domingo, 4 de junho de 2023

Carta para Leleco

 


 

 Achou um escrito na mesinha, que após lido resolveu embolsar, como furto: para Leleco: preciso te contar uma coisa. Agora a preocupação era uma só. Leleco era a chave. Garotão, escorregadio na paquera, tirando onda de difícil com a garota do bairro, que estava passando de merecer uns tratos. Edu olhou com profundidade a questão. Foi longe nesse olhar. A garota tinha os olhos verdes. Meio caminho andado. Caiu no seu agrado e pronto. Ai de Leleco. Tinha namorada firme, o sacana. Não podia andar nessas aventuras, mas as meninas viviam atrás dele. Trabalhava de parceria no posto de lava jacto. Dia de sexta e sábado o assédio aumentava.

Leleco era figura procuradíssima ali no posto. Ao tempo que dava os tratos nos carros, dava jeito numa coisa e noutra, conforme solicitado. Ficou chocado o dia que soube que ele havia vendido para outro o terno do próprio casamento. Tinha sido presente dele, patrão:

- Combinado: terminou meu casamento, não vai precisar mais, já passo pra ele

Era um negociante, o maluco. Não tinha consideração. Outros valores decerto. Deu uma olhada no pátio e viu os veículos brilhando ao sol sua imponência, orgulho dele, Leleco. Tudo que ele pegava era para deixar no trato, lustrando, era isso.

                Adãozinho veio perguntar se o carro do médico estava pronto.  Era uma espécie de leva e traz do posto. Sabia de tudo. Podia lhe passar algumas dicas.

         - Sente-se aqui, Adãozinho. Hoje quem presta contas é você.

         Ele riu.

         - Você é quem articula garotas pra Leleco?

         - Também.

         - Mas agora ele vai casar.

         - Mas as meninas hoje não ligam pra isso não.

         - Mas casado de novo que nem ele, elas ligam.

         - Pecado?!

         - Pecado! Não pode não.

         - Vivendo e aprendendo.

         - Pois é, hoje você vai fazer diferente.

         - Diferente como?

         - Você conhece essa menina de olhos verdes?

         - Que manda entregar carta pra Leleco?

         - Leleco é casado de novo, pode-se dizer. Você vai arrumar ela pra mim.

         - Que também é casado.

         - Mas de velho, não de novo como Leleco.

         Adãozinho hesitou por um instante. Precisava de argumento, senão esculhambava.

         - Ei, Adãozinho, já viu falar do mal dos sete?

         - Não.

         - Pois é, meu casamento já passou por isso. Não quebra mais. Encascorou. Compreendeu?

         - Compreendi.

         - Pois você vai marcar pra mim. Eu já vi ela beirando aqui umas três vezes.

         A garota estava escapando mel. Passara mais cedo de bicicleta, de short e num relanceado de lagarto verde.

         Já estava escurecendo, quando Adãozinho se despediu com um sinal de positivo. E não deu outra.

 

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