segunda-feira, 13 de maio de 2024

Solange

                                                                              

Logline: Fim de uma etapa, início de outra. algumas coisas ficam, outras marcam e à frente há uma entrada se descortinando.

 

 

Um motivado anseio despertava Edu para aquela viagem de volta. Era só aguardar a colação de grau e a despedida do estágio, para arrumar as malas e se mandar para o interior. Fim de uma etapa em sua vida e começo de outra. Onde estava o cinegrafista para fazer uma fita desse episódio? ao menos uma foto ou apenas um print da lembrança pura daqueles momentos derradeiros do curso, de despedida da Capital, da impossibilidade de reviver esses instantes, prendê-los numa narrativa, com os arranhões de incautos amadores?

Edu desceu da moto, que logo seria vendida para despesa que o esperava com enxoval do seu primeiro filho, de precipitada programação. Correu a mão ao longo da motocicleta como se agradecesse a um companheirismo de cavalo, que lhe fora de muita serventia. Refletia a prova da imensidão desse riacho, que, de jogo começado, ninguém sabia até onde ia, antes de se espargir no mar.

 Solange pedira carona na saída do último dia de estágio. Essa baixinha era uma loura retada e boa de copo. Garantia de um colega:

- Tomou umas caipirinhas, tomou todas, que deixou a gente chumbada .

 Saíram do fórum, ele a deixaria na Barra. Pelas avenidas e ruas, o calor de Salvador envolvia o jovem casal, que se via aliviado com a brisa.  

- Vamos tomar uma de despedida. Você fez o relatório? – quis saber Edu,. 

Edu se considerava livre: fez o relatório e recomendou os processos em andamento. Relapsa, o dela seria entregue no dia seguinte. E nem era bonita o bastante para ser retada, essas coisas de enquadramento. A baixinha, a procura de sombra, acomodou-se numa das mesas do agrado e, enquanto Edu estacionava a motocicleta, foi desabotoando a jaqueta e pedindo uma gelada.

- Mas o meu está quase pronto, consegui que o monitor autorizasse receber amanhã – disse num sorriso molhado de cerveja.

Conversaram bastante. Fizeram um apanhado desse tempo final de estudo e estágio.

- E você, Edu?

Como se olhasse em tom de despedida, Edu acrescentou:

-  Vou ter que entregar minha moto. De muita utilidade – disse batendo com a mão no banco do carona.

Edu mediu-a com olhos de gavião. Ela consertou os botões da jaqueta e, fogosa, murmurou:

- Esses homens...

- Você já saiu com quantos aqui, Solange?

         Não interessava a ninguém, isso que queria dizer.

- Falta de ética informar, Edu – disse sacudindo os cachos loiros.

- Desculpe por esse pensamento machista, Lourinha.

Desculpas aceitas, passaram a outros pontos. Se bem que estava tratando com uma loirinha escolada, sem frescuras. Ela andava com a turma de Leila e Sandra, comedidas, mas não podia disfarçar a namoradeira dentro de si, a começar do macaquito vermelho que trajava.

- Você tem potencial, Solange.

- Para?....

- Vida.

- Claro.

Não ignorava que estavam no fim de uma ditadura, mas ela voltaria para sua cidade já encaixada num dos órgãos públicos, graças ao pai prefeito. O resto ficava para a mente fresca dos estudantes idealistas. Caso dele, que voltava preso a esses ideais democráticos. Acreditava numa travessia de eras. Caminhava-se para o novo mas alguns ainda com os pés fincados no lamaçal do período de repressão.

- Abaixo a ditadura – disse imitando os protestos estudantis, que ficavam pulsando.

- É – disse ela sem demonstrar interesse.

Falaram dos engajados na luta e dos considerados doentes:

- Não sou doente, mas solidário na dor.

Ganhou dela um discreto afago nos cabelos.

- Você, Edu, é meu neném – disse Solange num abraço.

Sentia-se, sem disfarce, na mira de Solange,. Nunca dera trela a possível pretensão sua. Achava-a loura sem encanto, mas atirada. Também nunca lhe batera a porta a esses impulsos femininos, De forma que uma janela de encontro informal, sem grudes, estava aberta agora, nesse último dia, aos caprichos de uma menina que voltava para a casa doa pais com os estudos.

- Encorajada!

- Sou mesmo. E nós vamos comemorar tomando uma cerveja rápida no meu apartamento. Topa? - disse e virou o copo de vez,

Já estavam nos abraços e beijos afoitos. Tinha mais que içar as velas. Num movimento brusco, ergueram-se e nem precisou rachar a conta:

- Depois você me paga – gritou uma lourinha vermelha que, pondo o troco na bolsa a tira colo, se atracou no banco traseiro da moto,.

De novo a aventurazinha clichê de filmes, com os abraços acochados  nas curvas, a brisa, a maresia, os coqueirais do Farol da Barra,  até avistarem uma avenida, num prediozinho baixo, decente, ela apontando com o dedo num barulhinho de pulseiras:

- Pronto: é ali. Vamos subindo para o apto 201.

Da sacada via-se a moto estacionada na sarjeta larga, embaixo da marquise. Foi onde teve que, no outro dia, às 5 da manhã, aparar o capacete que esquecera, na pressa de saída, por conta dos pais dela que chegariam do interior para a colação de grau da filha.

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