domingo, 22 de dezembro de 2024

 Inês

 

Inês possuía uns olhos de mel puro e muitas indagações sobre o universo que a cercava.  Magrinha, cabia num abraço roubado, de poucas resistências, até vir de lá, do portão,  um repelão de Alencar.

            - Ei cara, caia fora! – gritava.

- Que eu saiba, ela não é sua filha e nem irmã, rapaz – dizia Ítalo.

            - Veio morar aqui para olhar os pequenos, e minha tia me recomendou – explicava-se Alencar, mal humorado, de ressaca, parceiro de sinuca no bar da rua, onde gastavam algumas horas do dia.

            Discutiam outros assuntos também, depois tomavam o café e iam para o trabalho. Um garro em Inês, a reclamação de Alencar, como se fosse um irmão mais velho de Inês e não um primo, que economizava com babá, e assim corriam os dias.

 Ítalo conheceu na fonte aquele mel no olhar da garota, ainda trilhando passos na satisfação de suas descobertas de adolescência.  Estava consciente de figurar como participante desse processo. Mas ao tempo que pensava nela com carinho, um vacilo o sacudia - medo de gente doida.

- Não fica mexendo com ela não, que é doida. Está boazinha assim depois ó ,,, - agourava Alencar.

            Precisava confiar naquele brilho que harmonizava perfeitamente com sua pele branca. Isso poderia adiantar bastante de Inês, passando pelas duas frutas frescas depois de uma longa caminhada pelos seus cabelos loiros.  Notou de longe, vestida com o uniforme escolar, uma jovem semelhante a Inês, fora de casa, na rua, na escola. Era a vida em seu estado de latência. Não podia deixar escapar esse fervor.

            Nesse relacionamento, de amassos e apertões, chegaram aos beijos, por vezes escapados da mão pesada do primo Alencar,

            - Pare com isso, que Inês é doida e você vai se arrepender - de novo o agouro.

            Criou-se então o chamego. Mas estranheza alguma haveria entre eles num bate-papo apressado ali no barzinho:

            - Olá, como vai, Inês?

Queixou-se de Alencar:

            - É um grosso, ignorante. Falei que vou contar pra minha tia sobre esse abuso dele.

Ítalo viu o momento certo e jogou:

- Vamos lá! A gente fica mais à vontade.

Acabou entrando no carro, como se fosse uma carona. Nunca foi tão simples conquistar uma moça.  Contudo, somente Ítalo tinha conhecimento do preço dos tapas e empurrões que recebeu nas costas durante aqueles dias. Inicialmente, um reconhecimento por ter participado gradativamente na construção da primavera de Inês. E avançava lentamente na colheita, cheirando, mordendo e apreciando as peças:

- Começar pelos olhos, Inês – Ítalo beijou a pérola do olho como se tragasse longamente.

            Depois de alguns instantes, os dois se acomodavam, juntos na cama, brincando sob as cobertas, ela, pequena; a blusa era removida pelas mãos serenas e ágeis do companheiro. Este jogo perdurou por um longo período, até que Ítalo percebeu que precisava recuar e decidiu por si mesmo, deixando para uma próxima oportunidade.

            - Você não quer, Baby...

Certo dia, ela apareceu no seu ambiente de trabalho de forma inusitada: vestida como se estivesse indo a uma vaquejada fora de época, usando uma camisa junina, calça jeans e botas, tangendo algo com um chicote. Antes que a loucura se consumasse, ciente das advertências de Alencar, tratou de atraí-la para o carro e escapar dali. Com mais tranquilidade, porém ainda demonstrando sinais de indignação, ela dizia horrores do seu primo.

Com ela, Ítalo teve um encontro para ser lembrado como algo inacabado. Contudo, depois encontrou Alencar, durante uma partida de sinuca, que mencionou um instante dessa loucura em que ele foi compelido a agir sob protestos "daquela louca".

- E cadê Inês? - quis saber Ìtalo

- A desorientada retornou ontem para casa dos pais – respondeu Alencar.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário