quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Fecho éclair


 

1.

Duas horas da manhã de vinte e três de agosto do ano da pandemia de dois mil e vinte.

Momento roubado para um nescafé

de cômodo preparo;

as coisas do mundo acontecendo lá fora,

a imensa roda do implacável

vencendo montanhas, edifícios e cidades

sem se importar com nada;

o potente automóvel dragando distâncias,

parecendo parado imponente na estrada;

o nível do mar subindo na janela do teu quarto

indo para o telhado;

o antes e o depois se encontrando em cumprimentos

e a minha certeza pichada nos muros que estive aqui,

ali,

além

de tudo e de todos,

ou a gente se acha por aí.

2.

Como tu, nada sei dos outros ou de mim.

Mergulho assim mesmo

com olhos de desconfiança

que fazem parte, à parte,

nesse caminho longo, sem fim

que se vai abrindo, abrindo...

Psiu que há gente dormindo

gente de todo jeito

gente in extreminis

gente se desgrudando das coisas

tal como fecho éclair

estilo carrapicho.

 

3.

Os  segredos, aqueles!

que guardavas contigo no teu âmago

agora transbordantes espalhados

da Lagoa do Mocambo ao Dique do Itororó

produtos com data de validade vencida.

 

4.

Nem dava para sair gritando eu te amo eu te amo   

porque o amor já se fizera  de per si, ao seu modo,

e tu não ias voltar toda fita de gravação para ver como se dera o amor,

qual o segredo que restava ainda por contar

no mais fundo de ti

aberto ao peito sem o saber.

 

5.

Arco íris enfaixado nos céus,

bandeirolas de S. João com arranjos de Natal,

e gol gritado ao infinito: gooooooooooooooooooooool

discreto fruto maduro num galho

que se descobre alheio no quintal.

 

6.

Não mais se interroga

mas se descreve, se exclama sim

e dão umas reticências

como se fosse um “corras “

do jogo de biroscas na infância.

 

7.

E não espera o fim estilo The and

dos filmes de sessão da tarde,

porque vais receber um bom dia

dos pássaros que te visitavam pela manhã

e tu não respondias,

 

8.

das flores que enfeitam agora seu campo visual

e  tu ignoravas (ah... as flores...)

ao som de uma sinfonia

que tu não percebias como agora,

como Marta, irmã de  Lázaro e de Maria.

 

 

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