Fátima
- Olhe essa criança pra
mim aqui, que vou ali ao banheiro. É rapidão!
Quando Ítalo reparou
estava com uma criança acomodada no seu colo, como se fosse um velho tio da
garotinha, e o ônibus riscava chegada no terminal rodoviário da capital.
- Ganhou uma garotinha,
Ítalo? – perguntava em desembarque conhecido passageiro.
E explicações de nada valiam,
eram burocráticas e encobertas pela algazarra que de momento imperava.
- Bonitinha, Ítalo. Nem
sabia que você tinha uma.
Em meio ao crescente burburinho,
de nada iria adiantar a plausibilidade de uma justificativa. E assim, tomando piada,
ia o carro esvaziando, até que se aproximou uma moça, cheirosa, com penteado em
destaque e cara de quem acabava de escovar os dentes:
- Com licença, minha
filha?– pedia, mas não esperou resposta e engatou outro pedido: - Dá pro senhor
segurar pra mim só um instantinho, enquanto vou ali retirar umas bagagens?
A neném, já graudinha e
desperta, passava para o banco desocupado ao lado e ele, já se achando “dono”
da pequena, estranhava, sem entender que a mulher era a mãe com outro visual,
inclusive blusa de outra cor.
Ítalo, naquela ação,
envolveu-se num abraço com a menina, que não prestou atenção ao pedido feito,
permanecendo dessa maneira devido a um entendimento implícito entre ambos. A
mulher, apanhando uma bolsa encima da poltrona, foi carregada para a porta de
saída. Cá ficava Ítalo tirando onda de pai abandonado com uma filhinha.
Observara, horas antes,
a neném choramingando e a mãe, seio pontudo descoberto, cuidando de
amamentá-la. Clareado o dia, satisfeitos seus instintos, a criança se livrou do
peito, sem novidade, e passou a brincar com os passageiros, que olhavam a
mulher dormindo, descuidada, mas com correntinha de bijuteria com o nome “Fátima”
grafado.
- Cansada? - Ítalo perguntou,
como toque para ela se endireitar.
- É, tô. Ontem fui
dormir tarde, embalando mercadoria.
Desistiu de saber de
que mercadoria se tratava. O marido, encarregado da venda dos produtos, vinha
receber na rodoviária. Fazia sempre essas viagens. Dessa vez trazia a menina,
que estava crescendo sem a presença do pai. Estavam vendendo bem. Incrementado o
negócio, não podia parar. Talvez procurasse mais ajudantes.
Mochila
às costas, tomou a criança nos braços para desembarcar:
- Calma, viu? Sua mãe está
pegando as bagagens. Olhe ela lá – e mostrava uma jovem senhora com um penteado
travado com uma escova de dente enfiada no cabelo. Aí Ítalo pôde observar que a
mercadoria consistia em organizados caixotes de papelão, contendo pacotinhos de
doces de frutas. Quando apareceu decerto que o pai da criança e envolveu a mãe
da criança num forte abraço, que pacotinhos de doce foram se espalhando pelo
chão.
Arrumada a carga de mercadoria
num carrinho providenciado pelo moço da empresa, que tinha pressa de chegada, o
casal partiu para a fila do táxi quando Ítalo bradou:
- Ei, a menina!
Ítalo devolveu a
menina, que deixou cair no chão a chupeta, mais que de pressa apanhada pela mãe.
Com um gesto rápido, lavado pela boca da mãe, a criança recebeu de volta a
chupeta, num entendimento comum de que "os bichos são de casa".
Depois, Ítalo ficou observando-os seguir viagem em um reencontro familiar.
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