Verdadeiro vexame. Noite de estranha revelação. Não
muito estranha assim para quem já o conhecia de outros carnavais. Melhor, de
outros natais. Hoje toda cidade nem mais comenta, diante da normalidade. Acontece. Não se
pode dizer agora que tudo não passara de uma reação alérgica provocada pelo uso
prolongado daquele uísque comprado em mãos contrabandistas. O que ocorreu foi
um assombro de todo tamanho.
Familiares e amigos naquela noite de Natal, e ele,
que já tinha chegado mais ou menos pronto, inseparável do copo de uísque, com
aquela idéia maluca. Todo mundo entrou na estória do peru, foi achando graça em
tudo, mas depois a coisa descambou para viadagem mesmo. Ele firmava os óculos, todo alegre, bicava o
uísque, ensaiava uma corridinha pela sala e depois parava bruscamente empinando
o bumbum. Tinha cismado com a idéia de que era o peru da Sadia.
- Tô quase no ponto: veja ai o termometrozinho do
peru da Sadia, gente.
- Pare com essa bobagem, Zeca!
Quem assim
ralhava era a esposa dele, toda num canto, morrendo de vergonha, com neném no
colo. E Zeca parecia deslizar pela sala em patins, a cara toda vermelha de
birita, os óculos ameaçando cair.
O pessoal, a essa altura, começou a sair daquela
fase de risada barata, como se tudo fosse uma piadinha, para a risada de
maldade. Jairo, parceirão velho, dos tempos de curso de admissão (pois daí
Jairo não passou), foi quem chegou a tomar alguma atitude mais pertinente ao
caso, quando sugeriu, com jeito, levar Zeca mais cedo para casa. A emenda, no
entanto, saiu pior que o soneto. Mal pressentiu que estava sendo arrastado por
Jairo, Zeca deu mais um rebolado e gritou no meio da sala:
- Calma! Veja só, gente, Jairo que levar o peru
para casa só para ele.
Alguns dos presentes disfarçaram com um sorriso
frouxo o ridículo da situação. Nisto um carro fazia manobra lá fora: era a
mulher de Zeca se despedindo.
Bem que se tentou mudar de assunto, dirigir as
atenções para outra pessoa, mas nada disso adiantava, porque Zeca era o centro
das atenções, agora sendo seguido pela criançada. As crianças iam assobiando e
Zeca, à frente, ia fazendo “glugluglu”, “glugluglu” até o fim da sala, para
depois retornar à mesma a cena.
Final da festa, hora de passar os ferrolhos nas
portas e janelas, Marilda – a anfitriã – comentou com o marido:
- Esse amigo seu, hein? Não sabia que ele era assim
não?
- Viado peru?
- Como é viado peru?
- É durão. Depois que enche o rabo de cachaça fica
molinho e no ponto.
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