sábado, 16 de novembro de 2013

2 milhões com 90 dias e sem juros


Naquela época, por causa da inflação, cobravam-se em torno de três por cento de juros. Ao dia. Vi caso de pessoas cobrarem meio-dia de juros, isto é, um e meio por cento, porque o cheque só ia ficar bom para ser sacado na parte da tarde. Contudo, fazia-se negocio, comprava-se, vendia-se e, pelo menos, havia uma aparência generalizada de rendimento fácil. Almerindo, caminhãozinho velho e um pouco de faro como atravessador, era um dos denominados “faisqueiros”, aqueles que punham fogo no preço, comprando um capulhinho de algodão aqui e vendendo acolá para obter seu ganho.

Nessa labuta de transportar algodão, discutir preço, receber dinheiro e fazer pagamentos, Almerindo acabava por se passar como cidadão integrante do quadro de negociantes de sucesso na região.

Foi com essa pose que, quando um dia passou em frente a uma birosca, misto de bar e residência, logo se viu beliscado pelos olhos compridos de dona Branquinha.

- Oxente, será que é verdade o que o povo fala? – encucou-se Almerindo .

O que se falava então, à boca pequena, era que dona Branquinha, casada, filhos e marido sério, não só servia bebida e refeição ali em sua casa como também “servia marmita por fora”.

Acrescentando-se um caldo “Maggi” da Galinha Azul, até que dá pra fazer uma canja, pensou Almerindo.

Dona branquinha tinha vindo da roça com a família, Zé Palito à frente, fazendo negócios de algodão, e ela ali cuidando de ganhar algum trocado, no seu comércio de bebida e comida para as gentes que se empanturravam no progresso da região. Falavam dela. Mas Almerindo, de inicio, embora interessado, achou ser maledicência. Só agora, meio cabreiro, passava a vislumbrar um horizonte.

- Minha flor! - dizia Almerindo alisando o material, e ela meio esquiva, num olhar que ia da censura ao mensalínico, sempre num traquejo de mulher misteriosa - comércio e amor.

Era amor. Almerindo não tinha mais nenhuma dúvida. Freqüentava ali o ambiente de venda, mas sempre na espera de que quem come por ultimo come mais ou melhor, e jogou o laço.

- Como uma pata! - pensou.

Tudo havia acabado bem. Almerindo ergueu-se da cama. E quando imaginava tudo tranqüilo, já abotoada a camisa, só se ouviu o estrondo de ferrolho de porta se arrebentar e ir ao chão.

- Que negócio é esse? - era Zé Palito, o maridão, que acabava de entrar no quarto.

Almerindo pensou na velhinha, sua mãe, pensou no pai, nos irmãos, na mulher dele e nos filhos. E isso num relance. Estava morto. E ali numa situação de alto risco, a adúltera nua e enroscada nos lençóis da cama, e o marido em pé, na porta, com todas as razões para lavar a sua honra. Tudo como via no cinema. Pensou em doutor Custódio, famoso criminalista da região.  Ele seria morto e o outro teria toda razão para ser absolvido. Pensou nisso. Depois pensou: “um tem de entrar dentro do outro até um ou outro ir para o inferno. Ou eu ou ele.”

Mas ele, Almerindo, nunca foi de matar ninguém. Poderia escapar pela janela. Carregá-la nos peitos, parede afora. Viu, no entanto, que era bobagem de sua parte: a janela era pequena, de ferro e vidro, estilo vitrô. Almerindo respirou fundo. Estava pronto para tudo. Pensou de novo na família, no ilustre advogado. “Se for o caso eu mato em legítima defesa”, com esse pensamento, ele rompeu para a porta de saída, onde Zé Palito se achava estacado, cheio de moral. Mas, afinal, ele, o marido, é que era vítima. E isto ainda sob o eco do “Que negócio é esse?”, porque toda essa reflexão de Almerindo foi numa fração de segundo.

Quando, num vácuo de silêncio, Almerindo se aproximou da porta do quarto, com o pensamento de só reagir no último caso, e ali tentou transpor, recebeu bruscamente no peito a mão de Zé Palito e imediatamente um pedido:

- Me empresta aí 2 milhões com 90 dias e sem juros.

Almerindo, mais que ligeiro, só fez sacar do bolso o talão de cheque do Banco do Brasil e dizer:

- Oxente, tem caneta aí?


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