CANTIGA DA REDESCOBERTA ( II )
sábado, 23 de março de 2013
CANTIGA DA REDESCOBERTA ( II )
um dia, em branco céu,
num enleio de ver e de se deixar ver
de olhos,
pontinhos negros em rútilo giro,
entreabrir-se de véus,
segundo de eternidade,
tu me trouxeste de volta o menino
de há muito perdido
na floresta dos homens,
e até os mesmos brinquedos
de há muito guardados,
tanto que as mãos se redescobriram
e em redescobertas tatearam.
domingo, 17 de março de 2013
A urucubaca da tia Rosa
A urucubaca da tia Rosa
- Zé, passa na casa de tia Rosa. Ela também vai com a gente.
- Você tá maluca? Só se for pra furar
pneu na estrada, bater o motor do carro, faltar gasolina, atropelar cachorro...
- Oxente, Zé! Que é isso?
- Não estou lhe dizendo?! Nada tenho
contra sua tia. Acho até muito bacana, mas é de uma urucubaca dos diabos.
- Por favor, Zé, você sempre de
marcação com minha família. Que história é essa?
- É toda verdade, se quer saber. Toda
vez que ela pega carona comigo pra Guanambi acontece alguma coisa na viagem.
- Deixe de implicância besta e passe lá
por favor: ela vai com a gente.
É, vai ver que era mesmo cisma de sua
parte. Coincidências existem. Não era justo deixar a velha na mão.
- Tá bom, meu bem, a gente
leva tia Rosa.
E quando já se aproximava da cidade de
Guanambi, o carro em boa velocidade, tudo indo muito bem, a mulher chegou até a
olhar para ele como quem diz com os olhos: “ Veja ai como não aconteceu
nada, seu implicante-com-tia-dos-outros!”. Mas foi aí que ele diminuiu a
velocidade do carro e parou no acostamento.
A mulher se desfez repentinamente da
pose e arregalou os olhos:
- Quê que foi, Zeduardo?
- Venha ver - chamou
apontando o pneu dianteiro, todo murcho.
Tia Rosa, de dentro do carro espantando
mosca, nem se abalava. A mulher trocou um sinal com Zeduardo e, em voz baixa,
cochichou:
- Então é assim?!
- Não lhe disse?... ainda
bem que foi só um pneu furado. Da vez passada eu atropelei um cachorro.
- Meu Deus! Então é assim?!
- Que foi mesmo hein, querida?
- Nada não, tia: apenas um pneu furado.
Terminado o serviço da troca de pneus,
Zeduardo limpou o suor e retomou a direção do carro. Do retrovisor interno ele
via parte do rosto de tia Rosa com aquele jeito de quem espanta mosca. Rangeu
os dentes e pensou: “esta é a última vez, urucubaca”. Ao lado sua mulher
pensava: “ Ufa! Tia Rosa, hein!”
Ao entrar na cidade, foi com o auxílio
da policia que a mulher conseguiu conter Zeduardo. Queria porque queria dar uns
tapas na velha só porque o carro, com documento atrasado, acabou sendo
apreendido pela blitz que havia na entrada.
sábado, 9 de março de 2013
As Trevas
As Trevas
as trevas se
mantêm trevas
você não mais
encontra a sua RG
perdida
num dia que se
deu qualquer
nem se pode ver
a face amiga
só a face amiga
é que pode vê-lo
porque luz
própria
as trevas se
mantém trevas
e não há relvas
que se podem
avistar
nem sentir
senão quando
guardada em si
a adormecida
chama
que chama
para que possa
a sua fé luzir
domingo, 3 de março de 2013
Segredo
MINICONTO
Segredo
(Recomendação: para ler, ouvir antes
a música Tudo passará, de Nelson Ned)
De repente pareceu dar-se conta de onde
estava. Mal abriu os olhos, o clima já lhe era adiantado pelo som que tornava aquele
instante da madrugada grafado no seu íntimo como uma fotografia antiga, talvez pelo
embalo dos versos da canção, que se repetiam como que tudo próximo e distante: Mas tudo passa/tudo passará/e nada fica/nada
ficará.
Zé, seu amigo, se encontrava sentado no chão, de óculos escuros,
apesar da noite entrada a tantas, e uma das raparigas lhe servindo com um garfo
pedacinhos de tira-gosto, que ele, mesmo dormindo, mastigava - um instantâneo
fotográfico em que já se deixava entrever o acontecido de um dia qualquer no
tempo, na vida.
Virou-se e se descobriu também no colo de
uma delas no chão da sala. Ergueu-se procurando ver-lhe melhor o rosto. Era de
um rosto sofrido, mas que ainda não chegava a ser como a do poema “O Retrato”,
de Cecília Meireles. Era de uma beleza que não se mostra, que só ele via. Ela
ensaiou um sorriso típico de mulher da vida, mas diante do jeito que supunha
estranho com que ele a olhava, voltou a ficar séria, neutra, depois quis
fugir-lhe do abraço. Segurou-a levemente pelos ombros e, em estado de
flamância, novamente a fitou nos olhos. Então ela entendeu que ele estava vendo
essa sua beleza que não se mostra e que de tão escondida ela nem julgava mais
ter. Seus olhares tinham agora uma linguagem comum. Aí ele a beijou num suave e
prolongado afago, e ela, abraçando-o em resposta, chorou como se pedisse desculpa.
sexta-feira, 1 de março de 2013
Elas
Elas
elas, conforme escrito, são presentes
de Deus
aos homens
por isso em seus acertos
um aplauso
e em seus possíveis erros
um desconto
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