Meu bem, meu mal
Zeduardo estava no clube. Fim de tarde. Batia o
“baba” da sexta-feira. Ao correr pela ponta-direita e fazer um lançamento,
viu–se surpreendido pela estampa de mulher decente e bonita que se aproximava
da linha de fundo do campo. Parecia ser sua mulher. Parecia não: a própria.
Zeduardo limpou apressadamente o suor do rosto já com interrogação de todo
tamanho. Pombas, alguma coisa tinha acontecido em casa. Mãinha nunca fora de
acompanhar seu futebol. Sempre foi de cuidar da casa, dos meninos. Que seria?
Foi com cara de choro que correu ao encontro da mulher:
- Que qui
foi, mãinha?
- A filha de
Chico Menezes taí. Chegou ontem de São Paulo – falou como algo de grave.
- Não entendi nada.
Chegou-se mais ao ouvido de Zeduardo:
- Vim te avisar que tem um comentário aí que ela tá
com Aids.
- Oxente, que tenho eu com isso?
Mais afastados, porém ligados, os colegas
acompanhavam a cena: a mulher de Zeduardo falando com o dedo indicador em sua
cara.
- Falo para
prevenir: cachorro do jeito que você é... – disse, fez meia-volta e se retirou
como se tivesse dado um combate.
Era só o que faltava. Nunca tivera nada com aquela
garota. Relação amistosa apenas. Era realmente do tipo boa, como se diz, mas
daí a alguma coisa era uma distância. Mãinha estava maluca. Besteira. Ali era
terminar o baba, tomar uma ducha e encerrar o dia com cervejada e o papo de
sempre com os amigos. Página virada.
No outro dia, no entanto, céus e terra se
misturaram. Zeduardo, na praça com os amigos, viu descortinar-se aos seus
olhos, de shortinho jeans, tênis,
blusinha vermelha, cabelos cacheados, o morenaço vivo de brasilidade. Era ela.
A dita. Ali.
Passado o suspirar de desejos coletivos, todos
quedaram-se num só lamento:
- Que pena!
Com Aids!
O comentário realmente se estendia por toda a
cidade. Mães chamava à atenção filhas que se atrevessem a sair em companhia da menina.
Rapazinhos da cidade também se esquivavam. E a turma trintona de Zeduardo pelos
cantos dos bares em críticas à medicina, à ciência, que não encontrava o
remédio ideal para combater essa doença.
Sentadinha a uma das mesas da lanchonete, mal sabia a morena que logo
depois de sua saída, viria o garçom com flanela e álcool para tirar a Aids da
cadeira.
Quando, passando rente à mesa da turma de Zeduardo,
a morena, sorriso aberto, meneou a cabeça (cabelos cacheados) em cumprimento,
um dos amigos não resistiu:
- Que venha a morte, mas depois do paraíso. Eu não
me importaria. Sinceramente. Hoje eu tomo todas.
O que dissera parecia valer para todo o grupo. Mas
tomar mesmo todas foi quando, dias depois, a garota já em São Paulo,
descobriram que tudo não passara de artimanha das mulheres da cidade. Tramaram
toda a estória nos tititis do salão de beleza local.
Em sinal de protesto, alguns proibiram as esposas
de freqüentar o maldito salão. Mazin, que era solteiro e não tinha mulher para
mandar, preferiu dar uma porrada no garçom: em vez de retirar da cadeira a
Aids, o filho da puta havia era limpado um pouco do açúcar deixado ali pela garota.