quarta-feira, 23 de abril de 2025

 

Val

                       

                        Não se lembrava bem se chegou a paquerar Val ou não, foi um rio que passou em sua vida apenas. Ela era uma colega de disciplina,  garota de cabelos arranjados, discretamente, à moda afro. De traços finos.  Leveza no trato. Esse o detalhe. Conheceram-se num trabalho de grupo.

                   Eles se acomodavam na cantina para realizar o trabalho, enquanto Ítalo observava o jeito delicado de Val e a atenção que ela recebia. Referiam-se a uma festa na faculdade vizinha de Administração naquela noite. Andava muito com Alexandre, que corria adiante para reservar a carteira de dupla:

                   - É nossa, Val – gritava sentando-se, as mãos ocupadas com dois acarajés.

                   - Ué,  pensei que um fosse pra Val –estranhou Ítalo.

                   Ele acionou as duas tochas dos olhos e se explicou:

                   - Não, meu filho. Dá a idéia, né? Mas são pra mim mesmo. Eu como os dois, nesse horário. Eu adoro – disse recolhendo suas tochas de fogo.

                   - Por volta das oito da noite. Ítalo,  você, que tem moto, passa pra pegar Val, que a gente se encontra no portão da escola, tá ok? – explicação de Alexandre.

                   - Sua palavra é uma boa ordem, Lixa – disse Ítalo dando tapinha no ombro do mancebo.

         Val, de sorriso em esboço, cuidava das anotações no caderno:  

         - Vamos ver aqui os tópicos que couberam a cada um.

         Ítalo pediu a Val que anotasse o tópico no seu caderno.

         - Não quer que ela faça também não? -  Alexandre perguntou. - E o pior é que pra você ela faz mesmo, né, Val? Ui, ficou com o rosto vermelho, cara.

         Com certeza percebeu a vermelhidão. Ítalo antevia uma delícia de namoro com Val, delicadíssima em suas atitudes. Ponto para Alexandre. Ele captava o lance que estava havendo entre eles.  Uma relação distinta da deles, que se assemelhava à de irmãos, que só andavam encabados, não fosse a diferença de cor da pele, ele branco e ela mais escura. Era apreciável vê-los assim.  Ítalo disse isso a eles.

         - Val, somos irmãos desde o colégio, certo? E fomos aprovados no mesmo exame. Assim, Ítalo, você pode contar com o suporte da família.

         Val precisava ir à biblioteca consultar um livro. Val caminhava pela área de recreação rumo às escadas quando recebeu o abraço de Ítalo:

         - Pego uma carona com você, querida – gritou Ítalo.

         De jeito, acidentalmente, estava atraído pelo perfume que vinha do penteado da garota, quando não se conteve e a puxou para um beijo, como que para selar a paquera,

         Mas, “daí a pouco”, pensou com seus botões,  “nessa esteira de raciocínio, Lixa estaria oferecendo a ele a mão da colega em casamento”. E isso foi como uma sacudida, lembrou-se de que ele já era noivo e o noivado, numa expectativa de direito, obedecia a rituais que ele somente  agora tomava conhecimento. Val era por demais gente fina. E Italo não podia agir como um imaturo.

                  Por isso, não sabe dizer de Val, senão da doce recordação de momento, sem, inclusive, precisar estar presente na festinha ali no campus.

 

 

 

sexta-feira, 18 de abril de 2025

 Darlene

 

O que soasse de algo diferente entrava no âmbito da sua simpatia e fazia reacender a luzinha de interesse adolescente. Por isso que daquele grupinho de meninas que se arrumou lá na frente, só uma lhe chamava a atenção.

- Mudou de lugar agora, é? Quer ver também as garotas? – indagava Wilson.

E lhe apontavam uma e outra da turminha. Que não guardava o mínimo de encanto.

- Já lhe mostrei todas e você nada, cara. Olhe aquela branquinha de camiseta amarela! – insistia Wilson.

Era, sem sombra de duvida, do tipo “garota do momento” mas...

- Então, qual é ... deixe-me ver... das outras duas?

Poxa, nem para incluí-la se eram quatro o grupo! – pensou Ítalo. Com muita peleja se tocaria o colega:

- Fora daí, só lhe restava então a gordinha Darlene.

- Ela se chama Darlene. Que nome bonito, de artista! – Ítalo disse com entusiasno.

De nada adiantava argumento contrário. Ficava mais fascinante até, achava. E numa turma de alunos de cursinho não faltava quem. A essa galera parecia que, ao descobrir essa preferência sua, reacendia neles essa campanha de torcida contra. 

- Você tem que ficar com uma daquelas. Me diga o que você viu nessa gordinha Darlene, cara? – era Wilson.

- Vi alguém de minha simpatia; as outras, as bonitinhas, não.

Aproveitando que Wilson estava com cara de “Ah, é, é?”, Ítalo emendava:

- Interessante que quando eu olho para ela, as bonitinhas, próximas, se acotovelam disputando, e ela vai ficando para trás com meu olhar em busca.

- E aí, como é que ela sabe que é dirigido a ela, cara?

- No começo, ela, simplesinha, recuava e dava vez para as colegas. Educada, não é?

- É, mas nesse caso, sei não... Como se reconhecesse seu lugar de fora da jogada?

- Justamente. Mas agora, ela já entende que meu olhar é dirigido a ela mesmo. Outro dia que joguei meu charme eu vi uma delas dizer “ué, é pra você, Darlene.”

- Então você levantou a moral da garota?

.- Com certeza. Diante das perguntas das outras, “sou eu?”, “sou eu?”, e eu sacudindo negativamente a cabeça, ela, Darlene entendeu que eu queria paquera com ela, quando eu sorrir ao sorriso dela. Vamos até marcar um cineminha já, já.


segunda-feira, 14 de abril de 2025

 

Tâmara

 

Ao menor sinal de desconforto, o gesto dela de dizer "ah, um instante" e se abaixar era visto como o momento crucial de desejo e conquista. Ela enfiava a mão pelos cobertores, passando entre as pernas, e, decidida, retirava a calcinha. Quando se anunciou que estava sem ela, ele se revoltou e ordenou que ela se vestisse primeiro. Retirá-la somente depois. Não desejava perder o momento. Durante os períodos de medo, tornou-se um símbolo de sucesso entre eles.  Um segredo extremamente pessoal, que não era de interesse de ninguém. E isso perduraria por toda a sua existência, quando era encantador ouvir: "venha!" Então ele entrava e se aprofundava numa tranqüilidade sem fim, de se ferrar no sono e acordar com raios de sol mal perfurando o telhado.

Ítalo descansou o copo no balcão porque já tinha tomado todas. Achava.

- Mais uma, Ítalo? – falou o garçom.

Acenou negativamente com a mão, mas acabou aceitando quando o rapaz surgiu e desembalou a lata.  Já fazia algum tempo que estava atualizando sua fita de memória. E sempre se enganchava na criação desse instante de sua iniciação. Recordou até uma visita à casa dos bisavós, durante um passeio de bicicleta que realizou com a prima Tâmara e irmãos. Na hora de se recolherem para uma ciesta, os meninos ficaram brincando no quintal. E ele num quarto de hóspedes, que guardava umas malas de couro cobertas por coxinilhos, esperando dela o chamado em voz sussurrada; toco de cigarro atirado pela janela do casarão:

“Venha!”

Durante algum tempo, ainda relacionava o odor da fumaça de cigarro com esse ambiente íntimo, pura intimidade com cheiro de sexo. Daí a sensação de trazer isso como reserva pessoal, talvez um pijama. Além dessa descoberta, a revelação de um mundo inédito, cujo anúncio seria um segredo tácito do Estado. Portanto, na sua mente de doze anos, em silêncio total, precisava caber toda essa maravilha. A professora apresentava seus ensinamentos na didática, enquanto ele apenas a observava. Esse seria o segredo que só os adultos possuíam! “É isso, cara!” pensava na época.

                     Ele percorreria o mundo com essa imagem de uma fita presa.  Não contava mais com a parceria da prima, apesar de insistências suas, que estava mais taludo, até que foi dado um basta final, com o casamento de Tâmara.  Foi desafiador suportar isso até os vinte anos, quando, finalmente, após várias tentativas, as comportas do desejo se abriram. E desembocaram no oceano. Então, depois de superar diversas fases de quase sucesso nessas tentativas, ele caiu no mundo.

Essa análise de fatos não tinha como objetivo outro senão a nostalgia das oportunidades da vida.  "A vida vem em ondas como o mar", tentou entoar suavemente.  "Ela nos proporciona a oportunidade entre uma e outra lambida na areia" - refletiu em sua tranquilidade provocada pelo abuso do álcool.

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