quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Seu Sátiro

 


A propósito de meu nascimento, conta-se sempre uma história. A mesma. Um pequeno produtor rural, Sátiro Fernandes, seu Sátiro, nosso vizinho, foi quem, afinal de contas, me salvou a vida.

- Tinha uma bagagem de homem vivido, que morou muitos anos no interior de S. Paulo, começava meu pai a traçar as caraterísticas de Seu Sátiro.

Como último recurso, o plano foi cumprido à risca por minha avó materna, Leovegilda (“Iaiá”). Tal era o rebuliço na casa naqueles dias, que a ideia de cura resultara no que se considerava um milagre – o umbigo do menino finalmente estancara o insistente sangramento.

- Lá pela manhãzinha, espiamos: parecia colado (o umbigo), dizia minha mãe com o dedo na boca, sinalizando silêncio para não despertar o bebê. Tanto que acabou dormindo mais sossegadinho, finalizava como um resquício da lembrança.

Em meio a alegria, o assédio ao primeiro filho homem na família fizera com que uma dessas  visitantes se entusiasmassem com o bebê desenrolando os panos sem a cautela necessária. Essa atitude acabou causando o desgrude do umbigo (“foi junto”) da faixa protetora da cinta.

- Apesar das várias tentativas da enfermagem da época (o farmacêutico e o enfermeiro com uns produtos), o umbiguinho se apresentava com sangramento, não mais se firmando no local de costume, era a vez de meu pai, que sofrera aquele desespero na ocasião, falar mais alguma coisa.

- Mamãe lavava esses panos escondida de Aleci, que chorava noite e dia, lembrava minha mãe desse detalhe.

Lembrava mais, um tempo depois, meu pai, nervoso, aplicando umas palmadas na babá, que negligenciara na vigília do menino. Levara um corte com caco de garrafa quando brincava de vendinha pelos cantos da sala, no que minha mãe completava:

- Era minha falta de sorte com filho homem.

Tiro o chapéu agora para minha Iaiá Leovegilda, com a participação dela na execução do plano astuciado por seu Sátiro, que, nessas emergências, era um homem de antigamente, que sabia fazer de tudo um pouco, inclusive milagre como esse:

- Ô menino, por que não arruma um pedaço de sola nova para moer e torrar, na chapa. Com mistura de raspas de rapadura e um pouquinho de azeite doce, tudo colocado em volta do umbigo, e depois é só  enfaixar bem enfaixado, que eu acredito que vai estancar o sangue.

Minha vó foi cumpridora da tarefa. Com o carinho da avó e a corrente das pessoas amigas deu tudo certo e eu estou aqui a contar para vocês a história. Logo me apelidaram de Cola, Colinha, que, hoje, só amigos de infância e mãe ou tia me chamam.

        Mas eu queria mesmo falar aqui nessas reminiscências era sobre o verdadeiro herói, seu Sátiro, que foi um homem de conhecimentos práticos consideráveis.

        - Nosso veterinário por aqui: faz parto de uma porca, de uma vaca, cura bicheira, essas coisas...

        Ah, eu ia dizer era isso: ele era muito amigo de Osvaldo Pereira Dantas, meu avô materno, filho de Leovegilda. E resolveu meu problema, que não era só meu, era nosso. Estamos entendidos. Mas fico devendo essa ao sr. Sátiro, que registro aqui no meu livro, em caixa alta, como marco inicial, para que se dê publicidade ao ato: obrigado, seu SÁTIRO FERNANDES.

 

 


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