A Vez
que Roberto Carlos esteve em Candiba
Meteórica, poderia dizer.
Sobre a passagem de Roberto Carlos por Candiba. Ano em que também o homem
pisaria na lua. Período de muitos acontecimentos, que fazia parecer culminar
com a percepção de um Brasil tricampeão no Mèxico-70. Mas não vamos aqui
adiantar o rasgo de fogos de artifício que tal episódio significou em nossas
vidas. Temos que colocar os pés no chão... ou na lua, melhor dizendo. Nada de
tão estranho assim a passagem de Roberto Carlos por essas plagas. Somado a
isso, eu me iniciava na leitura e naquela cartilha velha e ensebada conseguira
ultrapassar a lição da dona Baratinha, como alívio:
- Eu também passei da
Baratinha, disse Roque, um coleguinha de outra turma, quando brincávamos à
sombra do pé de fícus na frente de casa.
Eu e Roberto Carlos. Já nos conhecíamos de uns
tampos atrás, quando meu tio Eujácio, a pedido, cantou para minha mãe Quero
que você me aqueça neste inverno. Numa
manhã de sol de infância, com menino entretido no quintal, só assuntando.
Agora que começava a ler,
fazia essa descoberta digna de paraíso, quando achei nas coisas de tia Lô um
caderninho de arame com caligrafia de caneta tinteiro. De uso adulto, quem tinha domínio. Dentro, em
letras graúdas e redondas, estavam as canções de Roberto Carlos, exalando nas
tintas os mais puros sentimentos. Num simples e diferente embalo.
E de Roberto Carlos eu
procurava entender. Acompanhava o Rei e tudo o mais. Ano anterior, por exemplo,
eu e minha irmã mais velha, Nora Nei, passamos perto da loja de dona Nida, na
praça da Matriz, onde aconteciam as novidades. Lugar para receber até avião
quanto mais... Era vendido lá o anel de casamento de Roberto e Nice, com uma
capinha de asa de besouro no detalhe.
- Deve ser o toque especial
que o diferenciava dos demais, pensei rápido comigo.
-
Uma maravilha! - experimentou no dedo minha irmã, que parecia com a noiva do
Rei, no estender o bracinho e dar azo à imaginação.
Brincava de cantor de rádio,
cantando escondido, por detrás de
bobinas de papel de embrulho da loja. Alguém fingia ligar o rádio, para
que eu cantasse uma canção incrementada. Me acompanhavam na brincadeira ora meu
tio Dedê (mais novo), ora minha irmã
caçula, Marta. Passávamos nossas as tardes de infância em meio a caixas e
mercadorias, com cheiro gostoso de tecidos que fazia sonhar.
Daqui pra frente
Tudo vai ser diferente
Você tem que aprender a
ser gente
Que fim levou o caderno que
até hoje tenho tesão por ele? Por certo fora retomado pela dona, que nada
comentou sobre o assunto, apenas sobre a caneta tinteiro, que tive que devolver
a tia Lô, sem autoridade nenhuma:
- Esses cornos pegaram minha
caneta. Me dê aí, Colinha!
Foi então que surgiu a
conversa de Roberto Carlos em Candiba. Colhi essa novidade e não quis mais
saber de nenhum desmentido. O menino tinha seus segredos. Fiquei imaginando sua
chegada triunfal naquela pracinha, que era prenhe de novidades do tipo.
- Roberto Carlos em Candiba!
Deve vir no sábado que vem, dizia-se.
No vocabulário em voga, salvei
dentro de meu arquivo natural e fiquei à espreita, pelas esquinas bispando, até
que num dia de sábado, carros chegando na praça, olhei e... gulpe! Não podia
deixar escapulir:
- Olhe ele ali, gritei para
Dedê, que era pequeno demais para me acompanhar nessa empreita de fã.
Acabei seguindo um carinha cabeludo
vestindo meio a gosto mas tosco - um Roberto Carlos? Pirei feito adolescente,
sem o saber. Havia alguns poucos RCs espalhados por ali, inda mais em dia de
feira na cidade; não com carros bonitos, como aquele opala SS verde, que passou
cinematograficamente e o apanhou, sob tímidos protestos meus, que gritei: Oh Roberto!
Só
Dedê presenciou minha mancada, mas, como já disse, ele era pequeno para poder
reparar nessas coisas e nunca poderá me desmentir desse sonho que tive.