Irmã espremida
Ítalo, em suas “escarafunchações” de
pré-adolescente, descobria agora que Zé Calango tinha uma irmã espremida.
Tinha pena dela. Viver no meio daquela homaiada!
-
Não é fácil não – dizia Ítalo, após ele próprio falar da sua estupefação.
- É aquela menina que vive lá para
dentro, Ítalo? lembrava Rock . - Eu já reparei mesmo.
- Que eu saiba, ela é a mulher da
casa. Zé é órfão. Ela, tão mocinha, é quem ajuda o velho a cuidar da casa.
- Mas o que você acha mesmo estranho?
- Isso: só ela de mulher naquele ermo. Nenhuma
amiguinha, pra contar suas histórias, rir, brincar de cantiga de roda, chorar...
essas coisas de menina...
- Na escola tem, ué?
- E ela tem os olhos verdes que nem
Zé.
A garotinha vivia espremida entre os
dois irmãos pequenos de Zé Calango e Luiz. Que escola? Uma horinha da manhã num
prédio erguido na ponta da rua, longe do campo, que nem dava para esquentar
lugar quanto mais...
- Pergunte você, que Zé Calango é
cismado.
- Com que?
- Esse negócio de família... sei
não.
- Comigo ele se abre, é amigo, por
que não?
E abria mesmo, Zé era piadista,
contador de histórias e até bonzinho de bola. Mas daí a contar intimidades
assim...
- Sei não... – completava seu
raciocínio.
- Você já notou que a gente chega lá
pra beber água, no intervalo do jogo, e ela fica de espreita na porta da
cozinha?
- É porque ela é sozinha e o pai
está servindo a água pra meninada, que vem do campo de jogo de bola.
- Sei não – era o que Ítalo sabia
dizer.
Na única residência próxima ao
campo, em meio a uma seca periódica, o velho pai de Zé Calango precisava retirar
água da cisterna para matar a sede dos jovens atletas. Também não era culpa
deles residirem naquele local isolado, isolado. Ítalo sentia-se perturbado pela
vida que a jovem levava mas nada podia fazer para mudá-la. Nem discutir o assunto com o irmão, tão
comunicativo com a turma.
- É,
Rock tem razão, nesse negócio de família... – pensou Ítalo.
- Eu já sei porque você pensa nela,
cara. Se Zé sonhar que você demonstra interesse na irmã dele...
Foi preciso dar um esporro em Rock
para que o diálogo terminasse ali mesmo. Que olhos verdes nada, ele observava
aqueles olhos melancólicos, sem alegria, apesar do brilho juvenil, sempre que
ia lá para beber água. Sem a presença paterna, ninguém conseguia retirar água
da cacimba. Portanto, no dia em que deu a louca e bateu à porta, ela não
apareceu. Ao ouvir o "não" dos dois irmãos mais novos, na porteira da
chacarazinha, ela se deixou levar por um movimento interior. Foi a última vez que observou a garota “espremida”.
Em seguida, veio a triste notícia do falecimento daquela "irmãzinha de Zé
Calango".
Nenhum comentário:
Postar um comentário