Um friiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiio, e eu
como se estivesse numa cadeira elétrica, me contorcendo, sem achar posição,
porque não era caso de postura na poltrona mas de falta de agasalho adequado,
até que apareceu a passageira do lado, um senhora de corpo graúdo, mais ou
menos da minha idade, com sacos, sacola, de onde retirou uma coberta de lã e se
acomodou ritualmente, a deixar que a ponta do algodão que exalava limpeza de
guardado me aquecesse parte da perna direita.
Dei uma visualizada geral e verifiquei que
quase todos no ônibus se valiam de blusas grossas ou de lençóis. Meus dedos
sonhavam com luvas e os sapatos não davam conta dos pés. Apenas minha perna
direita parecia curtir uma “amostra grátis” de calor.
- Ô comadre, dá para a senhora me emprestar
essa ponta que sobra do cobertor?
Era como se pedisse um copo dӇgua, estando
com sede. Reconheceu, a seu modo, a minha situação de emergência, de forma que,
com naturalidade, me vi de repente também protegido daquela friagem, a ponto
de, sem ter onde descansar o braço esquerdo senão como que num abraço leve de
quem se prepara para dormir aconchegado, assim fazer, num avanço de sinal, para
aí sim ouvir um meio protesto da senhora, como que por cautela:
- Ei, eu sou casada!
- Eu também sou...e daí? Só vamos dormir – sussurrei
com sono, fincando a bandeira em terreno conquistado, de maneira que ela em
olhada ligeira para os lados apenas se resignou e acabou arrastada para os
braços de Morfeu.
“É no andar da carruagem que as cabaças se
ajeitam”, lembrei-me desse dito popular pensando em quanto, na viagem que se
presumia árdua, alinhavada estava a garantia de uma tranquilidade de bebê de colo
que me devolveu à realidade após umas oito horas de estrada, com presença tênue
do Sol anunciando a manhã.
Ali estávamos, enfim, aos cuidados com os
pertences para o desembarque na rodoviária, quando, recebido por minha mulher,
que eu iria apresentar à minha companheira de viagem, em meio ao movimento de
quem chega e de quem sai, já não mais a encontrei – a mulher do cobertor tinha
desaparecido, como um anjo da guarda talvez.
03.03.2016