Célia
As suas mãos deslizaram
sob a mesa e se deram como dois objetos ajustados. Célia se encontrava em uma situação de carência.
Às vezes, era vista com certos trejeitos de uma dependente alcoólica. Mas era fase inicial, que seria corrigida a
tempo. O reencontro com Ítalo, que antes tinha namorado sua irmã, proporcionava
um alívio.
- Hoje ela está casada
e com filhos rapazes; é uma dona de casa. Mas disse que o lance que vocês tiveram antes, coisa de adolescente,
valeu a pena – Célia informou sobre a irmã.
Falavam, embevecidos, das
vantagens de São Paulo., quando Ítalo, companheiro de cerveja, aproveitou para ilustrar
com uma lembrança de trecho inicial da canção de Caetano:
- Alguma coisa acontece com meu coração
Embalado por cervejas,
o diálogo se estendia noite adentro. Retornara à sua terra natal com seus dois
filhos em uma viagem de lazer:
- Pra refrescar mais a
cabeça após a separação.
Ítalo assuntava, mas
insistia em inserir trechos de Caetano Veloso:
- Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto.
Célia prestava contas
do tempo que passou fora, em São Paulo:
-
Não precisa dizer da decepção, mas era tarde. Então é isso, resolvi vir aqui
para depois retomar erguida, de banho tomado.
- E
foste um difícil começo, afasto o que não conheço.
Após
um carinho do parceiro, justificou:
- Visitar minha vó
e encontrar amigos, como vocês.
Ítalou a envolveu em seus
braços e lhe deu um beijo de agradecimento. Tornou-se algo inato. Nem a dona do
bar notou qualquer irregularidade. Na realidade, não havia nada além de
saudações de reencontro com amigos. O resto era o ambiente que os unia. Célia
era uma jovem, evidenciada pelo seu corpo ainda magro e rosto com marcas de
tropeços iniciais. A fumaça dos cigarros se dissipava no seu olhar distante e por
ora cheio de esperança.
- ... aprende depressa a chamar-te de realidade,
porque és o avesso do avesso do avesso...
- Vamos até a casa da
velha – falou como se pedisse auxílio.
E precisava de um
apoio.
- E ele paga pensão
regularmente?
- Não posso reclamar;
mas a questão não é essa.
Ítalo optou por não
fazer mais questionamentos. Algumas mulheres costumam enveredar-se por
explicações oblíquas. Com um abraço, seguiram como um par. Eles iriam até o fim
do universo, mas era bem perto. A ansiedade era a alegria que sentia em relação
à avó e aos dois filhos. Chegou com alguma determinação e recordou-se do
remédio da sua avó idosa. Dirigiu-se ao quarto dos garotos para dar um beijo de
despedida.
- Beijo da mãe,
crianças - ela se curvou diante deles em seus respectivos leitos, sussurrando
em um ambiente quase escuro, mas com a intenção de ser divertida. – É minha vida
agora.
Viu Célia esconder uma
lágrima fora da casa. Ítalo estava bebendo, mas não conseguia se afastar da
companhia dela. Com poucos movimentos, seus gestos se comunicavam. Como por
exemplo, um pegar o cigarro e o outro o fósforo. Por essa razão, cada esquina
era um ponto de encontro para abraços e beijos.
Não tinha conhecimento de uma Célia assim.
- Claro, você só tinha
olhos para a mais velha de nós, que realmente era um estouro.
- Você era garotinha –
disse para um simples consolo.
- Veja no que deu –
falou como se tivesse um fardo para carregar, mas sem perder o encanto.
- Você é forte, Célia.
- É, sou.
E era mesmo. Iria
voltar para S. Paulo uma nova mulher pronta. Ítalo, após afagos, cantarolou
verso final de Sampa:
- E os novos baianos passeiam na tua garoa...
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