sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

 

Regina

1.

Estava jogando sinuca com Roque na hora que todos correram para as portas  do bar:

- Quero ver também, porra! Com licença! – falei.

            Ficava um amontoado de curiosos. Novidade nenhuma. Como sempre. No bar do Borba havia uma enorme mesa de sinuca que segurava a rapazeada na parte de cedo.

            - Chegaram essa noite de S. Paulo. São minhas duas irmãs mais velhas e sobrinhos – disse Roque dando uma tacada forte na bola.

            Enfiei-me no meio e fotografei mentalmente a sobrinha de Roque, dizendo por fim:

            - Vai ser minha namorada! –  e fui desocupar a sinuca, abandonando o taco na mesa.- Sua sobrinha é um tesouro, Roque – arrematei.

- 16 anos, cara.

E já estavam desenhadas minhas férias, com clima de filme de sessão da tarde e as aventuras de dois jovens. Ele, doido por uma paixão e ela, também, cheirando a hortelã e mel de abelha.

- Como é o nome dela, Roque? –  gritei entusiasmado.

- Regina, filha de minha irmã mais velha Hortência, de seu segundo casamento.

 - Gustavo e Regina, um amor descuidado que brotou  a tempo. Começou a rolar o  filme dentro de mim.

-  Temos que falar com a mocinha – disse Ricardo a um canto.

- Para ver se aceita fazer?  – falou Gilba, que pegou meu taco da mesa.

- Agora mesmo, cara – retornou Roque, com firmeza.

 - Minha equipe é de primeira – eu disse.

Assim, com esse espírito empreendedor, formou-se uma dupla, sob a chefia do tio, para saber de Regina.

- Fico na espera – eu disse mascando chiclete.

- Jogue fora. Cuspa, Vai falar com a garota e você nem imagina como ela é – ralhou Roque, o tio em ação.           

- Aguardo. Vamos lá então! – gritei apreensivo desfazendo-me do chiclete e penteando os cabelos com os dedos.

 

 2.

- Chega, meu tio. Chega! – gritava engraçado em paulistês a lourinha,

- Vou te apresentar logo esse cara. Olhe ele ali se escondendo. Venha cá, rapaz, pra você civilizar mais um pouco, resenhava Roque.

Ela falava retirando as mãos do tio, de seus ombros. Bonitinha. E era tímida também.

- Realmente, Roque – murmurei.

Dei beijinhos de apresentação. Com pouco, estávamos sentados no banco da pracinha batendo papo com sotaque paulista e tudo.

- Esse negócio do filme é só metáfora, Regina.

- Achou que eu estava ligada?

Interessante que a gente se aproximava cada vez mais. Resolvemos dar um giro pela cidade e logo estaríamos de volta:

- Temos um universo para conversar – eu  disse 

- E o dia é pouco. A vida... – ela se deixou calar.

- Temos que delimitar, não é? – retornei.

- Tempo: 1978, espaço: Brasil. Temos que versar aí dentro. Nosso mergulho é nesse universo, depois vamos ampliando –  ela ensinava..

Depois, virei-me para os  lados e para ela:

- Exatamente, Regina. Merecemos um beijo. Com licença – beijei a garota, que me  ofereceu o rosto em paz.

- Uma caixa dentro da outra, confirmou ela com olhos amendoados.

- Você já faz parte de minha caixinha – dei outro beijo em Regina. Vamos sair à noite! Combinado?

- Combinado.

Tiirava um chiclete do bolso, quando ela me pediu um estendendo a mão. Dividi a goma numa dentada em dois pedaços. Ela fechou a mão, cerrou os olhos e abriu  a boca, queria a goma de mascar ali, onde coloquei com outro beijo.    

 


3.

            Quando passei por lá no carro de pai, dei uma buzinadinha, apareceu Roque:
            - Pode ir embora, cara. Zebrou tudo. Guerra das Malvinas.

- Como assim, Roque?

            - Conheço as duas. Morei lá com elas.  As duas brigaram. A briga delas é  algo antológico. Uma segunda guerra mundial.

            - A gente não tem nada com isso.

            - Nada, mas sobrou pra você. Hortência proibiu ela de sair e até de namorar aqui. Bateu o martelo. Não abre nem com a porra. Briga delas ninguém entra. Não duvido nada de querer voltar para S. Paulo amanhã. Elas não são como nós aqui não. Costume feio. Sem respeito. E os nomes?

            - Mas deixamos combinado! Eu não poderia falar com ela?

            - Nesse momento não. Estão isoladas. Não falam com ninguém.

            Quando tudo parecia caminhar nos eixos da normalidade, surgia das nuvens essa escuridão de mundo!  Espremia-me de medo, apanhado pela impotência repentina.

- Tem que haver um jeito – disse Gustavo, choramingando, em frouxa diligência na partida do automóvel.

- Espere aí, Roque, briga lá em S. Paulo é uma coisa e aqui não é S. Paulo,

- Ela vai dizer que é a casa de seus pais.

-  Regina pode dormir em outra casa? Dorme com minha prima ou lá em casa.

Também já cansado, Roque ponderou

- É, dar para conversar sobre isso.- Espere aí.

Foi e sumiu lá para dentro. Não se falou mais em Roque.  Passaram-se séculos de agonia, parodiando o poeta., e nada. Até que ao volver para casa, de lá saíram Roque com a prima e uma sacola de roupas atirada. Saltei fora e peguei a sacola atirada que ficara para trás e fui chamando com uma alegria imensa:

- Vamos, Regina!

 

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