Cláudia
- Medo da vida –
disse Cláudia, soprando a fumaça do cigarro, que se afastava até desaparecer na
vastidão, além da janela do quarto.
E suas
palavras ressoavam como o golpe de um martelo de leiloeiro, no que fez Ítalo, com
quem ela se aventurava por vezes, perguntar:
- Pra valer?
Claudia
continuava com uma expressão séria. Ele a entendia e a acompanhava em silêncio
diante da martelada. Mas não compreendia
o motivo desse medo. Ela deu outra tragada longa no cigarro e, dando de ombros,
falou de forma emocionada, rendendo-se:
- Eles não
permitem...
- Eles quem? -
questionou, apenas por questionar, já que tinha consciência de que ela estava
falando dos pais.
Não. Não se
tratava propriamente de medo dos pais, pois Cláudia já havia demonstrado outros sinais
semelhantes. Como quando ela, descaradamente, contou uma mentira para os velhos
e tudo acabou bem. Uma catástrofe foi evitada. O tempo se encarregava de
enterrar os últimos sobreviventes que ainda restavam. E, página virada, a vida
continuou. Dia seguinte, da padaria viria o cheiro normal de chocolate e os
meninos passariam a caminho da escola. De outra feita, um dia ela chegou e,
vendo Italo entusiasmado, brincando com um tratorzinho de mulungu, pneus de
sandália havaiana e com lâmina de folha de lata de óleo, logo fez reclamação:
- Ué, cadê o
aviãozinho que você brincava? Que seu pai lhe deu de presente?
- Fiz rolo com
Zezito.
Ela nem
pestanejou e correu alcançando Zezito na ladeira. Derrubou o menino do carro-de-bois,
que era primo, de uma sacudida pela gola da camisa e tomou o aviãozinho de
folha de flandres, com a palavra cruzeiro nas duas laterais:
- Passando o
menino pra trás, seu merdinha!
Ítalo estava
aproveitando a novidade do presente, pensando até que tinha marretado Zezito.
Agora, com essa questão de ter que abrir mão do negócio. Se deixassem, ela
embolaria com Zezito na porrada. Mas
ele, além de ser homem, tinha receio de se atracar com a prima. Ítalo também
não gostava de como a vizinha a tratava:
- Isso é coisa
daquela “Machadão”.
Não entendia
esse comportamento entre elas, em que uma trazia a outra como refém.
- É que ela me
apanhou fumando e, qualquer coisa, ela conta pro pai – justificou a garota mais
retada dos arredores dali.
- Um dia eu
ainda pego ela na reta, e ela sabe que pego mesmo – desabafava Cláudia.
Então fez a
pergunta:
- De que você
tem medo mesmo, hein, Cláudia?
- Saber que eu
fumo, eu morro de vergonha só de imaginar!
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