sábado, 29 de novembro de 2025

 

 

Cláudia

 

- Medo da vida – disse Cláudia, soprando a fumaça do cigarro, que se afastava até desaparecer na vastidão, além da janela do quarto.

         E suas palavras ressoavam como o golpe de um martelo de leiloeiro, no que fez Ítalo, com quem ela se aventurava por vezes, perguntar:

- Pra valer?

Claudia continuava com uma expressão séria. Ele a entendia e a acompanhava em silêncio diante da martelada.  Mas não compreendia o motivo desse medo. Ela deu outra tragada longa no cigarro e, dando de ombros, falou de forma emocionada, rendendo-se:

- Eles não permitem...

- Eles quem? - questionou, apenas por questionar, já que tinha consciência de que ela estava falando dos pais.

Não. Não se tratava propriamente de medo dos pais, pois Cláudia já havia demonstrado outros sinais semelhantes. Como quando ela, descaradamente, contou uma mentira para os velhos e tudo acabou bem. Uma catástrofe foi evitada. O tempo se encarregava de enterrar os últimos sobreviventes que ainda restavam. E, página virada, a vida continuou. Dia seguinte, da padaria viria o cheiro normal de chocolate e os meninos passariam a caminho da escola. De outra feita, um dia ela chegou e, vendo Italo entusiasmado, brincando com um tratorzinho de mulungu, pneus de sandália havaiana e com lâmina de folha de lata de óleo, logo fez reclamação:

- Ué, cadê o aviãozinho que você brincava? Que seu pai lhe deu de presente?

- Fiz rolo com Zezito.

Ela nem pestanejou e correu alcançando Zezito na ladeira. Derrubou o menino do carro-de-bois, que era primo, de uma sacudida pela gola da camisa e tomou o aviãozinho de folha de flandres, com a palavra cruzeiro nas duas laterais:

- Passando o menino pra trás, seu merdinha!

Ítalo estava aproveitando a novidade do presente, pensando até que tinha marretado Zezito. Agora, com essa questão de ter que abrir mão do negócio. Se deixassem, ela embolaria com Zezito na porrada.  Mas ele, além de ser homem, tinha receio de se atracar com a prima. Ítalo também não gostava de como a vizinha a tratava:

- Isso é coisa daquela “Machadão”.

Não entendia esse comportamento entre elas, em que uma trazia a outra como refém.

- É que ela me apanhou fumando e, qualquer coisa, ela conta pro pai – justificou a garota mais retada dos arredores dali.

- Um dia eu ainda pego ela na reta, e ela sabe que pego mesmo – desabafava Cláudia.

Então fez a pergunta:

- De que você tem medo mesmo, hein, Cláudia?

- Saber que eu fumo, eu morro de vergonha só de imaginar!

 


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