domingo, 24 de novembro de 2013

Pelo Retrovisor


 
Gustavo tinha uma calça Lee, camisa branca por fora, um par de tênis, num jeito seu, e toda a vida pela frente. Vinha como o frescor da manhã, sol tênue, outono se avizinhando. Seus cabelos inda úmidos do banho, mas soltos, no mesmo ritmo dos passos, descompromissados com o tempo. Não havia o tempo. O momento fluía como a água que passa ininterruptamente sobre o mesmo ponto. Sob a maciez dos seus pés, o mundo inteiro era uma conquista que se faria passo a passo. Vislumbrava um universo que se lhe abria feito a mulher dos sonhos, pernas e seios, no ato do amor. Só restava aguardar a realização desse desejo.

Vendo-o em arrumação para sair, a mãe indagava:

- Para onde vai, Gustavo?

A resposta, sempre num largo sorriso, era a mesma:

- Vou existir.

Assim dizia por dizer. Brincadeira. Existência era realização. Algo distante, portanto. E não era chegado o momento.

O ar era puro cheiro de fruta e de café forte invadindo a manhã. Sentia a prenhez das coisas ao simples contato. E a canção se eternizava na vibração dos seus dezessete anos.

- Eu te amo – murmurou entre suspiros a primeira namorada de carinhos mais ousados. – Vamos nos casar, meu bem?

-  Gu!

- Vamos?

- E nossos pais?!

- Vamos fugir? – a mão em chamas sobre os seios.

O amor. Ah, o amor... O futebol, o estudo, a poesia, toda uma existência, uma estrada onde pôr os pés e deixar as marcas das realizações.

Por isso, prenhe de vida, como a bola prestes a estufar a rede em grito de gol, Gustavo não pôde ainda compreender como tudo agora pareceu ter se conduzido num processo letárgico. Estivera no ar, com transmissão ao vivo, via satélite, para todo o universo. Não fizera os gols. Etapa complementar, não percebera que a vida terrena não comporta rascunho, que tudo é redação definitiva.

Com estalo dessa descoberta, Gustavo – paletó e gravata – deu partida no automóvel. Era uma manhã de junho, árvores se agitando. Pelo retrovisor viu de relance a sua imagem na do filho, calça jeans, camisa branca, par de tênis, num jeito seu, que deixara diante do portão da escola.

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