sábado, 23 de fevereiro de 2013

Buda e Fernando Pessoa na Poética do Artista Popular Waldick Soriano



Buda e Fernando Pessoa
na Poética do Artista Popular Waldick Soriano

1.
Deu-se que lá no céu
Que não tem televisão
Tampouco rádio e jornal
Lá não tem tal precisão
Chegou Waldick Soriano
Já chegou assobiando
E foi por convocação.

            (...)
13.
Nisso chegou um maluco
Que ali não se distinguia
Era o ídolo Raul Seixas
Um roqueiro da Bahia
Alegre e fortalecido
Com um cara  conhecido
Luiz Gonzaga em parceria

(Cordel “A vez que Waldick Soriano foi chamado ao céu e por lá ficou” - NGP)

O cantor e compositor Waldick Soriano tem na poética das suas canções populares um pouco de Buda e do poeta português Fernando Pessoa. Que ele até não tenha lido textos sobre um e outro, mas as suas canções, que têm como temática um sentimento universal, trazem de forma clara esse registro também dos referidos mestres.

Melhor que se comece por falar de Fernando Pessoa, invertendo assim a ordem. É que o poeta português lembra nos seus versos que todas cartas de amor são ridículas e não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. Esse ridículo, como sabemos, é de forma tal e não de outra, pois que o amor é assim, de simplicidade, como são nos versos de Manuel Bandeira, nos poemas “Porquinho da Índia” e “Estrela da Manhã”, aqui citados mais à mão.

Waldick Soriano vai que também não leu Bandeira, mas na arte, na poesia, não existe fronteira e nem limite, e o que há de brotar brota como a flor no asfalto no dizer do poema de Carlos Drummond de Andrade.  Ele, Waldick Soriano, é um intuitivo de inspiração popular, por isso é que foi de muita aceitação, do gosto do homem médio, da massa, e, ainda que torcendo o nariz, da elite cultural, a ponto de, no final de sua carreira, encontrar o apoio da atriz global e produtora Patrícia Pillar, que das suas canções gostava desde criança, quando curtia o radinho de pilha da sua babá, e teve a boa idéia de fazer um documentário sobre o artista de nossa região (Caetité-BA), que se tornou famosa, primeiramente na área de educação, com  Anísio Teixeira, e depois com o artista Waldick Soriano.

A propósito, vale anotar que a formação do artista, com relação à sua terra (e isso aqui devia ser entre parênteses), essa discriminação da elite (“o homem da cidade”) com o homem do campo (Waldick era do povoado de Brejinho das Ametistas), isso naqueles anos cinqüenta, não deixou de sofrer essa influência, tal como falam da irradiação da terra do urânio.

Assim é que, por exemplo, na canção “O Moço Pobre”, a primeira do DVD-CD produzido por Patrícia Pillar, encontramos esse sentimento de se livrar da dor eliminando o desejo, como no poema de Fernando Pessoa, que trilha o ensinamento de Buda, segundo o qual quem quer pouco terá tudo e quem quer nada será livre:

“Um moço pobre como eu
Não deve amar
E nem tampouco alimentar
Sonhos de amor”

Sabe-se que Waldick, quando jovem, ainda em Caetité, teve uma paquera com uma moça de família e não pôde passar desse lance, por ser amor considerado à época impossível.

As suas canções giram sempre em torno desse tema, com palavras simples, como dita o sentimento da gente.

Lembro-me de que em 1999, quando ele esteve conosco em Guanambi, eu perguntei o porquê de ele ter utilizado na canção verso como “eu não sou cachorro não”, por sinal um bolero muito bonito, e ele me respondeu:

- A gente não costuma dizer, em certas ocasiões, “eu não sou cachorro não”? Pois minha música representa o sentimento comum, do povo, daí...

Lembro-me agora de que Roberto Carlos disparou em sua carreira com a canção ao gosto da juventude dos anos sessenta dizendo “Quero que vá tudo pro inferno”, uma coisa diferente em música até então. Erasmo Carlos, o Tremendão, numa entrevista, disse que na época era chocante utilizar certas palavras nas canções, como ele e Roberto Carlos fizeram naquela que tem o verso “sua estupidez não lhe deixa ver que eu te amo”.  

É isso: o sucesso desses artistas, de comunicação fácil com o povo, não veio por acaso.

Falei do radinho de pilha da babá de Patrícia Pillar e recordei que quando criança, enquanto começava a dormir, ouvia minha mãe, de bonita voz, cantando “volta, fica comigo só mais uma noite”. 

Esse menino nem sonhava que um dia ira conhecer o autor da música e com ele tomar cachaça, prosear e cantar. (Waldick, meu irmão, você foi mais que um guerreiro e deixou a sua marca).

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