sábado, 23 de outubro de 2021

A Revolução das Coisas

 


         O autor da matéria que aqui se pretende tratar seria, é claro, também de nome George, mas não o Orwell, esse é o da Revolução dos Bichos. Como já se disse, existe uma revolução, não muito silenciosa, mas revolução das coisas.

É, a coisa. Repararam numa impressora quando resolve encrencar e não imprime nem a pau? Pois bem, ensaio para uma revolução iminente. Quando você consegue ajustar, que acende a luzinha e espera esfregando as mãos para zás... ela imprime mas um bocado de descarrego. Tive uma impressora, dessas, rebeldes, que era um horror. Panfletária. Tinha que desligar a tomada da parede para parar com a panfletagem. Gastava meu papel.

Outra, bem inamovível, replicar uma dor à porta que você mesmo havia batido e pressionado seu dedo. Minha mulher. Ela perde um bom tempo com essas inutilidades: brigando com as coisas inamovíveis, como se por vingança resolvesse. Compreendi que nesse caso pode ser aplicada a lei de talião, “dente por dente”. Se a porta, ao ser movimentada, prendeu seu dedinho, você pode revidar com um “de com força” nela. Pronto, ficamos quites. Pois bem, chega um dia que o dia é das coisas ... coisas inamovíveis, que sejam.

         Além disso, existem os fantasmas. Como uma luz (lâmpada) da sala, desde há muita apagada, resolve, sem mais nem menos, ficar acesa e iluminar inesperadamente, quando você nem dava mais ousadia a ela, nem ”ligava”. A geladeira que só pegava no tombo. O automóvel. É, automóvel treiteiro. Na hora de sair da garagem sai sem fazer nenhum barulho, como um amante bom astral; ou faz um barulho infernal, como um amante desastrado, luz acesa, buzinaço, limpadores de para brisa funcionando.

         Um dia quando chegava em casa, um telefone era arremessado da janela da sala.  E, engraçado, foi ver o aparelho passar por mim tirando fino, como se dissesse:

         - Hoje a barra está pesada.

         Quando entrei, vi minha mulher no sofá:

         - Essas desgraças não funcionam direito!

        E era o terceiro aparelho que tinha sido instalado pela companhia.

        Mas a revolução dos bens inamovíveis ia chegar. Ah, se não. Até hoje a mulher não sabe porque eu liguei os aparelhos de quando cheguei em casa, entrei na cozinha e achei televisão ligada na sala, rádio ligado, então cuidei do restante e liguei também  o fogão e o liquidificador.

        

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

 

Dois bolos, duas medidas

 

Ia fazer um bolo para o meu aniversário de 60 anos, sem me falar nada. Estou vendo a labuta na cozinha. E sem saber de nada, como de costume, entrei a revirar a cozinha bisbilhotando coisa de comer.  Até que me veio a ordem expressa para não mexer no bolo sobre o fogão. Minha mulher e minha cunhada exclamaram ao mesmo tempo:

- Mexe nesse daí, que é de todo mundo; nesse daqui não.

Havia dois bolos: o de todo mundo mexer e outro só para ver.

    Não sabia dessa política em casa. Levei uns quarenta e tantos anos para descobrir. No final, acostumei-me com o bolo que “podia mexer” e fiquei atrás dele toda manhã. O outro tive notícia dele, nem quis olhar mais.

 

 

A bênção

O professor Valmir, cara legal, falou para dar benção ao padre Capuchinho. Passei direto sorrindo, tomando por brincadeira o que era uma ordem do diretor.

                           A secretária

 Não se sabe bem como nem por que marcamos um almoço no restaurante esquinado do posto de gasolina do trecho que vai  para rodoviária, num encontro de muita ousadia de nossa parte. Eu, um Dom Juan jacaré e ela a secretária de uma colega. Tomaríamos umas cervejas e depois se veria o resto. Mas não, nem chegamos a esquentar um prévio namoro, ela passou a engatar coisas profundas que implicavam mudanças radicais, tipo separação. Eu iria me separar? E aí me trouxe para a realidade. Pelo que entendi, eu tinha que tomar a decisão naquela hora, de assumir o compromisso com ela, como um grande amor.

Então foi o que faltava para o choro de desiludida. Aí tive que pedir menos e recuei diante de tanta luz para aquela nova vida a dois, que se iniciava.  Desmanchamos ali mesmo um possível embrecho, com pedidos de desculpas pela esfregação e amasso de reconhecimento, e desde então...

Ela chorou um bocado. A mesa foi posta, e ela, loirinha dos olhos verdes e marejados, nem quis comer nada, o que foi de me causar uma profunda sem graceza.