terça-feira, 6 de outubro de 2020

7. Ritinha, namoro sob chuva

 


Me faltava uma namoradinha no desenho de minha vida de pequeno burguês, que se projetava à minha revelia então. Após criar o modesto costume de frequentar noites e festas da REG (Residência Estudantil de Guanambi), na Rua Direita do Itororó, caiu-me no costume bom um “embrecho” meu com a garota Ritinha, que virou namoro, de ter começo, meio e... fim, por machismo latente meu. Sobre o que devo dizer alguma coisa. Mas o quê mesmo? Faz quarenta e dois anos. O que se riscou no painel desse tempo, no entanto, há de permanecer, como o abraço envolvente que lhe dei, protegendo-nos da chuva na marquise da Avenida Joana Angélica, no encontro daquela fresca manhã de 1979.  

Ah! Quero contar aqui sobre o “finale” mas me vejo saboreando cenas do nosso namoro, Rita, que nem quero mais lembrar do fatídico dia dos namorados, do presente - lembrancinha de uma caneta de metal grafado meu nome e a data por ironia do destino, para ficar para sempre e como ficou! Melhor que procure mascar esse chiclete, como fazíamos nessas ocasiões.  Você abria sua bolsa e retirava para nós uns caramelos, queimados, uns chicletes, o que fosse para passar o tempo mudando de posição ou de assunto.     

Lembra-se de quando nos encontramos, eu indo para a educação física e você de sombrinha indo para o colégio? Dia de chuva, que aproveitamos para curtir debaixo de uma marquise na Avenida Joana Angélica!... Beijos e abraços. Silêncio. Barulho normal de rua e tiritantes chuviscos no asfalto. Momento que nos foi concebido pelos deuses, Rita! Sem a gente saber. Você nos seus quinze anos, eu nos meus dezessete. Simples assim, como tudo era simples naquela época.

            Recebi o presente e não dei a ele a importância que merecia, nem retribuí, acho. De tanto perturbado que fiquei com as palavras dos amigos da REG, que disseram da sua vibração quando viu os rapazes da UNE no Congresso realizado em Salvador:

            - Que lindo!

            Rita tinha namorado, que não gostou dessa conversa de gente atrasada e machista, mas como tal comportou-se. Preferiu terminar, malgrado os panos quentes das amiguinhas dela, que lhe entregaram a lembrancinha do dia dos namorados. Perto dos amigos de Guanambi, que não tinham namoradas, permitiu aflorar um machismo que guardava imberbe dentro de si.

            Apresentou-se depois como um babaca que não aceitava nas namoradas certas condutas com viés feministas.  Depois, no escuro do seu quarto, quantos noites não chorou o seu colo de namoradinha?! 


3 comentários:

  1. Belíssimo conto, talentoso vate, com a descrição poética dos elementos que compõem cenário do cotidiano dos anos setenta ao ponto de deixarmos saudosistas, nós que vivenciamos esse tempo simples, mas saboroso, como você o pontua. Parabéns!

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