quarta-feira, 14 de maio de 2025

 

Fátima

 

 

- Olhe essa criança pra mim aqui, que vou ali ao banheiro. É rapidão!

Quando Ítalo reparou estava com uma criança acomodada no seu colo, como se fosse um velho tio da garotinha, e o ônibus riscava chegada no terminal rodoviário da capital.

- Ganhou uma garotinha, Ítalo? – perguntava em desembarque conhecido passageiro.

E explicações de nada valiam, eram burocráticas e encobertas pela algazarra que de momento imperava.

- Bonitinha, Ítalo. Nem sabia que você tinha uma.

Em meio ao crescente burburinho, de nada iria adiantar a plausibilidade de uma justificativa. E assim, tomando piada, ia o carro esvaziando, até que se aproximou uma moça, cheirosa, com penteado em destaque e cara de quem acabava de escovar os dentes:

- Com licença, minha filha?– pedia, mas não esperou resposta e engatou outro pedido: - Dá pro senhor segurar pra mim só um instantinho, enquanto vou ali retirar umas bagagens?

A neném, já graudinha e desperta, passava para o banco desocupado ao lado e ele, já se achando “dono” da pequena, estranhava, sem entender que a mulher era a mãe com outro visual, inclusive blusa de outra cor.

Ítalo, naquela ação, envolveu-se num abraço com a menina, que não prestou atenção ao pedido feito, permanecendo dessa maneira devido a um entendimento implícito entre ambos. A mulher, apanhando uma bolsa encima da poltrona, foi carregada para a porta de saída. Cá ficava Ítalo tirando onda de pai abandonado com uma filhinha.

Observara, horas antes, a neném choramingando e a mãe, seio pontudo descoberto, cuidando de amamentá-la. Clareado o dia, satisfeitos seus instintos, a criança se livrou do peito, sem novidade, e passou a brincar com os passageiros, que olhavam a mulher dormindo, descuidada, mas com correntinha de bijuteria com o nome “Fátima” grafado.  

- Cansada? - Ítalo perguntou, como toque para ela se endireitar.

- É, tô. Ontem fui dormir tarde, embalando  mercadoria.

                  Desistiu de saber de que mercadoria se tratava. O marido, encarregado da venda dos produtos, vinha receber na rodoviária. Fazia sempre essas viagens. Dessa vez trazia a menina, que estava crescendo sem a presença do pai. Estavam vendendo bem. Incrementado o negócio, não podia parar. Talvez procurasse mais ajudantes.

                   Mochila às costas, tomou a criança nos braços para desembarcar:

                   - Calma, viu? Sua mãe está pegando as bagagens. Olhe ela lá – e mostrava uma jovem senhora com um penteado travado com uma escova de dente enfiada no cabelo. Aí Ítalo pôde observar que a mercadoria consistia em organizados caixotes de papelão, contendo pacotinhos de doces de frutas. Quando apareceu decerto que o pai da criança e envolveu a mãe da criança num forte abraço, que pacotinhos de doce foram se espalhando pelo chão.

                   Arrumada a carga de mercadoria num carrinho providenciado pelo moço da empresa, que tinha pressa de chegada, o casal partiu para a fila do táxi quando Ítalo bradou:

                   - Ei, a menina!

Ítalo devolveu a menina, que deixou cair no chão a chupeta, mais que de pressa apanhada pela mãe. Com um gesto rápido, lavado pela boca da mãe, a criança recebeu de volta a chupeta, num entendimento comum de que "os bichos são de casa". Depois, Ítalo ficou observando-os seguir viagem em um reencontro familiar.


Nenhum comentário:

Postar um comentário