quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

 

Irmã espremida

 

            Ítalo, em suas “escarafunchações” de pré-adolescente, descobria agora que Zé Calango tinha uma irmã espremida. Tinha pena dela. Viver no meio daquela homaiada!

                        - Não é fácil não – dizia Ítalo, após ele próprio falar da sua estupefação.

            - É aquela menina que vive lá para dentro, Ítalo? lembrava Rock . - Eu já reparei mesmo.

            - Que eu saiba, ela é a mulher da casa. Zé é órfão. Ela, tão mocinha, é quem ajuda o velho a cuidar da casa.

            - Mas o que você acha mesmo estranho?

            - Isso: só ela de mulher naquele ermo. Nenhuma amiguinha, pra contar suas histórias, rir, brincar de cantiga de roda, chorar... essas coisas de menina...

            - Na escola tem, ué?

            - E ela tem os olhos verdes que nem Zé.

            A garotinha vivia espremida entre os dois irmãos pequenos de Zé Calango e Luiz. Que escola? Uma horinha da manhã num prédio erguido na ponta da rua, longe do campo, que nem dava para esquentar lugar quanto mais...

            - Pergunte você, que Zé Calango é cismado.

            - Com que?

            - Esse negócio de família... sei não.

            - Comigo ele se abre, é amigo, por que não?

            E abria mesmo, Zé era piadista, contador de histórias e até bonzinho de bola. Mas daí a contar intimidades assim...

            - Sei não... – completava seu raciocínio.

            - Você já notou que a gente chega lá pra beber água, no intervalo do jogo, e ela fica de espreita na porta da cozinha?

            - É porque ela é sozinha e o pai está servindo a água pra meninada, que vem do campo de jogo de bola.

            - Sei não – era o que Ítalo sabia dizer.

            Na única residência próxima ao campo, em meio a uma seca periódica, o velho pai de Zé Calango precisava retirar água da cisterna para matar a sede dos jovens atletas. Também não era culpa deles residirem naquele local isolado, isolado. Ítalo sentia-se perturbado pela vida que a jovem levava mas nada podia fazer para mudá-la.  Nem discutir o assunto com o irmão, tão comunicativo com a turma.

            - É,  Rock tem razão, nesse negócio de família... – pensou Ítalo.   

            - Eu já sei porque você pensa nela, cara. Se Zé sonhar que você demonstra interesse na irmã dele...

            Foi preciso dar um esporro em Rock para que o diálogo terminasse ali mesmo. Que olhos verdes nada, ele observava aqueles olhos melancólicos, sem alegria, apesar do brilho juvenil, sempre que ia lá para beber água. Sem a presença paterna, ninguém conseguia retirar água da cacimba. Portanto, no dia em que deu a louca e bateu à porta, ela não apareceu. Ao ouvir o "não" dos dois irmãos mais novos, na porteira da chacarazinha, ela se deixou levar por um movimento interior.  Foi a última vez que observou a garota “espremida”. Em seguida, veio a triste notícia do falecimento daquela "irmãzinha de Zé Calango".

           

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