terça-feira, 14 de janeiro de 2025

 

Eliene

 

                       Por um tempo, Eliene serviu como galho, com certa regularidade, do tipo “cadeira cativa”, "papai-mamãe", dinheiro contado e a tranquilidade necessária para o exercício diário de quem estava começando na vida. Quis reviver essa vidinha tão conhecida de todos. Aliás, Ítalo sempre teve queda para a vida prosaica.

                            Depois da universidade, pelo menos uma vez por mês, ele deixava ali parte do seu salário. Sempre que se aproximava da casa, alguém num misto de vigilante e frequentador encontrava-se a entrada. Voltar seria de  melhor política. Ou ignorar? Corria-se o risco. Quando se cuidava de uma decisão, já estava lá dentro, com algumas doses a mais, esperando numa saleta. Depois, alívio com a entrada dela, cheirosinha, bonitinha ao seu modo, num leito na semiescuridão. Retirava a roupa dela. Segurava-a e a tocava (sua pele quente!), uma gruta como recompensa descoberta no final. Era quando ainda tinha a agilidade de um rapaz de trinta anos. Com um vestido novo e um penteado básico, Eliene deveria estar perto disso. Mas não estava interessado nesses pormenores. Parecia uma máquina de música, cuja duração dependia de ficha.

                             Que máquina! Agora sem novidades, mas uma mulher vivida. Nem ela estava mais agarrada a esse improviso nem ele andava mais atrás. Também não era mais aquele professor iniciante de aula preparada a contento. ”São outros os tempos, Ítalo”, gritou dentro de si, então pediu uma cerveja, que ela mesma fez questão de trazer e fazer-lhe companhia.

                  - Pra frente é que se anda, cara! – concluiu Ítalo.

                  - É, não vamos mais falar de passado – ela emendou na conversa.

                  - Você evoluiu, Eliene; agora é uma empresaria, tem seu estabelecimento, dirige os negócios...  – disse Ítalo.

                  - É, também não deixei de esperar por certa pessoa às sextas-feiras à noite – disse com piscada de olho.

              - Imagine – falou Ítalo, depositando um beijo no pescoço dela, que se agachou delicadamente.

                  - Naquele tempo eu vinha e entrava com medo.

                  - Medo de que?

                  - Sei lá, eu era novo, entrava na vida, tinha que ter minhas cautelas.

                  - Eu também era nova, uai, e garota. Acha que não tinha medo?

                   - Medo, por exemplo, de um cara que ficava sempre na calçada, de bico.

                  - Um morenão forte?

                  - Era. Um dia eu cheguei, encarei, e ele me disse pra esperar um minutinho... aí gelei...

- Ôxe, por quê?

- Aí, acho que ele percebeu, então ele disse que você estava terminando de se aprontar, que entrasse e me sentasse, dava tempo até de fumar um cigarro ou tomar uma. E eu tinha medo dele, achei que fosse um namorado seu.

                  - Ah, não, era sim um fã meu, tornou-se compadre, mas andava sempre por ali, me dava certa proteção.

                  Ergueu-se da mesa e foi buscar um álbum de fotografia:

                  - É esse? – pôs o dedo num retrato de um cara com um menino nos braços.

                  Era o cara.  O som que parecia encobrir o ambiente era A volta, uma canção de Roberto Carlos, em nova versão. Ítalo percebeu surgir dessa conversa um sopro de nostalgia e acabou convidando a empresária para o seu quarto. Prestaria uma homenagem em agradecimento pelos momentos de aprendizado de vida que compartilharam juntos.

 

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