quarta-feira, 28 de maio de 2025

 

Danúsia

Italo buscava se relacionar com rapazes mais velhos, já que tinha talento e se vestia como um deles. Até já conseguira assistir a filmes que eram proibidos para menores. Reconhecia que nessa onda embarcava de carona com Sílvio, que já estava na 8ª série e dava uma mãozinha no comércio da irmã. E, encostado em Silvio, na esteira dos seus namoricos, estava assim a colher pequenos frutos.  Seguira o lance da calça cor de rosa entre a moçada. Todo fim de semana, era comum andar na pracinha dentro da moda local. Agora, o sonho de Ítalo era adquirir o macacão jeans igual ao de Sílvio e dos demais. Achava o máximo. Mas era como segredo, só ele e Deus. A mãe tinha loja de tecidos e não foi difícil tirar o corte de pano para fazer a  roupa.  Mas não podia nem ouvir falar no “macacão”, tinha a maior ojeriza.

- O quê? Aquela roupa com o sovaco de fora, que os homens deixam uns tufos de cabelo dos lados? Eu tenho uma raiva daquilo. Nem ver! Imagine, seu Neco, que ele trouxe a nota até com preço e desconto.

Em busca de um aconselhamento, a mãe recorria logo a um tio avô, idoso, morador do campo, ignorante, que, nessa oportunidade, estava de visita na sala. Um atraso de vida que ele não conseguia tolerar. Nesse desespero, ele até cogitava a possibilidade de fugir de casa. Eles matavam no ninho seus sonhos de criança. O grande evento estava prestes a acontecer e ele não poderia acompanhar os outros jovens com o traje da moda. Assim, perdia o encanto que a vida proporcionava. E ficou imaginando-se. Envergaria a peça jeans azul e entraria enfileirado no barzinho em companhia de Silvio e amigos. Seria emblemático.

- Essa moreninha da rua dos crentes é que dava certinho pra mim.

Sílvio achou também.

- Só chegar junto, cara.

- Aí é só para um cara como você, Sílvio. Elas me acham menino. Você podia namorar ela para mim... ver como é, depois eu entrava...

Sílvio, com toda sua didática, balançou a cabeça e riu da inocência de Ítalo. Naquele dia, ele iria ver a sua namorada mais cedo e voltaria para tentar estabelecer um contato com a jovem Danúsia (ouviu a companheira dela chamar pelo nome).

Ítalo consumiu mais bebidas de batida de limão, que Borba costumava oferecer geladas no bar, e se acomodou para observar Silvio passear pela praça e se despedir da titular, como era habitual. Depois aparecer passeando com Danúsia, para de imediato sumir para um recanto escuro da pracinha e dar uns amassos na moreninha.

                        No outro dia, foi até o comércio em que de Sílvio trabalhava e, em vez de procurar saber de Danúsia, passou a se queixar de umas dores generalizadas. Após responder ao amigo  sobre esses enjoos que sentia, ouviu Sílvio gritar:

                        - É ressaca! Você está de ressaca, cara,

quarta-feira, 14 de maio de 2025

 

Fátima

 

 

- Olhe essa criança pra mim aqui, que vou ali ao banheiro. É rapidão!

Quando Ítalo reparou estava com uma criança acomodada no seu colo, como se fosse um velho tio da garotinha, e o ônibus riscava chegada no terminal rodoviário da capital.

- Ganhou uma garotinha, Ítalo? – perguntava em desembarque conhecido passageiro.

E explicações de nada valiam, eram burocráticas e encobertas pela algazarra que de momento imperava.

- Bonitinha, Ítalo. Nem sabia que você tinha uma.

Em meio ao crescente burburinho, de nada iria adiantar a plausibilidade de uma justificativa. E assim, tomando piada, ia o carro esvaziando, até que se aproximou uma moça, cheirosa, com penteado em destaque e cara de quem acabava de escovar os dentes:

- Com licença, minha filha?– pedia, mas não esperou resposta e engatou outro pedido: - Dá pro senhor segurar pra mim só um instantinho, enquanto vou ali retirar umas bagagens?

A neném, já graudinha e desperta, passava para o banco desocupado ao lado e ele, já se achando “dono” da pequena, estranhava, sem entender que a mulher era a mãe com outro visual, inclusive blusa de outra cor.

Ítalo, naquela ação, envolveu-se num abraço com a menina, que não prestou atenção ao pedido feito, permanecendo dessa maneira devido a um entendimento implícito entre ambos. A mulher, apanhando uma bolsa encima da poltrona, foi carregada para a porta de saída. Cá ficava Ítalo tirando onda de pai abandonado com uma filhinha.

Observara, horas antes, a neném choramingando e a mãe, seio pontudo descoberto, cuidando de amamentá-la. Clareado o dia, satisfeitos seus instintos, a criança se livrou do peito, sem novidade, e passou a brincar com os passageiros, que olhavam a mulher dormindo, descuidada, mas com correntinha de bijuteria com o nome “Fátima” grafado.  

- Cansada? - Ítalo perguntou, como toque para ela se endireitar.

- É, tô. Ontem fui dormir tarde, embalando  mercadoria.

                  Desistiu de saber de que mercadoria se tratava. O marido, encarregado da venda dos produtos, vinha receber na rodoviária. Fazia sempre essas viagens. Dessa vez trazia a menina, que estava crescendo sem a presença do pai. Estavam vendendo bem. Incrementado o negócio, não podia parar. Talvez procurasse mais ajudantes.

                   Mochila às costas, tomou a criança nos braços para desembarcar:

                   - Calma, viu? Sua mãe está pegando as bagagens. Olhe ela lá – e mostrava uma jovem senhora com um penteado travado com uma escova de dente enfiada no cabelo. Aí Ítalo pôde observar que a mercadoria consistia em organizados caixotes de papelão, contendo pacotinhos de doces de frutas. Quando apareceu decerto que o pai da criança e envolveu a mãe da criança num forte abraço, que pacotinhos de doce foram se espalhando pelo chão.

                   Arrumada a carga de mercadoria num carrinho providenciado pelo moço da empresa, que tinha pressa de chegada, o casal partiu para a fila do táxi quando Ítalo bradou:

                   - Ei, a menina!

Ítalo devolveu a menina, que deixou cair no chão a chupeta, mais que de pressa apanhada pela mãe. Com um gesto rápido, lavado pela boca da mãe, a criança recebeu de volta a chupeta, num entendimento comum de que "os bichos são de casa". Depois, Ítalo ficou observando-os seguir viagem em um reencontro familiar.


sábado, 10 de maio de 2025

Vanessa

 

 

Ia criar um personagem, um sessentão e passar a mandar brasa.  Por exemplo, elogiar essa colaboradora. Quem disse de proibição? Achava essa garota uma imensidade. Dizia isso porque  a conheceu antes de ela se tornar essa mulher decidida. Ela estava no auge de sua beleza. Se alguém precisasse de um close, uma esticada no “zoom”, faria isso sem qualquer alarde. Conheceu-a ainda pequena, no seu casulo, protegida por alguém que se dizia experiente, que, por causa dela, havia deixado esposa e filho de um casamento recente.  Por aí podia-se medir o precoce poder de sedução. Quando deparou com o monumento, pôde antecipar o instante que se aproximava. Ela possuía uma voz encantadora e um corpo bem definido de uma mulher fofinha:

- Braço direito ou esquerdo?

Para testar a voz, não precisava cantar. Para uma rádio, seria ela de uma performance encantadora. E como harmonizava bem com a sua força! Quem diria, uma menina que Ítalo nem olhou profundamente, devido talvez ao frescor do sabonete da Monica,  que ainda persistia.

- Braço direito ou esquerdo?

Que bom que ela renovou a pergunta. Ela parecia ter olhos claros!  “Pelo menos, já olha a gente”, pensou Ítalo. Notava-se um acúmulo de bagagem no olhar e na abordagem das coisas. Passarinho, tanta coisa lhe foi dita nesse intervalo! Muitas palavras foram poupadas, guardadas para um momento apropriado. Como agora estava ousando fazer.

Diante do embaraço criado, a esposa aproximou-se para botar ordem na casa. Valendo-se do seu tempo de funcionária da saúde, Selmas arregaçou a manga da blusa dele como se fosse de uma criança:

-  Aplique aqui, Vanessa.

Vanessa seguiu-a com o aparelho e tomou seu braço, então esquecido, agora retomando a vida pelas mãos profissionais da servidora.

Talvez porque ainda boquiaberto, Selma quis refrescar sua memória:

- Você sabe quem é ela, Ítalo?

- De Marcão – respondeu de imediato com o nome do seu ex.

- Já foi o tempo. Não é, Vanessa?

Selma segredou ao marido:

- Marcão pegou ela saltando o muro para sair com outro.

Ouviu falar também de um médico. Ia lembrar isso, mas ela interrompeu:

- Ih, depois teve outro.

            Do portão de saída, Ítalo voltou para trás de si e viu erguer-se uma estampa de mulher formada de corpo, que não deixava de merecer registro.

            - Vanessa, você está de parabéns: mais mulher. Sou mais você agora...

            - Ué, como é que fala assim perto da esposa?

Ele caminhou para o carro, aguardando Selmas, que estava sem entender nada e só questionando.

- Você não a conheceu logo que Marcão apareceu com uma menina ainda meio assustada debaixo do braço?

- Sim.

- Pois bem, foi como pegar uma franguinha e agora, você reparando, é esse espetáculo todo aí,.    

- E a conduta?

- Aí, são outros quinhentos.

- Vocês homens gostam de mulher é assim.

- De jeito nenhum, mas gente não deixa de apreciar. No dizer de meu avô, não devemos culpar a mulher que tem isso.

- Mais essa agora!

-  São mulheres que têm flores brancas.

- E o que é isso de “flores brancas”?

- Mulher que tem flores brancas, homem nenhum mata a vontade dela.

                                                                                                                            

 


sexta-feira, 2 de maio de 2025

 Luciana

 

Embora, por dever moral, se aguardasse um ambiente sombrio, nada podia impedir a energia de sucesso que ela, óculos escuros, aparentava esconder. Apesar de usar uma vestimenta apropriada, mostrava-se imponente. O mesmo charme que um dia o envolveu por algumas horas. Tanto que, tempo decorrido, sentiu agora ligeira vibração no beijinho de cumprimento dado no rosto dela.

- Fortezinha, Lu – Ítalo disse baixinho. -  Experiência, completou em pensamento  depois.

Luciana fazia parte de seu círculo familiar, prima afastada.  Lembrava-se do escândalo que ela, moça feita, fez ao encontrar com ele, pré-adolescente. Na ocasião, dia de missa,  arranjado numa calça boca de sino, cinturão, ele estreava um sapato, de duas cores,  um marrom com detalhes em amarelo, de salto alto em cor clara:

- Gente, deixe eu ver aqui, menino!

E acabou encantada com a novidade, pondo Ítalo nas alturas. Este foi apenas um primeiro sinal premonitório para um relacionamento relâmpago, que teriam num outono desses.  Até lá presenciaria meros atos preparatórios de um ataque de leoa. Certamente, uma vez casada, tais ataques seriam mais guiados pela discrição.  No entanto, nunca faltava a satisfação, que era mútua, com justificativas criadas por ele, para não ser rude ou causar ciúmes, que no final ela garantia:

- Relaxe - declarava que o outro estava ciente e não se importava. 

Um dia, de tanto ela insistir para ir ver no quarto dela o livro sobre Roberto Carlos, que era comentado na roda de amigos. Ela dizia que tinha. E ele dizia que não. Até disse carinhosamente:

- Pare com isso, Lu. Você é uma mentirosinha.

- Esse Ítalo é uma besta, pelejei com ele para entrar em casa, para ver o livro, que Hélio estava entretido com o churrasco cá embaixo, e ele nada: perdia a aposta, pois eu mostraria.

E, à saída, surpreendia a todos, exibindo um livro da janela. No entanto, a reputação de falsidade persistiu mesmo após rumores de que ela vinha complicando o marido no banco. O incidente incluiu até uma facilidade oferecida pelo próprio empregado, através da persuasão do cliente. Acompanhou tais conversas com reservas, aceitava as explicações que ela ás vezes dava.

- Ela, para mim, não tem mais prestígio. A gente ainda tolera assim por causa de pessoas como você – ouvia-se a propósito.

Não foi difícil assim o desemboco num divórcio, que amadureceu, sem traumas, gente civilizada, que ela não perdia a postura. E andava com essa, ensaiando ataques de leve, de treino mesmo.

- Ítalo! Ítalo! – batia mão pedindo carona.

                  Por essa ocasião, andava meio atirado, metido a Dom Juan, e ia passando, sem “câmara de segurança” por perto, quando resolveu parar:

- Oi, me dê uma carona, que vou com você pra casa.

Abriu a porta, entrou como uma brisa boa e o frescor de quem saiu do banho:

- Você está bem, né? – sorriu com garantia de sucesso.

Aceitou o beijinho de cumprimento, porque mesmo se não tivesse aceitado, não podia evitar de quase ser engolido:

- Vamos, não leva mais ninguém não.

Comportamento de leoa. Finalmente, viram-se sozinhos. No momento em que estavam mais distantes, na estrada, com menor movimento de carros, percebeu que a mão dela se engraçava com um monte rígido na braguilha da sua calça. Ele freou por um instante, em seguida abriu o zíper e se arrumou. Morrendo de desejo, ela, nem esperou um segundo, abaixou a cabeça e abocanhou como uma fera, num servicinho carinhoso de admiração e tara, só comparável ao entusiasmo de encontrar Ítalo com seu sapato de salto alto marrom, com detalhes em amarelo. E o carro seguia tranquilamente pela estrada.