quinta-feira, 3 de março de 2016

Nos braços de Morfeu





Um friiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiio, e eu como se estivesse numa cadeira elétrica, me contorcendo, sem achar posição, porque não era caso de postura na poltrona mas de falta de agasalho adequado, até que apareceu a passageira do lado, um senhora de corpo graúdo, mais ou menos da minha idade, com sacos, sacola, de onde retirou uma coberta de lã e se acomodou ritualmente, a deixar que a ponta do algodão que exalava limpeza de guardado me aquecesse parte da perna direita.

Dei uma visualizada geral e verifiquei que quase todos no ônibus se valiam de blusas grossas ou de lençóis. Meus dedos sonhavam com luvas e os sapatos não davam conta dos pés. Apenas minha perna direita parecia curtir uma “amostra grátis” de calor.

- Ô comadre, dá para a senhora me emprestar essa ponta que sobra do cobertor?

Era como se pedisse um copo d”água, estando com sede. Reconheceu, a seu modo, a minha situação de emergência, de forma que, com naturalidade, me vi de repente também protegido daquela friagem, a ponto de, sem ter onde descansar o braço esquerdo senão como que num abraço leve de quem se prepara para dormir aconchegado, assim fazer, num avanço de sinal, para aí sim ouvir um meio protesto da senhora, como que por cautela:

- Ei, eu sou casada!

- Eu também sou...e daí? Só vamos dormir – sussurrei com sono, fincando a bandeira em terreno conquistado, de maneira que ela em olhada ligeira para os lados apenas se resignou e acabou arrastada para os braços de Morfeu.

“É no andar da carruagem que as cabaças se ajeitam”, lembrei-me desse dito popular pensando em quanto, na viagem que se presumia árdua, alinhavada estava a garantia de uma tranquilidade de bebê de colo que me devolveu à realidade após umas oito horas de estrada, com presença tênue do Sol anunciando a manhã.

Ali estávamos, enfim, aos cuidados com os pertences para o desembarque na rodoviária, quando, recebido por minha mulher, que eu iria apresentar à minha companheira de viagem, em meio ao movimento de quem chega e de quem sai, já não mais a encontrei – a mulher do cobertor tinha desaparecido, como um anjo da guarda talvez.

                                                                       03.03.2016