Gustavo
tinha uma calça Lee, camisa branca
por fora, um par de tênis, num jeito seu, e toda a vida pela frente. Vinha como
o frescor da manhã, sol tênue, outono se avizinhando. Seus cabelos inda úmidos
do banho, mas soltos, no mesmo ritmo dos passos, descompromissados com o
tempo. Não havia o tempo. O momento fluía como a água que passa
ininterruptamente sobre o mesmo ponto. Sob a maciez dos seus pés, o mundo
inteiro era uma conquista que se faria passo a passo. Vislumbrava um universo
que se lhe abria feito a mulher dos sonhos, pernas e seios, no ato do amor. Só
restava aguardar a realização desse desejo.
Vendo-o
em arrumação para sair, a mãe indagava:
-
Para onde vai, Gustavo?
A
resposta, sempre num largo sorriso, era a mesma:
-
Vou existir.
Assim
dizia por dizer. Brincadeira. Existência era realização. Algo distante,
portanto. E não era chegado o momento.
O
ar era puro cheiro de fruta e de café forte invadindo a manhã. Sentia a prenhez
das coisas ao simples contato. E a canção se eternizava na vibração dos seus
dezessete anos.
-
Eu te amo – murmurou entre suspiros a primeira namorada de carinhos mais
ousados. – Vamos nos casar, meu bem?
-
Gu!
-
Vamos?
-
E nossos pais?!
-
Vamos fugir? – a mão em chamas sobre os seios.
O
amor. Ah, o amor... O futebol, o estudo, a poesia, toda uma existência, uma
estrada onde pôr os pés e deixar as marcas das realizações.
Por
isso, prenhe de vida, como a bola prestes a estufar a rede em grito de gol, Gustavo
não pôde ainda compreender como tudo agora pareceu ter se conduzido num
processo letárgico. Estivera no ar, com transmissão ao vivo, via satélite, para
todo o universo. Não fizera os gols. Etapa complementar, não percebera que a
vida terrena não comporta rascunho, que tudo é redação definitiva.
Com estalo dessa
descoberta, Gustavo – paletó e gravata – deu partida no automóvel. Era uma
manhã de junho, árvores se agitando. Pelo retrovisor viu de relance a sua
imagem na do filho, calça jeans,
camisa branca, par de tênis, num jeito seu, que deixara diante do portão da escola.
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