Sem nota fiscal
Já que sonhar é de graça, Deraldo não deixava por
menos. Seus sonhos tinham a altura das estrelas. Falava de coisas a realizar
como se fosse do tipo “vou ali tomar um cafezinho e volto”.
- Se tudo der certo, amanhã estarei no Rio de
Janeiro tomando um chope à beira da praia com Xuxa.
Dizer o quê, pelo amor de Deus.
- Sente aí, Deraldo. Tome uma pinguinha com a gente
mesmo, homem.
- Não posso; tô aguardando um telefonema de Maité
Proença. Ela ficou de me ligar hoje.
Muitos dos amigos achavam que Deraldo sempre fora
assim. Outros, porém, atribuíam essa sua perturbação à segunda falência por
problema fiscal.
Altas multas por sonegação de impostos o levaram ao
caos. Da Segunda vez, quando se
reergueu, procurou andar em dia com o fisco. Pagava religiosamente todos os
tributos. Até o que às vezes não devia. Na dúvida, pagava. Queria dar sua
contribuição e conduzir-se dentro da lei. Com tantos tributos, a vaca foi de
novo para o brejo.
A vaca não, que Deraldo não era pecuarista, mas o
seu comércio de atacadista. Resultado:
andar direito também não dava camisa.
Assim é que Deraldo de repente se tornou aquela
explosão de fantasias. E passou a desfrutar daquilo que é de graça: sonhos.
Pelo menos já não devia fedêpe nenhum; os outros é que lhe deviam.
Tantas marcas lhe deixou na mente perturbada a fase
de operação fiscal que, quando Deraldo falava em dinheiro, expressava-se mais ou
menos assim:
- Com dois milhões de UFIR eu faço um arraso.
- Qualquer dia eu ponho a mão numa bolada.
E pôs. Nas alturas em que andava, não é que acabou
acertando sozinho na loto.
Comprou uma F-1000 cabine dupla e partiu para o Rio
de Janeiro. Freqüentou ambientes sofisticados. Esteve na
Academia Brasileira de Letras, durante a solenidade de posse de Dr. Roberto
Marinho.
E quando, dia seguinte, foi recebido no Palácio das
Laranjeiras, fez por merecer uma repreensão do então governador Brizola, seu
líder político, por ter atendido ao convite do poderoso chefão da Globo. Mas, para
não estender muito o caso, vamos encontrá-lo de volta para a Bahia, após
grandes aventuras no sul maravilha.
E não voltava sozinho não. Com ele vinha todo um
time de primeira: Xuxa, Maitê Proença, Lídia Brondi e Vera Ficher. Lembrava o
ataque da seleção brasileira de 70: Jairzinho, Pelé, Tostão, e Rivelino como
falso ponta-esquerda, que era para enganar os estranjas.
Logo ele se lembrou daquele velho ditado: Deus
quando dá a farinha, o diabo fura o saco. Ao entrar na divisa entre os
estados de Minas Gerais e Bahia e passar pelo posto fiscal, voltava aquela
aporrinhação. A perseguição fiscal acabou sendo uma inhaca na vida de Deraldo.
- O senhor tem nota fiscal? – foi perguntando o
fiscal de olho no interior do carro.
- Essa não. Nota fiscal?! Claro que não.
- Pois então meu amigo, vou lavrar o auto de
infração. A mercadoria - concluiu olhando para Xuxa, Maitê, Lídia Brondi e
Vera Ficher – vai ser apreendida.
- Mas qual é a infração, ô seu fiscal?
- Contrabando, meu filho, contrabando do grosso...
ou do fino, sei lá.
- Contrabando de quê?
O fiscal, com a caneta em punho e cara de ousado,
foi apontando uma a uma: Xuxa, Maitê, Lídia Brondi e Vera Ficher:
- Contrabando de açúcar, meu filho.
Era o destino de Deraldo. Mas, como dizia Machado
de Assis, é melhor cair das nuvens que de um terceiro andar.
1990
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