SUGESTÃO DE ANÁLISE
NÓS E AS SOMBRAS
CECÍLIA
MEIRELES
E
em redor da mesa, nós, viventes,
comíamos,
e falávamos, naquela noite estrangeira,
e
nossas sombras pelas paredes
moviam-se,
aconchegas como nós,
e
gesticulavam, sem voz
Éramos
duplos, éramos triples, éramos trêmulos
à
luz dos bicos de acetilene,
pelas
paredes seculares, densas, frias,
e
vagamente monumentais.
Mais
do que as sombras éramos irreais.
Sabíamos
que a noite era um jardim de neve e lobos.
E
gostávamos de estar vivos, entre vinhos e brasas,
muito
longe do mundo,
de
todas as presenças vãs,
envoltos
em ternura e lãs.
Até
hoje pergunto pelo singular destino
das
sombras que se moveram juntas, pelas mesmas paredes...
Oh,
as sem saudades, sem pedidos, sem respostas...
Tão
fluidas! Enlaçando-se e perdendo-se pelo ar...
Sem
olhos para chorar...
O poema NÓS E
AS SOMBRAS é composto de quatro estrofes, com versos livres e brancos
(apenas nos dois últimos versos de cada estrofe aparecem rimas emparelhadas).
Inicia-se com a conjunção “e”, o que
denota a idéia de seqüência de uma situação já existente. Nas três primeiras estrofes o eu-lírico da autora se
soma à presença das demais pessoas (“nós”,
“éramos”, “sabíamos”),
para adiante, na última estrofe, emergir de forma individualizada (verso 16),
quando se distancia pela descoberta que faz ao refletir sobre a vida.
O ato de
comer e falar (1ª. estrofe) encerra a idéia de desfrute dos prazeres que a
vida oferece, daí o quadro de conforto em que se encontram as pessoas. Noite
estrangeira passa a imagem de um momento num outro país como a de noite
estranha, como prenúncio da conclusão a que chegará a autora ao questionar a
trajetória de vida dessas pessoas. Paralela a esta situação há a projeção das
pessoas representadas pelas sombras, que destas se distinguem pela ausência de
voz, numa alusão ao lado frágil, passageiro, efêmero, pelo que contém de
insignificância em face de outros valores.
Essa
efemeridade é enfatizada a partir da segunda estrofe (“éramos trêmulos”), contrastando com a perenidade representada “pelas paredes seculares”.
A
situação especial de conforto dessas pessoas em face da realidade é tal que a
autora chega a achá-las mais irreais que
as sombras.
O verso
no. 11 (“Sabíamos que a noite era um
jardim de neve e lobos”) traduz a consciência que se tem da dura realidade.
Os versos que se seguem mostram a indiferença e o desprezo que sentem por esta
situação, voltados que estão tão somente para o desfrute das boas coisas.
As
sombras seriam a projeção dos nossos atos durante a vida, para ela transitória,
e que, portanto, por ser uma passagem, não se justifica apenas cuidando-se
somente dos prazeres, sem olhos para o outro lado.
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