Suze
Suze
era uma dessas garotinhas adoráveis, a queridinha do pai, que se dizia liberal,
durante os conturbados anos setenta. Ela tinha vindo com seus pais para o
importante jogo de futebol entre as seleções de sua cidade e da cidade de
Ítalo. A família aproveitava a ocasião para reencontrar parentes maternos e
afastá-la do namorado.
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Um “papa-anjo”- exclamava Roch, na qualidade de tio de Suze.
Havia muita informação sobre ela, que, além desses
comentários, a sobrinha estava no ponto,
na linguagem dos jovens que se aglomeravam ao redor. Ela caminhava triste, como
se tivesse deixado sua outra metade em casa e nada mais a interessasse.
Desconectada do mundo que a chamava para viver e que a tocava com sua luz.
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Você ajeita ela, Roch?
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Já lhe disse, cara, que a Suze vem de um namoro, que o pai, que sempre lhe dava
gosto em tudo, fez ela terminar. Eu sei que ela, não fosse isso, estaria nas
suas mãos – explicava o colega.
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Ou na mão do carinha mesmo, né? – retrucou Ítalo.
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Claro, para disputa normal.
Conflito!
Conflito! Primeiramente, era necessário tomar
pé como num exame para localizar espaço e tempo. Olhou para o vazio da rua à
sua frente. Estavam num arcabouço dos anos setenta, como vestígio de uma época,
em um vazio da chegada do novo. E o que notava de novo, diferente, em uma
brecha dos mundos, era o rostinho ainda infantil de Suze, prestes a chorar.
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Imagine agora essa menina nos braços de um rapaz mais velho, que conhece o
mundo de frente para trás – contra-argumentava o colega.
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Ela está revoltadíssima com o pai, meu cunhado – acentuava. – Por isso que a
mãe, minha irmã, resolveu trazer para aqui por uns dias. Está doida que ela
arrume um namoradinho, mas da mesma idade, filho de gente conhecida, pra que
sossegue o facho.
Tinha
que vestir essa camisa, pensou Ítalo ao insinuar-se numa apresentação dela aos garotos.
Mas ela nem aí.
Parecia
até ter sido escalado pela seleção local para acompanhar os passos de Suze, a
novidade vinda de fora. Quando não contava com o apoio de familiares, ela
acompanhava desinteressada a pequena torcida adversária de sua cidade,
unindo-se a eles no alambrado apenas para fazer volume. O futebol menos
violento, mais clássico, com alguns ensaios de jogadas de acordo com o sopro de
renovação da última copa, do carrossel holandês:
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Demá acaba de realizar um passe em profundidade, o conhecido overlapping,
como se diz hoje em dia – comentou Roch, com um olhar crítico.
A
tarde indo embora, o dia indo embora, Suze indo embora. Ítalo lembrou dos
lábios molhados de choro escondido de Suze e quando lembrava a partida de
futebol, falava com propriedade:
- O mais bonito zero a zero que já vi.