Esclareço aqui uma ponta deixada solta em
página anterior. Um adendo. Acho que só eu e vovó Etelvina guardamos esse segredo: sinhá
Maria de Orlindo experimentara a morte antes de morrer de vez. Ela caíra doente
e estava moribunda. Morava na Rua Presidente Vargas, numa casa de boa fachada
com comércio ao lado, de seu marido, seu Orlindo. Porque o comércio dela, Sinhá
Maria de Orlindo, era dentro de casa, na sala, onde havia espaço para, além da
venda bem sortida, um presépio (lapinha), muito visitado por sinal.
Ambos comerciantes, dos tradicionais na cidade
de Candiba, eram figuras folclóricas. As coleguinhas, no Curso de Admissão, em
1971, subindo a Rua Presidente Vargas, passavam por lá e compravam bala doce.
Mas oh que tristeza das meninas chupando as balas que sinhá Maria já havia
desembrulhado, chupado e enrolado, de volta, no mesmo papel, pronto para venda,
mania de velha voltando a ser criança.
“Tome vergonha, Rock, deixe de
mentira!” ralhava eu, envergonhado.
Podia ser mentira de Rock (torcia para isso),
porque eu gostava de uma delas e não ia cair bem mesmo tal arte da velha,
“eco”, pensei na hora. Mas ficou essa resenha e foi chato ver minha coleguinha
abrir a bolsa e se desfazer de um pacote de balas.
O ambiente ficou nojento, até que na descida da Escola apareceu para salvar a situação foi
tia Lô, que falou da hipótese, que eu logo acolhi, de as balas se encontrarem umedecidas
por conta do tempo chuvoso, que não eram por chupação de Sinhá Maria não, que
era abuso da molecada mesmo, aproveitando-se da idosa.
“Tome!”
olhei para Rock, que inventara aquilo.
A gente comentava que ela relatava para vovó
que tomava banho no quintal e depois molhava a horta com aproveitamento da água
da bacia, que ficava uma maravilha ver as alfaces ao sol da tarde. Resultado:
perdeu outra freguesa.
E como era um casal de velhos, independentes, cada
um dono de si, com seu comércio, diziam as más línguas que ficava um torcendo
para o outro morrer logo. E estranhamente, Sinhá Maria é que venceu a parada. Semanas
depois, para nossa surpresa, enterramos seu Orlindo, que não estava programado.
Numa segunda feira cedo, antes de irmos para Guanambi, conforme era costume da
região, sepultamos seu Orlindo, com outra cova aberta do lado (prevenção).
O enterro de Sinhá Maria de Orlindo foi daí
alguns dias quando ela acabou morrendo de vez (a segunda), que foi um chororô
na Rua Presidente Vargas, enquanto o comércio de ambos e casa de morada eram
disputados por herdeiros que chegavam, para início de uma nova era.
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