domingo, 10 de fevereiro de 2013

O Maior Juiz de Futebol do Mundo



O Maior Juiz de Futebol do Mundo

Para João da Bomba e Lu

Dão de Gô. Arnaldo César Coelho era peba se comparados os dois. Podia ganhar dele como comentarista de TV e olhe lá, que Dão de Gô, bom de prosa, sabia também tecer seus comentários. Talvez não tivesse ele chegado a tanto, naquele tempo, porque sua área de exercer o ofício tardio de arbitragem era adstrito à nossa região, Candiba, Mutans, Ceraíma e etc.

Digo tardio porque Dão de Gô, na verdade, era jogador da seleção Candibense de futebol e pendurara as chuteiras para trabalhar com Zu de Propércio na lavoura do algodão lá no Vale do Iuiu, naquela febre do algodão. Retornou depois a Candiba indenizado com um caminhãozinho três quartos, fora uma casa que recebera em Carinhanha, que ele bebeu tudo de cachaça.

Na casa da mãe em Candiba, passou a pegar fretes. Quando o nosso time ia jogar e a gente tinha que arrumar transporte coletivo, alguém, relembrando os tempos de glória de Dão como jogador, teve a brilhante idéia:

- Oxente, por que a gente não freta o carro de Dão. Além de uma ajuda, que ele tá precisando, serve também como um apoio ao time.
               
Daí é que surgiu o maior juiz de futebol do mundo, não reconhecido pela FIFA, infelizmente. No transporte, no entanto, havia algumas deficiências, que se relevavam. Por exemplo: atraso por causa de pneus furados nas estradas. Um dia pude observar, numa das viagens, que o carro de Dão de Go só de socorro tinha quatro pneus na carroçaria. Todos carecas. Vida que segue.

Possuía estilo próprio. Nunca utilizou, por exemplo, cartões nem amarelo nem vermelho. Quando ele expulsava um jogador, geralmente do time contra Candiba, se o cara não saísse espontaneamente, o que era mais comum diante de sua ordem, saía arrastado ou aos tapas até a lateral do campo.

Outra. Pênalti contra Candiba ele media meticulosamente onze passos que fazia lembrar o atleta João do Pulo. Pênalti a favor de Candiba também eram onze mas não passos e sim pés, praticamente.

Um time deve ter certa estratégia, o que faltou ao Santos em disputa internacional. Tivesse levado o negro Dão como juiz aqueles gols seriam todos anulados por impedimento e a disputa iria para os pênaltis.
               
Uma vez a bola saiu pela lateral e houve aquele empurra-empurra para o arremesso.

- Seu juiz, – gritou o jogador de Mutans – de quem é o lateral?   

Sem pestanejar, com pose de imparcialidade, como deve ter todo árbitro, respondeu Dão:

- Do time nosso.

De outra, jogando contra um time de um bairro de Guanambi, o adversário fez o gol com menos de um minuto de jogo. Dão apitou forte anulando o gol e não tinha sido impedimento nem nada porque a bola foi chutada de longe. Mas aí, quando os jogadores correram para cima dele o argumento já estava pronto e ninguém podia contestar Dão:

- Aqui pra nós, gol com menos de um minuto não vale.

Certa feita o presidente do Corintinhas, Vicente Mateus, em entrevista, disse que o jogo só termina quando acaba. No caso de Dão de Gô, o melhor juiz de futebol que conheci em toda minha vida, o jogo só terminava quando pelo menos o time de Candiba empatasse.

Mas como ninguém é perfeito, ele teve uma falha, de que me lembre.

Mutans ganhava de nosso time por um a zero; o tempo já esgotado e escurecendo. Quando eu fui fazer um arremesso lateral ele se aproximou com seus passinhos curtos e me falou baixinho:

- Veja se você pega uma bola, porra, perto da área e cai que eu dou pênalti.

Não deu outra. Combinei com o pessoal que jogava no meio. Recebi uma bola e entrei na grande área. O zagueiro me tomou a bola com precisão de um cirurgião, como se fosse com a pinça de Ivo Pitanguy, mas fiz uma firula e caí massageando a perna direita.

Priiiiiiiiiiiiiiiiiiii – apito de Dão de Gô. O time adversário, que a todo tempo dizia que o tempo já tinha se esgotado, entendeu como falta minha por simulação de penalidade.

Dão só fez colocar a bola debaixo do braço, contar a partir da meta os onze passos, ou melhor, pés e ajeitá-la para ser cobrado o pênalti, diante do protesto inútil dos jogadores de Mutans.

- Deixa Serjão bater, cara – um torcedor gritava na margem do campo.

- Não, quem bate sou eu que recebi a falta – segurei a pelota e dei um empurrão em Serjão.

Caminhei para a bola na certeza de fazer o gol e empatar logo o jogo, pois que já estava quase noite. Mas o sacana do goleiro abriu os braços e chocalhou pora um lado e outro. Eu pensei: aí é só fechar o olho e bater um tiro. Resultado: bola no travessão.

Priiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii – final de jogo.

Corri atrás de Dão:

- Porra, Dão, você encerrou o jogo.

- Ô porra, mais de quinze minutos além do tempo, esse pessoal quase me matando por isso, dou um pênalti que não existiu e você vai e desperdiça...

Dão de Gô, como eu disse, como juiz de futebol, só teve essa falha.


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