terça-feira, 9 de outubro de 2018

nos vamos fazer bolo de madrugada com vovó



após cruzar rios, mares e serras
bater os saltos das sandálias para tirar o barro
e adentrar o recinto tão sonhado
as chaves, testadas uma a uma, já não chegam ao cadeado
e não adianta improviso nem jeito
não abre: simples.
ninguém para uma informação.
espernear, arrancar os cabelos, correr até a sombra da casa de Dona Nida e ver o carro, com meus pais, se afastar para além da rua, Montes Claros adentro
ser apanhado pelas mãos das tias a mando da avó materna, que, sem brabeza, fala firme com aproximação dengosa:
- besteira, não chore não, besta, fica com a gente, nós vamos fazer bolo de madrugada com vovó.
quem falou para vovó que isso era consolo para nós (e acabava sendo)


sábado, 29 de setembro de 2018

A aluna no. 1





                 Onde já se viu isso? Ela não se contentava com a aula dada em sua sala e vinha e ficava sentadinha na sala da outra turma, onde ele, de novo, tratava do mesmo tema, abordando a primeira geração romântica, poemas de Gonçalves Dias.  Deparou-se com aquela estampa de garota e então procurou esmerar-se ao discorrer sobre o poeta:
            - Vocês podem reparar que não existe nenhum adjetivo no poema. Ele enaltece a terra em que nasceu se valendo de um recurso. Qual? A comparação: Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá/as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá. O Romantismo no Brasil se iniciava assim. O Brasil querendo ser, se achar, como se diz na linguagem atual, daí o nacionalismo.
            O jeans em ajuste no corpo da Vênus. Ela estaria gostando da aula, era? Ou dele? Sentada na mesinha da carteira escolar, ao fundo, atenta. Podia? Pernas cruzadas. Controle de classe, soprava-lhe a censura. Deu seu recado finalizando a aula e ia se dirigindo para o intervalo, quando da algazarra do corredor uma voz se distinguiu:
            - Professor.
            Voltou-se para a moça, que falou sobre o que mesmo? Deu explicações sobre o que mesmo? Viu de perto seus olhos miúdos e negros num rosto de um moreno indiático que mostrava o detalhe das orelhas - pequenas, bem desenhadas - .num meneio de cabelos negros. 
            - O senhor me  empresta Gonçalves Dias, meio cantada sua voz.
          Pegou o exemplar de bolso, que  trazia à mão, e entregou a Joice:
-  Devolva-me  depois. Poemas da primeira fase  romântica, nacionalismo.
- Amanhã – respondeu Joice, interessada.  Posso lhe pedir uma coisa. O Senhor me dá uma carona.
- Claro. Na saída.
            Quando veio o momento de saída, viu um pouco adiante do portão aquela garota com os livros apoiados no peito, dentre eles o de Gonçalves Dias. Parou o veículo e pediu que Vilma, que estava de carona,  se ajeitasse, para ela passar.
            Tomaria uma antes do avançar das horas.  O corsa encontrou uma posição boa em meio aos outros veículos
            - `Só uma gelada e daqui eu desço para casa, falou     Vilma.
            Desceu primeiro, abriu as portas do veículo para cuidar do desembarque das damas.
            - Essa história de cavalheirismo é só até passar as eleições, brincou Gustavo.
- Votar a gente vota, mas garantia nenhuma, completou Vilma.
            - Pela pesquisa, o homem vai ser reeleito com tranquilidade, retornou
Gustavo.
            - É, mas o preocupante é isso daí: “tranquilidade”. Boto fé nessa pesquisa não.
             - Vamos até o fim registrar meu protesto. Vai que ainda chega a um segundo turno.
              - Deus te ouça, concluiu  Vilma, até que passaram a outro assunto, depois Vilma desceu, conforme haviam combinado, e eles ficaram frente a frente. Ela estava com uma blusa marrom por cima do uniforme do colégio, que tinha vestido sem que se percebesse. “... essas meninas...”, pensou com seus botões. Rápido disfarce de costume, com um retoque do batom, e aí era uma garota comum, como tantas outras, e não uma estudante matando aula.           
_Fizmeu curso regado a cerveja, discutindo literatura. Altos papo a oras tantas ou tontas, já encaixando poesia, e assim curtia o tempo, lances de conhecimento e troca de idéias.
              _ Bacana! – falou Joice admirada. _ Ótimo esse “horas tontas”.
              _ É. Mais uma e outra, ficava-se leve e ia fluindo a prosa.
              _ Imagin

Marilene





As meninas internas – naquele uniforme de calça marrom, camisa branca de gola polo e tênis (só encontráveis nas lojas Leão de Ouro), eram decentes. Além de decentes, prendadas e bonitas. Que mais! Com direito a pose, mas sem se importarem com o exercício desse direito – ausência que antes de qualquer coisa dava nelas mais encanto. Tocavam guitarra, dançavam balé. Quem se entrosava com elas fazendo número de dança no teatro, que ficava no térreo do prédio, como figurante, nos eventos culturais, era Paulo -  uma maneira de a gente também estar próximo delas e poder sonhar. Como só havia três meninos na turma, Paulo tinha que ser colega chegado. E viva Paulo, que dava notícia delas para gente.Do tipo assim: que elas eram órfãs, de outro Estado, uma delas até era sobrinha de irmã Catarina, nossa Orientadora Educacional do SOE. Nada mais que isso sabíamos.

Ela, a preferida, de nome humilde, Marilene Andrade, era branca dos cabelos negros, de róseo rosto com pontinhas ligeiramente perceptíveis de espinhas. Leve, numa magreza normal de ginasiana bem cuidada, o que podia ser notado facilmente na hora de dar a saída de bola no jogo de vôlei. Com estilo, no short marrom desenhando um bronzeado normal, ia para o saque. Erguia-se e levantava com classe de bailarina a bola para a colega fazer belas cortadas e acrescentar pontos no placar. Depois, nos saltos de contentamento, caminhava de volta para o saque no fundo da quadra. Classe.Sempre. E a gente na torcida curtindo, enquanto aguardava a vez de enfrentar o time vencedor, no quem ganhar chama.

A gente tinha mais era que ficar assim, na torcida, sem pisar a sério o chão da realidade, naquele ano de 1976, para que tudo não se conduzisse de forma inexorável, uma manhã sucedendo a outra, o mesmo cheiro matinal de café com leite e  pão francês. Melhor que ficássemos pelo resto de vida só acompanhando o jogo: o saque de Marilene, a cortada de sua colega, cujo nome me foge, mas não me foge o contrabaixo que ela tocava legal com Marilene. Elas tocavam brincando, sem fazer qualquer esforço. Sentavam juntas, andavam juntas afinal. Era mais forte, como se fosse irmã mais velha, mas de mesma jovialidade estampada. Deviam ter o entendimento comum.  Suas notas eram as mesmas, acima de oito, nove, geralmente dez, variavam de forma imperceptível.  

A sobrinha de irmã Catarina, que não tocava nenhum instrumento,  foi quem chegou a nos dar ousadia, mas era do tipo sem segredos nem encantos.  Minha câmera invisível parecia filmar o movimento delas duas pela manhã, desde a fila que se formava para  cantar o Hino Nacional -  obrigatório -  até o acesso as salas de aula, no primeiro andar. Mas vez por outra o acesso era para entrar no teatro do colégio, aberto para alguma apresentação ocasional ou periodicamente para fazer a avaliarão da unidade, através de uma espécie de vestibular simulado. Minha câmera invisível acompanhava nesse dia um evento cultural, em que as meninas tocavam violão e um coral cantava uma canção de Doriival Cayme, um drama do pescador em Suíte de Pescador:

Minha jangada vai sair pro mar
Vou trabalhar, meu bem querer
Se Deus quiser quando eu voltar do mar

Um peixe bom eu vou trazer
Meus companheiros também vão voltar
E a Deus do céu vamos agradecer
Adeus, adeus
Pescador não esqueça de mim
Vou rezar pra ter bom tempo, meu nêgo
Pra não ter tempo ruim
Vou fazer sua caminha macia
Perfumada com alecrim

Não precisa dizer que o adolescente, vindo do interior, viu ali o máximo de apresentação artística e carregaria por toda vida aquela dor: a mulher do pescador, que vinha até a beira do palco para entoar o adeus, adeus, e os “pescadores” (meia dúzia de garotas bailarinas) indo até a outra margem do palco. Antes desse número, houve apresentação de um sapateado com Paulo (filho de português) e uma garota de outra turma, que era espanhola (tocava violoncelo, diria Paulo depois), e nós dissemos que era namorada de Paulo, tanto era nosso o desejo adolescente na garota. Confesso aqui uma traição: mal tivemos essa prosa, Paulo acabou se apaixonando pela espanhola e, por tabela, todos nós mergulhamos também nessa penumbra da paixão, e Paulo me encarregou de fazer depois uma carta para a garota, em que pude derramar todo meu amor por... Marilene(cuja conduta exemplar me influenciaria dali para frente). 

Aconteceu de eu ter de fingir de paixão pela espanhola e escrever essa carta para a garota por encomenda de Paulo, que era um pouco mais amadurecido, e ia cortando os excessos  dos meus arroubos juvenis ao passar a limpo o texto. Creio que foi assim, sob esse amor platônico, que iniciamos aquele ano letivo de 76, que vinha grafado clandestinamente no muro do colégio recém pintado.

sexta-feira, 29 de junho de 2018



Maior inventor de todos os tempos ( I )

O maior inventor de todos os tempos? Sempre tinha carregado consigo, para quando em alguma circunstância fosse instado a dizer, uma resposta que entendia  liquidar de vez a polêmica: o maior inventor foi a própria humanidade; não um fulano de tal que viveu numa certa época, porque a maior invenção – achava - foi a escrita. Graças a ela é que daí decorreram as demais. Mas agora abria mão de toda essa crença para impor, sem admitir direito ao contraditório - que esse princípio se lixasse por lá -, para bater o martelo retificador da verdade: o maior inventor do universo, de todos os tempos, foi... Grahm Bell.
Era na parte de cedo e o telefone do escritório tocava. Tocava não; fazia escândalo. Parecia uma rapariga a gritar por todo edifício: “Gustaaaaaaaaaaaaaavo... Gustaaaaaaaaaaaaaaaaaavo”. Teve que subir as escadas saltando degraus, tanto que chegou meio ofegante quando conseguiu alcançar o fone:
 - Alô.
- Gustavo?
Deus! Era ela! Deu vários beijos no bocal do fone. Até que enfim a vida que pensava ter se lhe escapado para sempre. Até que enfim aquela voz que tinha deixado de musicar em seu ouvido fazia algum tempo. A voz. A voz. Só com isso parecia retomar o verde da existência, a vontade de abraçar até os inimigos se os tivesse, como falou um dia em que fizeram amor três vezes na noite e depois foi para o trabalho e de lá ligou para ela só para agradecer por isso, que naquela manhã amanhecera com esse ímpeto...
- Gustavo?
Que maravilha! E esse “Gustavo!”era assim, ainda que como quem estava zangada e iria cuspir maribondos; “a voz”, que deixara de enternecer seu íntimo auditivo, mesmo em tom de agressividade.
- Gustavo?
Zangada.
- Fale, meu amor.
Imagine aqui com que entonação respondeu. Depois de um hiato naquele realacionamento. Ausência igual a frio de Vitória da Conquista, de pelar cachorro. Falar em cachorro, ela agora iria soltar os dela.
-  Pare com esse negócio de amor. Você está ficando maluco, é?
Tinha que sair por aí, não era?
- Você telefonou pra todas as casas da cidade procurando por mim. Você acha que isso é coisa de gente normal?
- Você não me deixou o número do seu telefone, Baby...
Imaginou-a suada, limpando a garganta, quando respondeu:
- Pare de me chamar de Baby. Acabou e pronto.
A voz. Como sua cidade não era tão grande assim, conseguiu um desses catálogos telefônicos locais, e, como não sabia o número do telefone da família dela, resolveu ligar para todos os números procurando por ela. Não agüentava mais aquela perda.
- ... e além do mais, você é um idiota: ninguém aqui me conhece pelo nome não e sim pelo apelido, “Joice”.
Trabalho da porra. Ligava: “é da casa de Joicilene? Não? Você pode mandar um recado pra ela, pra ligar pra Gustavo?
- Então como é que você ficou sabendo, Baby?
- Pare com esse negócio de Baby. Acabado.
Brava. Mas chegaria lá: o trabalho não fora inútil.
- ... você é maluco, ligou até pra rádio FM e eu estava na cozinha fazendo café quando a rádio divulgou; e mãe e pai escutando...
- E eu sabia lá que era rádio; eu queria tentar localizar você, por isso liguei para todos os números do catálogo...
- Você é maluco e eu não sabia disso...
- Mas eu fiquei assim depois de você, Baby...
- Pare de me chamar de Baby!
- Pra que essa brabeza?
- Eu fiquei assim depois dessa loucura sua. E olhe, esqueça, a gente não tem mais nada a ver. Por favor.
- Eu vou aí na sua cidade
- Não faça isso.
- Vou. Então venha você aqui senão eu você: você não pode me impedir
- Eu já lhe expliquei que não dá certo. Fique com sua mulher, já que você não se livra dela.
A bronca era essa: ciúme da titular. Tinha visto o casal fazendo compra em um supermercado e ele todo aninhado à esposa, com beijinhos e coisa e tal, e então entrou em parafuso, quando julgava haver superado essa idéia de possível separação e se manter daquela forma.
- Mas você já tinha compreendido isso, Baby: coisa superada.
- Pare de me chamar de Baby, e tem mais: compreender é uma coisa mas ficar vendo aquilo é outra coisa, você lá se babando, beijinhos e abraços e palavras...
- Mas eu sou assim...
- Vai ser assim agora nos infernos – gritou (“a voz”) e bateu o telefone.
Tinha certeza de que ela iria ligar de novo. Conhecia. Ela não tinha terminado a sua operação de guerra, para que depois ele lograsse êxito no seu intento. No fundo, ela teria gostado da sua loucura.
2
Menina dos Olhos

            Ela, após a aula, chegou até a sala dos professores, a propósito de tirar alguma dúvida. Mas não havia dúvida; havia certeza, desde quando fizera chamada nominal, quando a tinha visto num entrecruzar de olhos. Que olhos os dela! Era só confirmação. Tanto que a questão exposta ambos sabiam mero pretexto. Energia. Pura química. A jovialidade latente e a busca da experiência de quem fala fácil e de coisas por descobrir.
            Apenas uma garota. E era a vida em raios de ouro. Um encontro do que se iria completar em realização - um braço que o retiraria da floresta dos homens em redescoberta.
            Prontificara-se a  escrever no quadro o que o professor ditava, com letra bonita, que o professor confessava não ter caligrafia. Os olhos, primeiro plano. A voz: “Professor”. O resto nem se fala. Era um primeiro dia de aula. Um primeiro dia do que se tornaria para sempre.
            Fosse cinema, haveria um fundo musical. A canção falaria por si só. Imagine agora somada à imagem. E ela: “Professor”. E o professor, conforme preparação, tendo que ter aquele controle de classe.
            À saída do colégio identificou-a em meio a muitas outras garotas a caminho de casa com o caderninho junto ao peito, e não era uma qualquer, se destacava - a menina dos olhos,  e então parou num bar, pediu uma bebida e, vendo-a passar na outra margem da rua, nesse momento, chorou. E choraria tempos depois.

3
O maior inventor de todos os tempos II

            Porra de Graham Bell.  Quem, na verdade, inventou o telefone foi Antônio Meucci, para poder se comunicar do seu escritório com o quarto, onde ficava sua mulher, que sofria de reumatismo. Graham Bell  apenas comprou a idéia e colocou Dom Pedro II como garoto propaganda. Agora queria falar com a mulher e o espírito de Meucci não baixava. Teria que arriscar ir até a sua cidade assim mesmo. Iria movimentar  exército, marinha e aeronáutica, todas as forças, para trazer de volta aquele violão afro. Se falasse com a mãe, diante do seu estado misantrópico, ela lhe daria suporte, sem, no entanto, deixar de registrar que ele já era casado e que saísse do caminho da moça.
            - Não pode, mãe; ela é minha – responderia. Então a mãe não teria como não aprovar seu desiderato. Mãe é mãe.
            E a filha da mãe não ligava. Ficou ali olhando o aparelho e o dia não começava. Uma hora, duas horas, sem nada fazer senão se fixar no telefone, que Meucci inventou só para falar com a mulher e ele sem poder falar com uma das dele. Tinha até falado para a secretária Olhe, cancele aquele negócio. Que negócio? Maluquice de mandar numerar as namoradas. Telefone, Rose. Havia umas dez. Em vez disso, Telefone, número quatro, e aí ele sabia que era Rose sem precisar falar o nome: ela tinha uma tabela e ele tinha outra correspondente. Acabou com o engarrafamento. Às vezes, na sexta-feira era um horror, todo mundo queria sair. Tinha que criar uma desculpa e outra para ir conduzindo a coisa: Fale com Rose que tive que viajar pra Salvador/Fale com Samanta que estou adoentado/Fale com Meire...
            Depois dela, teve que “chamar o processo à ordem”, como se diz na linguagem forense:
            - De hoje em diante eu só estou pra uma pessoa – falou com a secretária.
            - Já sei: Marcela.
            - Marcela não conta, minha filha: Marcela sempre, estou falando de Joicilene, que nem chegou a ser numerada.
            - Ah. E as outras?
            - Deleta.
            Foi assim. Agora ela não ligava. Também acabou ficando livre daquela turma. Aos poucos ninguém mais ligava. Coisa feia. Onde já se viu.  Agora era só Joice. E ela difícil.     

4
A aluna no. 1


                 Onde já se viu isso? Ela não se contentava com a aula dada em sua sala e vinha e ficava sentadinha na sala da outra turma, onde ele, de novo, tratava do mesmo tema, abordando a primeira geração romântica, poemas de Gonçalves Dias.  Deparou-se com aquela estampa de garota e então procurou esmerar-se ao discorrer sobre o poeta:
            - Vocês podem reparar que não existe nenhum adjetivo no poema. Ele enaltece a terra em que nasceu se valendo de um recurso. Qual? A comparação: Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá/as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá. O Romantismo no Brasil se iniciava assim. O Brasil querendo ser, se achar, como se diz na linguagem atual, daí o nacionalismo.
            O jeans em ajuste no corpo da Vênus. Ela estaria gostando da aula, era? Ou dele? Sentada na mesinha da carteira escolar, ao fundo, atenta. Podia? Pernas cruzadas. Controle de classe, soprava-lhe a censura. Deu seu recado finalizando a aula e ia se dirigindo para o intervalo, quando da algazarra do corredor uma voz se distinguiu:
            - Professor.
            Voltou-se para a moça, que falou sobre o que mesmo? Deu explicações sobre o que mesmo? Viu de perto seus olhos miúdos e negros num rosto de um moreno indiático que mostrava o detalhe das orelhas - pequenas, bem desenhadas - .num meneio de cabelos negros. 
            - O senhor me  empresta Gonçalves Dias, meio cantada sua voz.
          Pegou o exemplar de bolso, que  trazia à mão, e entregou a Joice:
-  Devolva-me  depois. Poemas da primeira fase  romântica, nacionalismo.
- Amanhã – respondeu Joice, interessada.  Posso lhe pedir uma coisa. O Senhor me dá uma carona.
- Claro. Na saída.
            Quando veio o momento de saída, viu um pouco adiante do portão aquela garota com os livros apoiados no peito, dentre eles o de Gonçalves Dias. Parou o veículo e pediu que Vilma, que estava de carona,  se ajeitasse, para ela passar.
            Tomaria uma antes do avançar das horas.  O corsa encontrou uma posição boa em meio aos outros veículos
            - `Só uma gelada e daqui eu desço para casa, falou     Vilma.
            Desceu primeiro, abriu as portas do veículo para cuidar do desembarque das damas.
            - Essa história de cavalheirismo é só até passar as eleições, brincou Gustavo.
- Votar a gente vota, mas garantia nenhuma, completou Vilma.
            - Pela pesquisa, o homem vai ser reeleito com tranquilidade, retornou
Gustavo.
            - É, mas o preocupante é isso daí: “tranquilidade”. Boto fé nessa pesquisa não.
             - Vamos até o fim registrar meu protesto. Vai que ainda chega a um segundo turno.
              - Deus te ouça, concluiu  Vilma, até que passaram a outro assunto, depois Vilma desceu, conforme haviam combinado, e eles ficaram frente a frente. Ela estava com uma blusa marrom por cima do uniforme do colégio, que tinha vestido sem que se percebesse. “... essas meninas...”, pensou com seus botões. Rápido disfarce de costume, com um retoque do batom, e aí era uma garota comum., como tantas outras, e não uma estudante matando aula.
_ fiz meu curso regado a cerveja, discutindo literatura. Altos papo a horas tantas ou tontas, já encaixando poesia, e assim curtia o tempo, lances de conhecimento e troca de idéias.
              _ bacana! – falou , admirada. _ Ótimo esse “horas tontas”.
              _ É. Mais uma e outra, ficava-se leve e ia fluindo a prosa.
            _ Imagino