quinta-feira, 10 de julho de 2025

 

Josefina

 

                Ítalo havia se apresentado como um novo professor e, ao se dirigir ao estacionamento para pegar seu carro, foi abordado por alguns alunos que moravam em sua vizinhança. Caronistas com certeza. Trocava de palavras com o mestre também:

                Professor Ítalo, estamos em três.

             - Conheço todo mundo. Fazia tempo que não via essa menina, irmã de Roch, Josefina. Como vai você? Resolveu fazer vestibular?

                - Fora do tempo certo, o professor quer dizer?

                 Não esperando o mestre esboçar desculpas, ela emendou;

                -  É, temos que aproveitar. Ensino bancado pelo Estado, né?

          Foi tudo apressado, eu fiz o concurso e fui logo chamado para um treinamento acelerado e assumir a vaga para essa região. E já estamos em sala de aula, né?

                Recordava-se de Josefina como uma das gatas mais desejadas da cidade. Branquinha, com cabelos pretos adornando um corpo esguio e bumbum bem definido em um jeans azul. Era um fetiche da molecada. Porém, ela era uma das mais reservadas, como se não se importasse com o que acontecia ao seu redor. Muitos chegavam a desistir. Não, Ítalo. Ele era colega de Roch. Tinha mais acesso. Daí o desejo intenso durante esse tempo. Ele foi estudar na capital, enquanto ela, mais velha, foi buscar um casamento em S. Paulo. Em seguida, o retorno de uma mulher divorciada com uma filha pequena. Bem que observou o empenho dela como uma mãe jovem batalhando como pesquisadora durante o censo do IBGE. Estava nessa e agora buscava expandir seus estudos. Era louvável, por enquanto.

                   Estabeleceu-se, então, a prática semanal de recolher esses passageiros. Às vezes, sobrecarregado de trabalho, ele nem se importava em manter o mesmo tom nos diálogos. Ninguém prestava atenção no que ia pela cabeça de gente, mas, sem querer, acabou ouvindo o que falavam de Josefina:

                   - Casou com um cara rico e tudo começou a ruir quando se descobriu que era um fracassado.

                   -  Depois?

                   - Depois, ela veio embora. Ele ainda veio aqui atrás dela com mil e uma promessas, até que eles romperam de vez.

                   Apetitosa, ela sabia da tara que despertava nos meninos da cidade. Não conseguia disfarçar esse traço que lhe era característico:

                   - Bonita, charmosa, mas é uma pessoa vissuneira – dizia dela a esposa que o advertia sobre aquela carona garantida toda semana.

                   Ítalo observou pelo retrovisor o rosto de uma mulher que já desfrutou de luxo, mas agora se encontrava em tentativas vãs. E ele acabava de prestar atenção nela quando a vi subindo as escadas da faculdade, com livros apertados contra o peito, assumindo o papel de uma universitária.

                   Mas no domingo, dia de corrigir redações no jardim enquanto a esposa lavava os dois carros, foi Ítalo chamado a se explicar:

                   - Ítalo, venha ver! – Selmas apontava para o banco traseiro so seu carro, como se indagasse, que explicação ele dava por aquilo.

                   Era um preservativo. Ítalo sacudiu a cabeça:

                   -  É, alguém deixou cair aí.

                  

Cba. 10/07/25

quarta-feira, 9 de julho de 2025


 

Lena

 

Ítalo usava uma camisa listrada e uma calça amarela. Era suficiente. Pronto para um São João, celebração típica do interior. Comentavam sobre o fora que Ítalo levara de Carmem.

- Não, senhor, não levei fora nenhum. Carmem, como todos sabiam, era uma namoradeira, já tinha um histórico de namoros – justificava-se.

Na verdade, não havia uma festa; a cidade era apenas alguns pontos festivos dispersos. Assim, ao lado de uma fogueira distante, decidiu se juntar ao grupo com um violão de aprendiz que o pau lhe havia dado, alternando entre conversas e canções. Logo, viu-se rabiscando no instrumento uma canção nova, tipicamente urbana, soul music, que Cassiano havia popularizado: Sei que você gosta de brincar de amores.

- Essa música é da novela das sete – alguém falou.

- Estou aprendendo agora. Ela é boazinha de levar – disse Ítalo.

                   Amauri, um usineiro da região, desceu do carro que acabara de chegar, acomodou-se ao redor da fogueira e pediu bis. Ítalo não se mostrou indiferente e, todo prestativo, atendeu à solicitação do jovem empresário do algodão. Ítalo gostava de ouvir as suas histórias, de quando estudava em Montes Claros, a cidade grande mais próxima. Naquela época, os estudantes voltavam com algumas tentativas de vestibular registradas no histórico ou com a interrupção dos estudos para auxiliar a família no comércio de algodão. Amauri cumprira essa fase mas carregava muitas  histórias suas, de cachaçadas, mulheres, namoros e paixões.

                   - Eu namorava Leninha de Almeida. Fui para Minas e lá me chegou a notícia de que aqui ela estava dançando com uns rapazes de fora. Botei um disco pra rodar no pensionato durante uma semana, fiquei traçando um conhaque Dreher, só ouvindo “Adeeeeus, ingrata”.

                   Disse Amauri que levou tempo para ele se curar daquela paixão.

                   - Mas o que rolou no meio dessa moçada da minha geração foi que Leninha teria sido a culpada de eu deixar os estudos,  mas não,  pura gozação.

                   Enquanto queimavam paus de fogueira, a conversa sobre a paixão intensa do jovem Amauri se prolongava noite adentro, com um friozinho disfarçado pelo quentão que corria entre mãos.

-                  - Não, não era um namorico não, era namoro mesmo, meu irmão.

                   Pegou o copo que passava de mão em mão e deu um trago, depois retornou:

                   - Toquei tanto a música de Claudio Fontana que foi mesmo um “adeus” à Lena, aquela ingrata.

                   - O que você precisa fazer agora é acompanhar o Ítalo, que perdeu sua namorada para um desses "paulistas". Mas hoje não é "Adeus ingrata"; ele canta essa música que acabou de cantar", brincou Ivo.

                   - Você tem que fazer agora é companhia a Ítalo, que perdeu sua garota para um desses “paulistas”. Só que hoje não é mais “Adeus ingrata”, ele canta é essa música que acabou de cantar – brincou Ivo.

                   Antes de voltar para casa, Ítalo guardou o violão na capa e ficou observando a fogueira por um tempo:

                   - Amauri, você quer saber de uma, nós somos uns vencedores. Ao vencedor as batatas, nós vamos esperar.

                   Ivo, ao redor da fogueira, afastava alguns tições e, de maneira providencial, colocava ali algumas batatas, trazidas pelo apaixonado Amauri.

 

 

 

 

 


segunda-feira, 7 de julho de 2025

 

Lena


Ítalo usava uma camisa listrada e uma calça amarela. Era suficiente. Pronto para um São João, celebração típica do interior. Comentavam sobre o fora que Carmem dera a Ítalo.

- Não, senhor, não levei fora nenhum. Carmem, como todos sabiam, era uma namoradeira, já tinha um histórico de namoros – justificava-se.

Na verdade, não havia uma festa; a cidade era apenas alguns pontos festivos dispersos. Assim, ao lado de uma fogueira distante, decidiu se juntar ao grupo com um violão de aprendiz que o pau lhe havia dado, alternando entre conversas e canções. Logo, viu-se rabiscando no instrumento uma canção nova, tipicamente urbana, soul music, que Cassiano havia popularizado: Sei que você gosta de brincar de amores.

- Essa música é da novela das sete – alguém falou.

- Estou aprendendo agora. Ela é boazinha de levar – disse Ítalo.

                   Amauri, um usineiro da região, desceu do carro que acabara de chegar, acomodou-se ao redor da fogueira e pediu bis. Ítalo não se mostrou indiferente e, todo prestativo, atendeu à solicitação do jovem empresário do algodão. Ítalo gostava de ouvir as suas histórias, de quando estudava em Montes Claros, a cidade grande mais próxima. Naquela época, os estudantes voltavam com algumas tentativas de vestibular registradas no histórico ou com a interrupção dos estudos para auxiliar a família no comércio de algodão. Amauri cumprira essa fase mas carregava muitas  histórias suas, de cachaçadas, mulheres, namoros e paixões.

                   - Eu namorava Leninha de Almeida. Fui para Minas e lá me chegou a notícia de que aqui ela estava dançando com uns rapazes de fora. Botei um disco pra rodar no pensionato durante uma semana, fiquei traçando um conhaque Dreher, só ouvindo “Adeeeeus, ingrata”.

                   Disse Amauri que levou tempo para ele se curar daquela paixão.

                   - Mas o que rolou no meio dessa moçada da minha geração foi que Leninha teria sido a culpada de eu deixar os estudos,  mas não,  pura gozação.

                   Enquanto queimavam paus de fogueira, a conversa sobre a paixão intensa do jovem Amauri se prolongava noite adentro, com um friozinho disfarçado pelo quentão que corria entre mãos.

-                  - Não, não era um namorico não, era namoro mesmo, meu irmão.

                   Pegou o copo que passava de mão em mão e deu um trago, depois retornou:

                   - Toquei tanto a música de Claudio Fontana que foi mesmo um “adeus” à Lena, aquela ingrata.

                   - Você tem que fazer agora é companhia a Ítalo, que perdeu sua garota para um desses “paulistas”. Só que hoje não é mais “Adeus ingrata”, ele canta é essa música que acabou de cantar – brincou Ivo.

                 Antes de se retirar para casa, Ítalo colocou o violão na capa, olhando demoradamente para a fogueira:

                   - Amauri, você quer saber de uma, nós somos uns vencedores. E ao vencedor as batatas, que eu vou esperar.

                   Ao redor da fogueira, Ivo afastava uns tições e de forma providencial introduzia ali umas batatas, trazidas pelas mãos do apaixonado Amauri.