Luciana
Embora, por dever
moral, se aguardasse um ambiente sombrio, nada podia impedir a energia de
sucesso que ela, óculos escuros, aparentava esconder. Apesar de usar uma
vestimenta apropriada, mostrava-se imponente. O mesmo charme que um dia o envolveu
por algumas horas. Tanto que, tempo decorrido, sentiu agora ligeira vibração no
beijinho de cumprimento dado no rosto dela.
- Fortezinha, Lu – Ítalo
disse baixinho. - Experiência, completou
em pensamento depois.
Luciana fazia parte de
seu círculo familiar, prima afastada.
Lembrava-se do escândalo que ela, moça feita, fez ao encontrar com ele, pré-adolescente.
Na ocasião, dia de missa, arranjado numa
calça boca de sino, cinturão, ele estreava um sapato, de duas cores, um marrom com detalhes em amarelo, de salto
alto em cor clara:
- Gente, deixe eu ver
aqui, menino!
E acabou encantada com
a novidade, pondo Ítalo nas alturas. Este foi apenas um primeiro sinal
premonitório para um relacionamento relâmpago, que teriam num outono desses. Até lá presenciaria meros atos preparatórios de
um ataque de leoa. Certamente, uma vez casada, tais ataques seriam mais guiados
pela discrição. No entanto, nunca
faltava a satisfação, que era mútua, com justificativas criadas por ele, para
não ser rude ou causar ciúmes, que no final ela garantia:
- Relaxe - declarava
que o outro estava ciente e não se importava.
Um dia, de tanto ela
insistir para ir ver no quarto dela o livro sobre Roberto Carlos, que era comentado
na roda de amigos. Ela dizia que tinha. E ele dizia que não. Até disse
carinhosamente:
-
Pare com isso, Lu. Você é uma mentirosinha.
- Esse Ítalo é uma
besta, pelejei com ele para entrar em casa, para ver o livro, que Hélio estava
entretido com o churrasco cá embaixo, e ele nada: perdia a aposta, pois eu
mostraria.
E, à saída,
surpreendia a todos, exibindo um livro da janela. No entanto, a reputação de
falsidade persistiu mesmo após rumores de que ela vinha complicando o marido no
banco. O incidente incluiu até uma facilidade oferecida pelo próprio empregado,
através da persuasão do cliente. Acompanhou tais conversas com reservas,
aceitava as explicações que ela ás vezes dava.
- Ela, para mim, não
tem mais prestígio. A gente ainda tolera assim por causa de pessoas como você –
ouvia-se a propósito.
Não foi difícil assim o
desemboco num divórcio, que amadureceu, sem traumas, gente civilizada, que ela
não perdia a postura. E andava com essa, ensaiando ataques de leve, de treino
mesmo.
- Ítalo! Ítalo! – batia
mão pedindo carona.
Por essa ocasião, andava meio atirado,
metido a Dom Juan, e ia passando, sem
“câmara de segurança” por perto,
quando resolveu parar:
-
Oi, me dê uma carona, que vou com você pra casa.
Abriu
a porta, entrou como uma brisa boa e o frescor de quem saiu do banho:
-
Você está bem, né? – sorriu com garantia de sucesso.
Aceitou o beijinho de
cumprimento, porque mesmo se não tivesse aceitado, não podia evitar de quase ser
engolido:
- Vamos, não leva mais
ninguém não.
Comportamento de leoa. Finalmente, viram-se sozinhos. No momento em que estavam mais distantes, na estrada, com menor movimento de carros, percebeu que a mão dela se engraçava com um monte rígido na braguilha da sua calça. Ele freou por um instante, em seguida abriu o zíper e se arrumou. Morrendo de desejo, ela, nem esperou um segundo, abaixou a cabeça e abocanhou como uma fera, num servicinho carinhoso de admiração e tara, só comparável ao entusiasmo de encontrar Ítalo com seu sapato de salto alto marrom, com detalhes em amarelo. E o carro seguia tranquilamente pela estrada.
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