segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

 

Zenaide

 

                        Sob a perspectiva de uma consciência pura, não se fazia necessário agir movido por esses instintos animalescos, que só seriam justificáveis sob uma perspectiva machista. Ela não era exatamente uma boazuda, mas sim alguém que não conseguia resistir à gula leolina. Apenas no frescor da idade, recém-chegada ao mercado da arena machista. Em contrapartida, Ítalo apoiava a educação humanista, que lutava incessantemente dentro dele.

                   Daí que nesse impasse do bem e do “mal”, vivia-se enquadrado dentro de um modelo de dias contados:

                   - O homem é um produto do meio, você há de convir -  lembrava um velho fazendeiro, de influência local.

                  Ítalo, de passagem, assuntava na prosa e se mostrava presente. Não comentava com ninguém esse lance de amassos e agarramentos escondidos. Seguia uma normalidade para o entendimento geral, mas não para ele, de outra formação.

                   - Devo ser um modelo de bondade? Espere lá! – exclamou um dia em resposta à acusação de comportamento negligente, quando apenas buscava se exercitar enquanto estava no local, algo que havia deixado de lado em prol da moral e do cavalheirismo.

                   - Mas olhe sua posição, cara!

                   - Hierarquia agora?

                   - É considerado abuso, assédio – disse piscando um olho o colega com quem teve que se abrir depois.

                    - Mas o meu machismo prevaleceu e eu permiti.

                   Dera de ombros, como que fosse mais um Pilatos, ao bem do dom juanismo.

                   -  É, e assim caminha a humanidade – conclui o colega,

                 - Não consegui suportar. Em um impulso de cavalo que se levanta, livre... e agora, meu filho... Quando cheguei em casa, ela estava perfumada, como uma vestal, na sua pureza branca, não consegui resistir. O vulcão que tentamos conter se intensifica. Portanto, uns abraços. Pressionada contra a parede, os peitos saltam para fora da blusa e as mãos estão tontas e confusas com o que apalpar, os lábios estão ansiosos para deslizar, numa reviravolta geral e completa, antes da possibilidade de descoberta.

                  - É aquele negócio: o cara olha pros lados não aparece ninguém, então ele vai lá no paraíso e bulina...

                   - Mas fica só na bulinação, que não tira pedaço de ninguém e, noutro plano, ajuda no seu crescimento natural. É isso.

                   - Mas ficou nisso mesmo, cara?

                    Claro que ficou por aí, sem traumas.

 

 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

 

Selmas I

 

            - Há palavras tão bonitas que, para gostar delas, a gente nem precisava saber de seus respectivos significados – Ítalo iniciava a conversa.

         Sem interferência, ele prosseguia:

         - Palavras como clímax e libido, por exemplo. Que elegância de corpo e beleza de musicalidade elas possuem! – prosseguia com sua maestria.

         E acabava arrematando:

         - Quem assim, ao pronunciar tais palavras, não sentiu a descarga, a chegada ao topo, ao vencer a escadaria da libertação?

         Foi com essa reflexão que Ítalo atraiu de vez a jovem Selma na roda de amigos e a arrastou para um bate papo de namoro, que abalaria toda a cidade.

         - Um escândalo! – falava Novaes.

         - Uma revolução, isto sim – dizia Ivo, contemporâneo e admirador, na roda de amigos no bar, relembrando o dia desse encontro dos jovens.

         E, com gestos, finalizava:

         - Ela, uma das garotas mais atraentes da redondeza; ele, um cara atraente, inteligente e de família rica, é natural que sejam observados, seja em seus gestos ou em suas roupas.

         - Lembro-me desse dia como se fosse hoje. Ele estava aqui, na mesa, no início das férias.

         - Soube que agora estão em conflito. Aquele amor todo, na praça, no clube, nas festas e onde quer que houvesse movimento, agora puf! -  falou Novaes, o proprietário do barzinho.

         - É nada! – replicou Ivo, especialista em Ítalo.

         - Certeza! Quer apostar?

         - Briga de namorado, cara!

         Enquanto se especulava sobre um possível romance entre Ítalo e Selmas, o garoto chegou e logo agarrou um taco. Iria jogar sinuca para refletir sobre o tema. Uma forma de deixar de lado os problemas menores. E exibia sua jovialidade naquele final de verão de 1981. Tantas ocasiões para marcar presença, mostrar-se, pelo menos.

         O novo veículo estava à sua espera, porém, por orientação materna, ele não deveria exagerar. Em outras palavras, tinha que desempenhar o papel de filhote de papai, entendimento que ele rejeitava, especialmente agora com a proibição dele de namorar Selmas:

         - É moça para casamento, Ítalo. Não serve para você – aconselhava a tia já à porta do bar.

         - Tia, eles começaram a implicar - soluçava o garoto. - E o serviço de espionagem que eles estabeleceram está funcionando bem, não é mesmo? - questionou com ironia.

         Observou o carro na sombra, limpo e brilhante, como um desses garotos inocentes. Então, sacudiu a cabeça de forma negativa e expressou sua indignação:

         - Não quero mais!

         Numa arrancada, ele partiu, apesar dos protestos da tia ("espera, menino, espera!"), e apanhou o veículo debaixo de uma árvore.   Deixou o carro na garagem, perto do bar, e caminhou até ser detido pela tia, de quem se distanciou antes de voltar à mesa de sinuca.

         - Bola 7! – exclamou na manhã quente de verão, como que despertando para a vida, espantando o barulho que já se formava atrás dele.

         -  É, cara, mas perder esse presente por causa de namoro é fogo!

         - Você acha, cara, que Ítalo vai desistir da namorada por um carro? 

         - Estou com Rock nessa aposta e boto mais três cervejas, pra beber aqui bico seco.

         - Está feito então.

                   No dia seguinte, ítalo se levantou mais tarde. Ele estava ameaçado por uma ressaca moral. Se acomodou à beira da cama e refletiu:

                   - Deixe-me examinar o que fiz de errado ontem: uau, voltei para Selmas! Recordou-se de como ela estava bonita com o cabelo curto e esboçou um sorriso para aquilo tudo.

        

 

 

 

 


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

 

Irmã espremida

 

            Ítalo, em suas “escarafunchações” de pré-adolescente, descobria agora que Zé Calango tinha uma irmã espremida. Tinha pena dela. Viver no meio daquela homaiada!

                        - Não é fácil não – dizia Ítalo, após ele próprio falar da sua estupefação.

            - É aquela menina que vive lá para dentro, Ítalo? lembrava Rock . - Eu já reparei mesmo.

            - Que eu saiba, ela é a mulher da casa. Zé é órfão. Ela, tão mocinha, é quem ajuda o velho a cuidar da casa.

            - Mas o que você acha mesmo estranho?

            - Isso: só ela de mulher naquele ermo. Nenhuma amiguinha, pra contar suas histórias, rir, brincar de cantiga de roda, chorar... essas coisas de menina...

            - Na escola tem, ué?

            - E ela tem os olhos verdes que nem Zé.

            A garotinha vivia espremida entre os dois irmãos pequenos de Zé Calango e Luiz. Que escola? Uma horinha da manhã num prédio erguido na ponta da rua, longe do campo, que nem dava para esquentar lugar quanto mais...

            - Pergunte você, que Zé Calango é cismado.

            - Com que?

            - Esse negócio de família... sei não.

            - Comigo ele se abre, é amigo, por que não?

            E abria mesmo, Zé era piadista, contador de histórias e até bonzinho de bola. Mas daí a contar intimidades assim...

            - Sei não... – completava seu raciocínio.

            - Você já notou que a gente chega lá pra beber água, no intervalo do jogo, e ela fica de espreita na porta da cozinha?

            - É porque ela é sozinha e o pai está servindo a água pra meninada, que vem do campo de jogo de bola.

            - Sei não – era o que Ítalo sabia dizer.

            Na única residência próxima ao campo, em meio a uma seca periódica, o velho pai de Zé Calango precisava retirar água da cisterna para matar a sede dos jovens atletas. Também não era culpa deles residirem naquele local isolado, isolado. Ítalo sentia-se perturbado pela vida que a jovem levava mas nada podia fazer para mudá-la.  Nem discutir o assunto com o irmão, tão comunicativo com a turma.

            - É,  Rock tem razão, nesse negócio de família... – pensou Ítalo.   

            - Eu já sei porque você pensa nela, cara. Se Zé sonhar que você demonstra interesse na irmã dele...

            Foi preciso dar um esporro em Rock para que o diálogo terminasse ali mesmo. Que olhos verdes nada, ele observava aqueles olhos melancólicos, sem alegria, apesar do brilho juvenil, sempre que ia lá para beber água. Sem a presença paterna, ninguém conseguia retirar água da cacimba. Portanto, no dia em que deu a louca e bateu à porta, ela não apareceu. Ao ouvir o "não" dos dois irmãos mais novos, na porteira da chacarazinha, ela se deixou levar por um movimento interior.  Foi a última vez que observou a garota “espremida”. Em seguida, veio a triste notícia do falecimento daquela "irmãzinha de Zé Calango".

           

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

 

Garota do chapeuzinho

 

         Na sua pré-adolescência, Ítalo andou pretendendo lançar moda com um chapéu de nylon apanhado na loja da mãe. De cor verde, era até bonitinho.  Mas de onde vinha tal interesse?   De uma mocinha morena, que se protegia do sol com um chapéu de pano, que lhe dava um ar de garota órfã abandonada. Descobriu que ela estava na feira auxiliando alguém em negócio de melancias ou confecções. Para Ítalo, importância alguma tinha a mercadoria. O que tinha valor era o chapeuzinho, que não era vermelho mas cor de rosa, como um prenúncio de vida.

         Então, achou legal adornar-se também com um chapéu da loja. Tal o entusiasmo, que passou a ter dois, com um outro cor de chumbo, mais neutro, como observou o colega Rock:

- Mais adequado para uma pescaria, cara.

Aceitou, porque ele foi um dos primeiros que o acompanhou na moda, adquirindo também o produto na loja da mãe. Fizeram um modesto sucesso com o uso do chapéu. Mas ele precisava conversar com a garota. Ela tinha que vê-lo também de chapéu. E isso seria no sábado seguinte, na feira.

   Então dirigiu-se para o mercado. Iria saber de Zé Calango, que já era rapaz feito.

         - Deve ser filha de um desses agricultores aí, Ítalo – disse. – Para que você quer saber?

         - É que eu gostei dela de chapéu e fico querendo namorar.

            - Fale com ela então.

         - Mas não é assim.

         - E é como?

         - Não sei. Mas vou lá.

         E ia mesmo, e desse encontro saía alguma prosa, monossilábica, mas saía. O bom de Zé Calango era isso, não desencorajava. Pelo menos. Ítalo ficava por ali, assuntando em volta. De vez em quando, perguntava.

- E perguntar não ofende – dizia. – Como você se chama, Chapeuzinho?

- Você já me botou apelido de Chapeuzinho?

         - Então vai ser assim, Chapeuzinho.

         - Como você pode ver, eu estou olhando aqui os produtos pro meu tio – disse com um sorriso tímido.

         - Você não está precisando de um ajudante não?

         Ela percebeu a brincadeira e deu resposta meio cômoda:

         - Tem meu tio, que saiu aí, mas volta logo – disse e, na aproximação de freguês, dando-se por ocupada, impostou mais a voz: - As pequenas de quinhentos e as graúdas, mil. A partir de quinhentos, podem escolher à vontade.     

         Tirou uma nota de duzentos de um pacote que havia no bolso e pediu que ele comprasse caldo de cana para eles.

         - Calor! – falou puxando a blusa para descolar do corpo, quando num lampejo, Ítalo entreviu seus mamilos em formação.

         Ítalo recebeu da garota o gesto mais parecido com um carinho, que fez do chapéu verde oliva um modesto sucesso por esse tempo.

 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

 

Adélia

 

                   Estava nos momentos de tentar parar de fumar, extremamente sensível, mas ela apoiava seu rosto no dele.

                   - Minister – falou dentro do ouvido. – Você está fumando essa marca.

                   - Como você sabe? – ela perguntou num sorriso, porém mais interessada em romper o bloqueio da paquera entre eles.

                   Ela estava se entregando a um relacionamento, que parecia destinado ao fracasso, previsão de obstáculos que ele apontava. Numa primeira vista, ele já possuía uma namorada. E, tirando suas lascas com uns beijinhos e abraços, se alongava em explicações:

                   - Depois tem essa questão de primo com primo..

                   Para demonstrar sua revolta, Adélia puxou forte o cigarro, como se no final uma séria decisão fosse tomada:

                   - Bobagem! Desculpa! Careta você, hein?

                   Era encantador observar a jovem se erguer em um firme protesto. Para irritá-la ainda mais, falava com a calma de quem esbanjava experiência, saboreando a fumaça do Minister:

                   - Além disso, você está de paquera, que eu soube, com o filho de tio Guilhermino, lá da fazenda onde você ficou hospedada, semana passada.

                  - Já vieram lhe contar isso?

                 - E mais, já que seu objetivo é voltar pra São Paulo e dizer que veio a Bahia e que namorou um primo gato, pode se dar por resolvido o caso.

                   Desarmada por completo, ela chorou, que não era nada disso, mas que não custava nada contar na sua versão, e daí?

                   - Daí que o primo da fazenda, primo carnal, era melhor que ele, Ítalo, que era primo segundo.

                   E ela possuía umas coxas que ficavam presas entre as suas pernas na hora do difícil desgrude:

           - Ponha aqui e deixe eu dar só um trago deixe, Adélia! – pedia com humildade

                        Aí , ela procurou torturá-lo:

                   - Não! Você está sob vigília antifumo – gritava no embalo de raiva e desviava dele o cigarro.

                   - Deixe, Adélia – insistia no pedido cheirando no ar rastro de fumaça.

                   Adélia viu que não bastava o jogo de pernas, passou então a se sentir de férias na Bahia como a dominadora, enquanto Ítalo, em situação tabagística in extremis, tornava-se pedinte brincalhão:

                   - Quando estiver na letra “s”, ponha aqui pra mim, ponha, Adélia.

 

 

 

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

 

A mulher dos tomates

 

            Em uma academia, ela chamou a atenção discretamente, pois ele também a encarou dessa maneira, antecipando o que poderia ser o tema de um possível diálogo entre eles.  Para Ítalo, era a mulher dos tomates, a cunhada de um quitandeiro do bairro. Mas, olhando bem suas partes, ela não era a mesma, puro equívoco.  Tinha o corpo trabalhado, a senhora. 

            - E a mente aberta aos negócios – Ítalo completava o raciocínio.

            Olhou o rosto e  confirmou:

            - È mesmo a mulher dos tomates.

            Possivelmente, atrás de um balcão, ela ocultava a maravilha que se desvendava através das roupas esportivas, mais adequadas. Aquela era uma área comum para exibição de coxas, braços, pernas e mamas. Ele percorreu as pernas da mulher e percebeu nobreza naquela alvura de coxas, sem sinais, no gesto sério ao erguer os alteres, num agachamento com barra, e refletiu:

            - Com certeza não é a mulher dos tomates.

            Conforme o consenso estabelecido, o princípio da inocência deveria prevalecer na incerteza. Assim, deveria prosseguir. Em um movimento rápido de encantamento, ela se posicionou no centro da sala com a destreza de um atleta e, em seguida, caminhou até outro dispositivo que estava desocupado. E lá continuou a pedalar. Ela viajava para longe, sem deixar o ambiente da sala. A imaginação de Ítalo a acompanhava.

Um pequeno detalhe transformava tudo, como podia uma mulher se transformar dessa maneira num instante? É aquela história da mulher com uma flor no cabelo – pensou Ítalo. Ou talvez tenha sido uma decisão que afetou os trajes e o comportamento. Quem a observava ocasionalmente no cotidiano não poderia acreditar na bela imagem que se apresentava diante dele. Ele poderia "tomar boca" com a mulher, como se costumava dizer, para melhor enquadrar a conversa, mas agora seria descortês. Seria um instante apenas de admiração. Ela deveria possuir um parceiro. Como é que ele não fazia companhia? Esses pensamentos ferviam em sua mente. Deixar fluir! No mínimo, ele deveria permanecer à espreita na porta.  Aguardar para destravar a porta do carro estacionado, tal como na música "Esse cara sou eu", de Roberto Carlos. Era a forma perfeita para um clipe.

                        A mulher dos tomates se aprontava para ir para casa. Apanhou no armário da recepção uma mochila, falou qualquer coisa com o professor, abrindo um leve sorriso e caminhou para o local reservado para veículos, sem ninguém pra lhe abrir a porta do carro, o que era uma falta gravíssima.

                        O professor podia dar outras referências sobre ela, a de blusa cor de rosa. Aliás,  teria que se certificar primeiro.  Com a sua aproximação, para não demonstrar grande interesse, Ítalo indagou, apontando a mulher:

                        - Ela é...

                        Mal terminou de falar, foi atropelado pelo professor, que, sacudindo a cabeça, respondeu com  cumplicidade:

                        - É. Ela mesma.

                        “Ela mesma, quem, cara pálida?” Não querendo demonstrar interesse, Ítalo acabou deixando ficar com o que estava na sua mente, “a mulher dos tomates”.

 

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

 

Eliene

 

                       Por um tempo, Eliene serviu como galho, com certa regularidade, do tipo “cadeira cativa”, "papai-mamãe", dinheiro contado e a tranquilidade necessária para o exercício diário de quem estava começando na vida. Quis reviver essa vidinha tão conhecida de todos. Aliás, Ítalo sempre teve queda para a vida prosaica.

                            Depois da universidade, pelo menos uma vez por mês, ele deixava ali parte do seu salário. Sempre que se aproximava da casa, alguém num misto de vigilante e frequentador encontrava-se a entrada. Voltar seria de  melhor política. Ou ignorar? Corria-se o risco. Quando se cuidava de uma decisão, já estava lá dentro, com algumas doses a mais, esperando numa saleta. Depois, alívio com a entrada dela, cheirosinha, bonitinha ao seu modo, num leito na semiescuridão. Retirava a roupa dela. Segurava-a e a tocava (sua pele quente!), uma gruta como recompensa descoberta no final. Era quando ainda tinha a agilidade de um rapaz de trinta anos. Com um vestido novo e um penteado básico, Eliene deveria estar perto disso. Mas não estava interessado nesses pormenores. Parecia uma máquina de música, cuja duração dependia de ficha.

                             Que máquina! Agora sem novidades, mas uma mulher vivida. Nem ela estava mais agarrada a esse improviso nem ele andava mais atrás. Também não era mais aquele professor iniciante de aula preparada a contento. ”São outros os tempos, Ítalo”, gritou dentro de si, então pediu uma cerveja, que ela mesma fez questão de trazer e fazer-lhe companhia.

                  - Pra frente é que se anda, cara! – concluiu Ítalo.

                  - É, não vamos mais falar de passado – ela emendou na conversa.

                  - Você evoluiu, Eliene; agora é uma empresaria, tem seu estabelecimento, dirige os negócios...  – disse Ítalo.

                  - É, também não deixei de esperar por certa pessoa às sextas-feiras à noite – disse com piscada de olho.

              - Imagine – falou Ítalo, depositando um beijo no pescoço dela, que se agachou delicadamente.

                  - Naquele tempo eu vinha e entrava com medo.

                  - Medo de que?

                  - Sei lá, eu era novo, entrava na vida, tinha que ter minhas cautelas.

                  - Eu também era nova, uai, e garota. Acha que não tinha medo?

                   - Medo, por exemplo, de um cara que ficava sempre na calçada, de bico.

                  - Um morenão forte?

                  - Era. Um dia eu cheguei, encarei, e ele me disse pra esperar um minutinho... aí gelei...

- Ôxe, por quê?

- Aí, acho que ele percebeu, então ele disse que você estava terminando de se aprontar, que entrasse e me sentasse, dava tempo até de fumar um cigarro ou tomar uma. E eu tinha medo dele, achei que fosse um namorado seu.

                  - Ah, não, era sim um fã meu, tornou-se compadre, mas andava sempre por ali, me dava certa proteção.

                  Ergueu-se da mesa e foi buscar um álbum de fotografia:

                  - É esse? – pôs o dedo num retrato de um cara com um menino nos braços.

                  Era o cara.  O som que parecia encobrir o ambiente era A volta, uma canção de Roberto Carlos, em nova versão. Ítalo percebeu surgir dessa conversa um sopro de nostalgia e acabou convidando a empresária para o seu quarto. Prestaria uma homenagem em agradecimento pelos momentos de aprendizado de vida que compartilharam juntos.