No meio do caminho
tinha um rato. De como a poesia de Drummond acabou por interromper breve flerte
que Eduardo teve com uma colega de faculdade. Enquanto se declamava o poema, um
mamífero apareceu de supetão em lugar da pedra e a coisa desandou.
Bem que andou
sondando essa garota, ao atender pedido de carona da moto namoradeira. Tal
comentário era da turma que costumava rachar cervejada no entorno da escola.
Até trabalho escolar se fazia na mesa de bar. Quando Eduardo entrava pedindo
uma gelada, mesas já ocupadas, vinha na sua cola uma menina que tomava
anotações da sua explanação num caderno: “ Aí que entra o movimento da
Semana de Arte Moderna de 1922..” – arrematava Eduardo.
A garota se sentava ao lado e repetia, anotando:
- Espere aí:” ...
semana de Arte Moderna de 1922.” Só isso?
- Depois você
pesquisa, moça. Aí é só pra você se situar – dizia Eduardo, cercado das alunas com
a desculpa de que tinham que ralar durante o dia nos seus empregos e não tinham
tempo para aprofundamento nos estudos. Ao final, elas se levantavam para ir
embora, obedecendo ao processo de rachadura de conta, por força do feminismo em
voga:
- Deixamos três
pagas. Tchau.
Então virava-se a
página do sacrifício. Foi num desses dias que notou o esforço de maquilagem de
Marlene numa tentativa de conciliação de ritmo de vida. Via-se, no meio do
esplendor, no dizer de outro poeta, o fio puxado da meia-calça
aparecendo. Passou a se interessar mais por Marlene. Por admiração ou pena. Por
isso não foi de causar nenhuma estranheza Marlene estar sentada de prosa com
ele. Não era secretária, como as demais colegas, mas recepcionista de uma
empresa e tinha que andar arrumadinha. Mais leve. Se bem que fazia as vezes de
uma ao usar do telex e ter que redigir cartas, sempre com pressa e
desembaraçada. Marlene eficiente. Só ela no curso superior e no trabalho, para ajudar na
despesa, já que os dois irmãos ainda freqüentavam o colégio. A
filha mais velha de um sargento da Polícia Militar aposentado tinha que ser
exemplo. Marlene encaixava-se nesse perfil.
Ela iria na moto
namoradeira naquela noite. Estava acertado. E a moto perto do portão. Mas
não foi fácil se arrancar dali após a última aula. Em meio a estudantada, teve
que aguardar com paciência que não tinha. Muito novo para essa ansiedade,
diziam colegas dele, mas pouco se lhe dava com isso.
Um poço de
tranquilidade era Marlene, quando a avistou arrumada ao seu modo, com argola.
pulseiras e sem pressa. Mas de saia, não garantia posição cômoda na garupa.
Sentava-se de lado. Iria assim mesmo e, equipado, encostou a motocicleta no
portão para sentir o abraço da caronista. Depois, o frescor da noite ao
dar partida e sair com barulho característico de juventude responsável. Andar
com uma princesa, tinha que ser nos moldes. Marlene era na fantasia da
rapaziada um grau dessa nobreza. Para as garotas, que torciam o nariz, papel de
mais uma metida, sem sabor. Eduardo, indiferente a essa guerrinha de dondocas,
aceitava vassalagem da mulher batalhadora, que dava conta também da faculdade.
Ficava na periferia,
num conjunto habitacional, o apartamento da família. Embaixo, no estacionamento,
deixaria Marlene quando surgiu um rato de tamanho exagerado, em desabalada
carreira, e passou embaraçando entre a moto e a perna de Eduardo, que quase foi
ao chão.
- Não repare não,
Edu. Tchau – lamentou a princesa, toda vermelha e sem beijo de despedida.
A moto namoradeira,
sem sucesso, foi acionada de volta, querendo distância dali.