2 milhões com 90 dias e sem juros
Naquela época, por causa da inflação,
cobravam-se em torno de três por cento de juros. Ao dia. Vi caso de pessoas
cobrarem meio-dia de juros, isto é, um e meio por cento, porque o cheque só ia
ficar bom para ser sacado na parte da tarde. Contudo, fazia-se negocio,
comprava-se, vendia-se e, pelo menos, havia uma aparência generalizada de
rendimento fácil. Almerindo, caminhãozinho velho e um pouco de faro como
atravessador, era um dos denominados “faisqueiros”, aqueles que punham fogo no
preço, comprando um capulhinho de algodão aqui e vendendo acolá para obter seu
ganho.
Nessa labuta de transportar algodão,
discutir preço, receber dinheiro e fazer pagamentos, Almerindo acabava por se
passar como cidadão integrante do quadro de negociantes de sucesso na região.
Foi com essa pose que, quando um dia passou
em frente a uma birosca, misto de bar e residência, logo se viu beliscado pelos
olhos compridos de dona Branquinha.
- Oxente, será que é verdade o que o povo
fala? – encucou-se Almerindo .
O que se falava então, à boca pequena, era que dona Branquinha, casada, filhos e marido sério, não só servia bebida e
refeição ali em sua casa como também “servia marmita por fora”.
Acrescentando-se um caldo “Maggi” da
Galinha Azul, até que dá pra fazer uma canja, pensou Almerindo.
Dona branquinha tinha vindo da roça com a
família, Zé Palito à frente, fazendo negócios de algodão, e ela ali cuidando de
ganhar algum trocado, no seu comércio de bebida e comida para as gentes que se
empanturravam no progresso da região. Falavam dela. Mas Almerindo, de inicio,
embora interessado, achou ser maledicência. Só agora, meio cabreiro, passava a
vislumbrar um horizonte.
- Minha flor! - dizia Almerindo alisando o
material, e ela meio esquiva, num olhar que ia da censura ao mensalínico, sempre num traquejo de
mulher misteriosa - comércio e amor.
Era amor. Almerindo não tinha mais nenhuma
dúvida. Freqüentava ali o ambiente de venda, mas sempre na espera de que quem
come por ultimo come mais ou melhor, e jogou o laço.
- Como uma pata! - pensou.
Tudo havia acabado bem. Almerindo ergueu-se
da cama. E quando imaginava tudo tranqüilo, já abotoada a camisa, só se ouviu o
estrondo de ferrolho de porta se arrebentar e ir ao chão.
- Que negócio é esse? - era Zé Palito, o
maridão, que acabava de entrar no quarto.
Almerindo pensou na velhinha, sua mãe,
pensou no pai, nos irmãos, na mulher dele e nos filhos. E isso num relance.
Estava morto. E ali numa situação de alto risco, a adúltera nua e enroscada nos
lençóis da cama, e o marido em pé, na porta, com todas as razões para lavar a
sua honra. Tudo como via no cinema. Pensou em doutor Custódio, famoso
criminalista da região. Ele seria morto
e o outro teria toda razão para ser absolvido. Pensou nisso. Depois pensou: “um
tem de entrar dentro do outro até um ou outro ir para o inferno. Ou eu ou ele.”
Mas ele, Almerindo, nunca foi de matar
ninguém. Poderia escapar pela janela. Carregá-la nos peitos, parede afora. Viu,
no entanto, que era bobagem de sua parte: a janela era pequena, de ferro e
vidro, estilo vitrô. Almerindo respirou fundo. Estava pronto para tudo. Pensou
de novo na família, no ilustre advogado. “Se for o caso eu mato em legítima
defesa”, com esse pensamento, ele rompeu para a porta de saída, onde Zé Palito
se achava estacado, cheio de moral. Mas, afinal, ele, o marido, é que era
vítima. E isto ainda sob o eco do “Que
negócio é esse?”, porque toda essa reflexão de Almerindo foi numa fração de
segundo.
Quando, num vácuo de silêncio, Almerindo se
aproximou da porta do quarto, com o pensamento de só reagir no último caso, e
ali tentou transpor, recebeu bruscamente no peito a mão de Zé Palito e
imediatamente um pedido:
- Me empresta aí 2 milhões com 90 dias e
sem juros.
Almerindo, mais que ligeiro, só fez sacar
do bolso o talão de cheque do Banco do Brasil e dizer:
- Oxente, tem caneta aí?
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