Quando chegou ao escritório e encontrou
cobradores na antessala – o que ultimamente vinha se tornando rotina -, cartas
de cobrança sobre a escrivaninha, várias delas exigindo esclarecimento sobre o
não pagamento na data de vencimento de boletos bancários, isto no prazo tal,
sob pena de protesto de títulos, teve que se sacudir como que em busca de uma
saída emergencial. Primeiro os da sala de espera. Foi lá e tascou:
- E aí, pessoal?
Cobradores a postos, empunhando notas, meio
em tumulto. Teve que bancar uma de político, coisa
assim, e foi aqui e acolá, abraçando um e outro e dizendo qualquer palavra do
tipo “amanhã pela tarde”, “você aí,
já conversei lá, vai ficar mesmo pra outra segunda-feira”, “e você, rapaz,
disse que vinha ontem não veio, esperei, esperei, até que acabei pagando outras
coisas de mais urgências, mas é assim mesmo, não é? amanhã pode”, você aí, coisa pequena”, “o seu não, vai ficar
mesmo pra semana, já até liguei ontem avisando”, “hoje em dia, sabe como é que
é”, e assim, de roldão, foi despachando todo mundo, até que a sala ficou
praticamente vazia: ele, a secretária e o silêncio.
O silêncio vírgula, porque em sua mesa as
palavras grafadas naquelas correspondências ali amontoadas eram cantigas a
invadir desde a manhã até o fim da tarde.
Nem precisava de enfiar a espátula para
abri-las e conhecer o conteúdo delas. Pensando bem, certas palavras grafadas
queimam mais que ferro em brasa, pior que a linguagem oral daqueles cobradores.
E tudo cheio daquelas ameaças de praxe, do tipo “protesto”, “nome na SERASA”,
“nome no SPC”, “nome no CADIN”, essas modernidades.
Mas disso até que pôde se safar quando se
lembrou do que dissera um amigo:
- Moço, meu nome pode ir para a SERASA,
SPC, CADIN, pode ir para a casa dos infernos, até aí tudo bem. Eu só não quero
mesmo que meu nome caia na boca de um Roberto de Monte Alto ou de um Capixaba
na praça dos táxis, porque aí eu tou mesmo lascado.
Bem, mas ali estava diante dele uma dessas
correspondências. Ele a abriu, leu o que já sabia de cor – que não consta ter
sido pago o boleto bancário na data de vencimento.
Foi quando, num estalo, teve que buscar nos
recônditos da memória a figura de Dedé de Gô, dono do Café Botafoguense em
Candiba. De um Botafogo bom time, com jogadores como Jairzinho, Paulo César
Caju, Gérson e companhia limitada, e que depois passou a apanhar mais que
rapariga de soldado.
- Pôxa, Dedé, o que está acontecendo com o
seu Botafogo?
E Dedé, professoral em termos de Botafogo,
sem perder a classe, tamborilava com os dedos no balcão do Café Botafoguense, à
vista de muitos interessados, e respondia:
- É a “frase” do time, né, meu filho? É a
“frase”. Fazer o quê?
Pronto. É a ‘frase”. Estava ali o
que procurava. Era uma luz. E a resposta para toda essa situação, o
velho Dedé, que nunca estudou Sociologia, Filosofia, Psicologia nem muito menos
gramática, lhe dava para responder aquelas correspondências.
Assim é que, em resposta a uma delas,
chamou a secretária e mandou que, adaptando aqui e acolá, fosse respondendo as
cartas nos seguintes termos:
Prezado
Senhor:
Em
resposta a correspondência tal, em que V. Senhoria solicita esclarecimento pelo
não pagamento na data de vencimento do débito tal, venho dizer o seguinte: é “a frase”.
Aos meus amigos, leitores e credores: “no começo era o verbo; agora é a “frase”.