sexta-feira, 2 de maio de 2025

 Luciana

 

Embora, por dever moral, se aguardasse um ambiente sombrio, nada podia impedir a energia de sucesso que ela, óculos escuros, aparentava esconder. Apesar de usar uma vestimenta apropriada, mostrava-se imponente. O mesmo charme que um dia o envolveu por algumas horas. Tanto que, tempo decorrido, sentiu agora ligeira vibração no beijinho de cumprimento dado no rosto dela.

- Fortezinha, Lu – Ítalo disse baixinho. -  Experiência, completou em pensamento  depois.

Luciana fazia parte de seu círculo familiar, prima afastada.  Lembrava-se do escândalo que ela, moça feita, fez ao encontrar com ele, pré-adolescente. Na ocasião, dia de missa,  arranjado numa calça boca de sino, cinturão, ele estreava um sapato, de duas cores,  um marrom com detalhes em amarelo, de salto alto em cor clara:

- Gente, deixe eu ver aqui, menino!

E acabou encantada com a novidade, pondo Ítalo nas alturas. Este foi apenas um primeiro sinal premonitório para um relacionamento relâmpago, que teriam num outono desses.  Até lá presenciaria meros atos preparatórios de um ataque de leoa. Certamente, uma vez casada, tais ataques seriam mais guiados pela discrição.  No entanto, nunca faltava a satisfação, que era mútua, com justificativas criadas por ele, para não ser rude ou causar ciúmes, que no final ela garantia:

- Relaxe - declarava que o outro estava ciente e não se importava. 

Um dia, de tanto ela insistir para ir ver no quarto dela o livro sobre Roberto Carlos, que era comentado na roda de amigos. Ela dizia que tinha. E ele dizia que não. Até disse carinhosamente:

- Pare com isso, Lu. Você é uma mentirosinha.

- Esse Ítalo é uma besta, pelejei com ele para entrar em casa, para ver o livro, que Hélio estava entretido com o churrasco cá embaixo, e ele nada: perdia a aposta, pois eu mostraria.

E, à saída, surpreendia a todos, exibindo um livro da janela. No entanto, a reputação de falsidade persistiu mesmo após rumores de que ela vinha complicando o marido no banco. O incidente incluiu até uma facilidade oferecida pelo próprio empregado, através da persuasão do cliente. Acompanhou tais conversas com reservas, aceitava as explicações que ela ás vezes dava.

- Ela, para mim, não tem mais prestígio. A gente ainda tolera assim por causa de pessoas como você – ouvia-se a propósito.

Não foi difícil assim o desemboco num divórcio, que amadureceu, sem traumas, gente civilizada, que ela não perdia a postura. E andava com essa, ensaiando ataques de leve, de treino mesmo.

- Ítalo! Ítalo! – batia mão pedindo carona.

                  Por essa ocasião, andava meio atirado, metido a Dom Juan, e ia passando, sem “câmara de segurança” por perto, quando resolveu parar:

- Oi, me dê uma carona, que vou com você pra casa.

Abriu a porta, entrou como uma brisa boa e o frescor de quem saiu do banho:

- Você está bem, né? – sorriu com garantia de sucesso.

Aceitou o beijinho de cumprimento, porque mesmo se não tivesse aceitado, não podia evitar de quase ser engolido:

- Vamos, não leva mais ninguém não.

Comportamento de leoa. Finalmente, viram-se sozinhos. No momento em que estavam mais distantes, na estrada, com menor movimento de carros, percebeu que a mão dela se engraçava com um monte rígido na braguilha da sua calça. Ele freou por um instante, em seguida abriu o zíper e se arrumou. Morrendo de desejo, ela, nem esperou um segundo, abaixou a cabeça e abocanhou como uma fera, num servicinho carinhoso de admiração e tara, só comparável ao entusiasmo de encontrar Ítalo com seu sapato de salto alto marrom, com detalhes em amarelo. E o carro seguia tranquilamente pela estrada.


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