sábado, 26 de outubro de 2013

Vem



1.
vem 
em névoa aparição ao menos
já não poderei fincar garras, morder ângulos e vértices
o risco cometa céu num crescendo além mundo
arco-íris
no teu olho meu
entenderá tudo

2.
vem
em névoa segredos deuses
que o Sol mal entende de coisas tais
grande universal império ás
antenas de TVs
nos vêem
e a gente joga sinuca apostado de mentira


BAR DE DEUSÃO – 15/03/2007

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Revelação




silenciosamente eu saio
vou por aí
caminhos talvez
me esperem
janelas
que antes eu não vi

horizontes
o Sol talvez encoberto
me liberto
da energia estranha
ao convívio
da paz
zás – uma sacada da coisa
você nunca deve andar para trás
jamais

eu vi teu semblante
liberdade
eu vi a verdade de frente
sem retoque
sem  maquiagem


22.10.2013

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Dilma sanciona lei do Mais Médicos em clima de campanha



(Vide poema "Por que fico a olhar para essa foto repetidas vezes? Setembro-2013)



segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Sem nota fiscal




 
Já que sonhar é de graça, Deraldo não deixava por menos. Seus sonhos tinham a altura das estrelas. Falava de coisas a realizar como se fosse do tipo “vou ali tomar um cafezinho e volto”.

- Se tudo der certo, amanhã estarei no Rio de Janeiro tomando um chope à beira da praia com Xuxa.

Dizer o quê, pelo amor de Deus.

- Sente aí, Deraldo. Tome uma pinguinha com a gente mesmo, homem.

- Não posso; tô aguardando um telefonema de Maité Proença. Ela ficou de me ligar hoje.

Muitos dos amigos achavam que Deraldo sempre fora assim. Outros, porém, atribuíam essa sua perturbação à segunda falência por problema fiscal.

Altas multas por sonegação de impostos o levaram ao caos.  Da segunda vez, quando se reergueu, procurou andar em dia com o fisco. Pagava religiosamente todos os tributos. Até o que às vezes não devia. Na dúvida, pagava. Queria dar sua contribuição e conduzir-se dentro da lei. Com tantos tributos, a vaca foi de novo para o brejo.

A vaca não, que Deraldo não era pecuarista, mas o seu comércio de atacadista.  Resultado: andar direito também não dava camisa.

Assim é que Deraldo de repente se tornou aquela explosão de fantasias. E passou a desfrutar daquilo que é de graça: sonhos. Pelo menos já não devia fedêpe nenhum; os outros é que lhe deviam.

Tantas marcas lhe deixou na mente perturbada a fase de operação fiscal que, quando Deraldo falava em dinheiro, expressava-se  mais ou  menos assim:

- Com dois milhões de UFIR eu faço um arraso.

- Qualquer dia eu ponho a mão numa bolada.

E pôs. Nas alturas em que andava, não é que acabou acertando sozinho na loto.

Comprou uma F-1000 cabine dupla e partiu para o Rio de Janeiro.

Freqüentou ambientes sofisticados. Esteve na Academia Brasileira de Letras, durante a solenidade de posse de Dr. Roberto Marinho.

E quando, dia seguinte, foi recebido no Palácio das Laranjeiras, fez por merecer uma repreensão do então governador Brizola, seu líder político, por ter atendido ao convite do poderoso chefão da Globo. Mas, para não estender muito o caso, vamos encontrá-lo de volta para a Bahia, após grandes aventuras no Sul maravilha.

E não voltava sozinho não. Com ele vinha todo um time de primeira: Xuxa, Maitê Proença, Lídia Brondi e Vera Ficher. Lembrava o ataque da seleção brasileira de 70: Jairzinho, Pelé, Tostão, e Rivelino como falso ponta-esquerda, que era para enganar os estranjas.

 Logo ele se lembrou daquele velho ditado: Deus quando dá a farinha, o diabo fura o saco. Ao entrar na divisa entre os estados de Minas Gerais e Bahia e passar pelo posto fiscal, voltava aquela aporrinhação. A perseguição fiscal acabou sendo uma inhaca na vida de Deraldo.

- O senhor tem nota fiscal? – foi perguntando o fiscal de olho no interior do carro.

- Essa não. Nota fiscal?! Claro que não.

- Pois então meu amigo, vou lavrar o auto de infração. A mercadoria - concluiu olhando para Xuxa, Maitê, Lídia Brondi e Vera Ficher – vai ser apreendida.

- Mas qual é a infração, ô seu fiscal?

- Contrabando, meu filho, contrabando do grosso... ou do fino, sei lá.

- Contrabando de quê?

O fiscal, com a caneta em punho e cara de ousado, foi apontando uma a uma: Xuxa, Maitê, Lídia Brondi e Vera Ficher:

- Contrabando de açúcar, meu filho.

Era o destino de Deraldo. Mas, como dizia Machado de Assis, é melhor cair das nuvens que de um terceiro andar.

sábado, 19 de outubro de 2013

À espreita




no tempo em que o tempo não voava
mas se arrastava na garupa do antegozo de uma manhã
a mãe tecia na sala o enxoval desse momento
o menino esgravatava o chão no quintal
o pai mastigava bestando um talo de planta
ou bebia com os amigos na esquina
a certeza desse instante

(o Sol à espreita na estrada)

quando o momento chegou
tinha o rosto de ontem
produto com data de validade vencida


2001

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

José Mauro Vasconcelos Dois Pontos



Atípico. Por isso ignorado pela crítica que se faz no Brasil. Sempre seguimos duas escolas: a Machadiana ou a Alencariana. Fora daí ou é um Guimarães Rosa ou é nada. Zezé é nada. Desculpe-me, José Mauro de Vasconcelos. Zezé, num lembrar do livro de um escritor português, é “Para Sempre”. Como é que é nada? Um a zero pra nós, que gostamos de Zezé. É normal a gente ler um romance por mais de dez vezes? Assistir ao filme, à novela, e ler de novo o livro? O errado sou eu ou a crítica? O que é a crítica? Livro, literatura – aprendi – é um entretenimento cultural. O objetivo do autor foi alcançado, pombas. Sociologia pura. Psicologia também.  Em toda sua obra. “Rosinha minha canoa”, por exemplo, é poesia do começo ao fim, que, numa outra olhada, é um Manoel de Barros, que surgiu depois – José Mauro já fazia isso de descoisificar e falar com a Natureza, sem elucubrações ao gosto dos “críticos”.  (Eu era adolescente quando minha mãe comprou “Obras Completas” de José Mauro de Vasconcelos, que eu ia devorando e depois, na Faculdade de Letras, eu tinha vergonha de dizer que tinha lido - aqui meu pedido de desculpa.)




sábado, 12 de outubro de 2013

Bigu




- Ô Bigu, você já deu comida aos pássssss-saros? - quem assim perguntava era Dr. Ginaldo Cerqueira Gomes, médico pioneiro da cidade de Candiba. Moral e figura querida até hoje, mesmo depois de passar a residir em Guanambi. Afinal, naquele fim dos anos sessenta, difícil para cidades como Candiba ter ali um médico que trabalhasse e também morasse.

Bigu, vizinho, morava com sua mãe, dona Ana de Dodô. Nas horas vagas era servente de pedreiro. Digo nas horas vagas porque depois dessa empreita Bigu passou a ficar mais ocupado com os pásssssss-saros do Doutor:
               
- Bigu, estou indo a Salvador. Cuide de meus pássaros. Lave as gaiolas. Troque a água.  Duas vezes ao dia. Alpiste e canjiquinha. Não se esqueça.

A área da casa em que ficavam as gaiolas era em forma de L. O povo pobre, nos exames, fazia questão de trazer sempre algum passarinho de presente. E haja espaço.  Quando Bigu terminava de cumprir metade de sua tarefa, lavar gaiolas, trocar água e colocar alpiste ou canjiquinha nos vasilhames, já era perto de meio-dia.

_ Bigu, não se esqueça: água duas vezes ao dia.

Interessante que pelo sotaque soteropolitano do Doutor, que Bigu sabia imitar, nos intervalos, sempre havia um que lhe pagava a pinga. Esse “dia” era pronunciado de forma meio sergipana, linguodental, e não de forma molhada como pronunciamos. E assim andavam os dias na monótona cidade de Candiba.

Um dia Bigu, nesse costume de imitar Doutor Ginaldo e achar nos bares quem lhe pagasse a bebida pelo engraçado do sotaque, entrou na sorveteria de Zé Pereira já fazendo sua propaganda:

- Ô Bigu, você já deu comida aos pássssss-saros?

Mas aí, lá do reservado do bar saiu uma voz:

_ Ô Bigu, largue minha vida, viu?

Era o próprio Dr. Ginaldo, em pessoa, mas Bigu, cá fora, protestava:

_ Porra, já tem gente imitando Dr. Ginaldo melhor do que eu!


domingo, 6 de outubro de 2013

A última Eva

 


Naquele tempo ainda se amarrava cachorro com lingüiça. Tanto que Quinca acabou acreditando na história boba de que mulher ia acabar. Correu e foi casar com uma filha de seu Leonildo Pereira. A menina nem seios lhe pareciam ter nascidos direito.

Branquinha, fraquinha, ainda meio encolhidinha dentro de casa, na cozinha, e com pouca promessa de que pegaria algum corpo de moça. Quinca com aquela cara vermelha pontilhada de espinhas e cravos; a donzelice estampada naquele comprimento de menino graúdo.

Moravam quase vizinhos. Naqueles dias andaram trocando alguns olhares. Ela num relancear ligeiro de olhos de lagarto, e Quinca querendo alguma coisa forte que não sabia bem como resolver.

Um dia quando quase todos do povoado se encontravam na missa, fez-se ouvir de repente o rumor de cadeiras quebradas e riscos de faca no chão. Muito se passou até o esclarecimento final. Um arrastar de passos logo em seguida e, finalmente, o cerco para apurar o fato. Lá no meio do salão da igreja, com uma peixeira na mão e baba pendendo de um canto da boca, ele, Quinca, para surpresa de todos.

- Quem mexeu com ele? - perguntava-se.

De um lado vinha alguma explicação:

- Pelo que sei ninguém buliu com ele não. Coisa dele sozinho.

Os parentes de Quinca se aproximaram:

- Que qui foi, Quinca? Com quem você brigava?

- Com ninguém - respondeu mais calmo Quinca.

- Ué, e para quê essa arruaça toda? – perguntou o pai com tom de voz entre enérgico e ao mesmo tempo camarada, buscando não atordoar mais o filho.

Quinca baixou o rosto como se fosse chorar e, bruscamente, ergueu-se, dedo em riste:

- Eu quero é casar com aquela menina ali.

Todos se voltaram para Ritinha de seu Leonildo, feinha, mas novinha, encolhidinha, como um passarinho assustado.

- Ué, moço, e precisava disso tudo? A gente podia conversar com o pai da moça... – ralhou o pai de Quinca.

E o casamento foi realizado dali a alguns dias. Para o jovem casal, a família havia providenciado uma casinha modesta ali no povoado. Quinca parecia guardar consigo o contentamento de uma grande descoberta que há muito lhe era ocultado pelos adultos. Então era isso?! Então era assim?! – ficava matutando. Era o tempo todo no grude com a mulher. Os vizinhos já olhavam para a sua casa com olhar de censura. Algumas velhas, dessas igrejeiras, chegavam a se benzer quando os via.

Os dois corriam pelo quintal, um atrás do outro, entre gritos e sussurros, feito amor roxo de gato, para depois, lá para dentro, consumarem o ato em gritos derradeiros. “O menino” não cuidava mais do trabalho no campo, ou, quando, vez por outra, montava a cavalo para arrebanhar o gado, parava e ficava deitado ao longo do animal se tivesse que conversar com alguém, tal era o desgaste.

Reparava-se, por outro lado, que Ritinha também estava só o caco. Quando se avistava Quinca de longe era o mesmo que ver um pé de laranja coberto de pulgão. O comentário corria solto no povoado.

- Não vê que esse menino tá doente?! – reclamava a mãe de Quinca.

- A menina está se acabando! – reclamava também a família da moça.

Nada, porém, parecia conter a fúria amorosa dos dois. Quinca já dormia com o passarinho na casinha. Roncava um pouco. E quando, lá pelo meio da noite, lembrava que a vida prosseguia em canto de pássaro, ele então recomeçava toda aquela fúria.

A coisa chegou a tal ponto, que as duas famílias se reuniram para uma decisão. Foi assim que, a conselho médico, os dois tiveram que se separar. Pelo menos por alguns meses, até a recuperação da saúde. Tudo só se tornou possível quando Quinca descobriu que essa conversa de que mulher ia acabar era história e que já não se amarrava mais cachorro com lingüiça.