domingo, 26 de junho de 2016

A criança



 Abaixo, ficção de minha sobrinha Bibi


O ônibus parou e eu entrei. Entrei, paguei, sentei. Uma criança de olhos opacos se sentou ao meu lado. Me assustei. Olhos opacos em crianças... Esta aí, a coisa que faltava para completar a minha insignificância.
        A criança me olhava, com um rosto suspeito, olhar questionador. Parecia que encarava um espelho. A pequena criatura segurou minha mão, olhou nos meus olhos, me chamou de tio; me fez sorrir; me disse que tudo ficaria bem e que eu voltaria a ser feliz.
        Minha mão? Ela não largou e seu olhar ao meu se apegou. Sentia a sua ansiedade, era minha vez de falar e o seu brilho, era agora, minha responsabilidade. Não sou bom com gente, todos me deixaram, vivo solitário até que a última coisa que tenho seja de mim arrancado.
        Mas aquela coisinha, tão pequena e suja, com seu olhar me pedia ajuda. Abri a boca. Tentei falar. Seus olhos brilharam. Minha boca fechou. Seus olhos apagaram. Os meu lacrimejaram.
        Pobre criança. Logo a mim sua alma pedia socorro. Como eu ajudaria se a minha se afogava no fundo de um poço?
        Seu olhar parecia entender e sem nenhuma palavra, em seus curtos braços tentava me envolver. Meu corpo queimou, com um calor diferente. Aquela criança era de Deus meu presente.
        Meus braços a envolveram em um ato involuntário. Pela primeira vez não me sentia mais tão solitário. Abraçados ficamos até nossa fome de amor saciar. A criança me olhou, seus olhos voltaram a brilhar.
        O ônibus parou. A criança levantou. Saiu pulando. Eu poderia jurar que abraçara um anjo.


Beatriz Gavazzi L. Prado