1.
Duas horas da manhã de vinte e três de agosto do ano da pandemia de dois mil e vinte.
Momento roubado para um nescafé
de cômodo preparo;
as coisas do mundo acontecendo lá fora,
a imensa roda do implacável
vencendo montanhas, edifícios e cidades
sem se importar com nada;
o potente automóvel dragando distâncias,
parecendo parado imponente na estrada;
o nível do mar subindo na janela do teu quarto
indo para o telhado;
o antes e o depois se encontrando em cumprimentos
e a minha certeza pichada nos muros que estive aqui,
ali,
além
de tudo e de todos,
ou a gente se acha por aí.
2.
Como tu, nada sei dos outros ou de mim.
Mergulho assim mesmo
com olhos de desconfiança
que fazem parte, à parte,
nesse caminho longo, sem fim
que se vai abrindo, abrindo...
Psiu que há gente dormindo
gente de todo jeito
gente in extreminis
gente se desgrudando das coisas
tal como fecho éclair
estilo carrapicho.
3.
Os segredos, aqueles!
que guardavas contigo no teu âmago
agora transbordantes espalhados
da Lagoa do Mocambo ao Dique do Itororó
produtos com data de validade vencida.
4.
Nem dava para sair gritando eu te amo eu te amo
porque o amor já se fizera de per si, ao seu modo,
e tu não ias voltar toda fita de gravação para ver como se dera o amor,
qual o segredo que restava ainda por contar
no mais fundo de ti
aberto ao peito sem o saber.
5.
Arco íris enfaixado nos céus,
bandeirolas de S. João com arranjos de Natal,
e gol gritado ao infinito: gooooooooooooooooooooool
discreto fruto maduro num galho
que se descobre alheio no quintal.
6.
Não mais se interroga
mas se descreve, se exclama sim
e dão umas reticências
como se fosse um “corras “
do jogo de biroscas na infância.
7.
E não espera o fim estilo The and
dos filmes de sessão da tarde,
porque vais receber um bom dia
dos pássaros que te visitavam pela manhã
e tu não respondias,
8.
das flores que enfeitam agora seu campo visual
e tu ignoravas (ah... as flores...)
ao som de uma sinfonia
que tu não percebias como agora,
como Marta, irmã de Lázaro e de Maria.
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