia do tio, para saber de
Regina.
- Fico na espera – eu
disse mascando chiclete.
- Jogue fora. Cuspa,
Vai falar com a garota e você nem imagina como ela é – ralhou Roque, o tio em
ação.
- Aguardo. Vamos lá
então! – gritei apreensivo desfazendo-me do chiclete e penteando os cabelos com
os dedos.
- Chega, meu tio.
Chega! – gritava engraçado em paulistês
a lourinha,
- Vou te apresentar
logo esse cara. Olhe ele ali se escondendo. Venha cá, rapaz, pra você civilizar
mais um pouco, resenhava Roque.
Ela falava retirando as
mãos do tio, de seus ombros. Bonitinha. E era tímida também.
- Realmente, Roque –
murmurei.
Dei beijinhos de
apresentação. Com pouco, estávamos sentados no banco da pracinha batendo papo
com sotaque paulista e tudo.
- Esse negócio do filme
é só metáfora, Regina.
- Achou que eu estava ligada?
Interessante que a
gente se aproximava cada vez mais. Resolvemos dar um giro pela cidade e logo
estaríamos de volta:
- Temos um universo
para conversar – eu disse
- E o dia é pouco. A
vida... – ela se deixou calar.
- Temos que delimitar,
não é? – retornei.
- Tempo: 1978, espaço:
Brasil. Temos que versar aí dentro. Nosso mergulho é nesse universo, depois
vamos ampliando – ela ensinava..
Depois, virei-me para
os lados e para ela:
- Exatamente, Regina.
Merecemos um beijo. Com licença – beijei a garota, que me ofereceu o rosto em paz.
- Uma caixa dentro da
outra, confirmou ela com olhos amendoados.
- Você já faz parte de
minha caixinha – dei outro beijo em Regina. Vamos sair à noite! Combinado?
- Combinado.
Tiirava
um chiclete do bolso, quando ela me pediu um estendendo a mão. Dividi a goma
numa dentada em dois pedaços. Ela fechou a mão, cerrou os olhos e abriu a boca, queria a goma de mascar ali, onde
coloquei com outro beijo.
3.
Quando passei por lá no carro de
pai, dei uma buzinadinha, apareceu Roque:
- Pode ir embora, cara. Zebrou
tudo. Guerra das Malvinas.
- Como assim, Roque?
-
Conheço as duas. Morei lá com elas. As
duas brigaram. A briga delas é algo
antológico. Uma segunda guerra mundial.
-
A gente não tem nada com isso.
-
Nada, mas sobrou pra você. Hortência proibiu ela de sair e até de namorar aqui.
Bateu o martelo. Não abre nem com a porra. Briga delas ninguém entra. Não
duvido nada de querer voltar para S. Paulo amanhã. Elas não são como nós aqui
não. Costume feio. Sem respeito. E os nomes?
- Mas deixamos combinado! Eu não
poderia falar com ela?
-
Nesse momento não. Estão isoladas. Não falam com ninguém.
Quando
tudo parecia caminhar nos eixos da normalidade, surgia das nuvens essa
escuridão de mundo! Espremia-me de medo,
apanhado pela impotência repentina.
- Tem que haver um
jeito – disse Gustavo, choramingando, em frouxa diligência na partida do
automóvel.
- Espere aí, Roque, briga lá em S. Paulo
é uma coisa e aqui não é S. Paulo,
- Ela vai dizer que é a casa de seus
pais.
-
Regina pode dormir em outra casa? Dorme com minha prima ou lá em casa.
Também já cansado, Roque ponderou
- É, dar para conversar sobre isso.-
Espere aí.
Foi e sumiu lá para
dentro. Não se falou mais em Roque.
Passaram-se séculos de agonia, parodiando o poeta., e nada. Até que ao
volver para casa, de lá saíram Roque com a prima e uma sacola de roupas
atirada. Saltei fora e peguei a sacola atirada que ficara para trás e fui
chamando com uma alegria imensa:
- Vamos, Regina!