sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Suze


Suze era uma dessas garotinhas adoráveis, a queridinha do pai, que se dizia liberal, durante os conturbados anos setenta. Ela tinha vindo com seus pais para o importante jogo de futebol entre as seleções de sua cidade e da cidade de Ítalo. A família aproveitava a ocasião para reencontrar parentes maternos e afastá-la do namorado.

- Um “papa-anjo”- exclamava Roch, na qualidade de tio de Suze.

 Havia muita informação sobre ela, que, além desses comentários,  a sobrinha estava no ponto, na linguagem dos jovens que se aglomeravam ao redor. Ela caminhava triste, como se tivesse deixado sua outra metade em casa e nada mais a interessasse. Desconectada do mundo que a chamava para viver e que a tocava com sua luz.

- Você ajeita ela, Roch?

- Já lhe disse, cara, que a Suze vem de um namoro, que o pai, que sempre lhe dava gosto em tudo, fez ela terminar. Eu sei que ela, não fosse isso, estaria nas suas mãos – explicava o colega.

- Ou na mão do carinha mesmo, né? – retrucou Ítalo.

- Claro, para disputa normal.

Conflito! Conflito!  Primeiramente, era necessário tomar pé como num exame para localizar espaço e tempo. Olhou para o vazio da rua à sua frente. Estavam num arcabouço dos anos setenta, como vestígio de uma época, em um vazio da chegada do novo. E o que notava de novo, diferente, em uma brecha dos mundos, era o rostinho ainda infantil de Suze, prestes a chorar.

- Imagine agora essa menina nos braços de um rapaz mais velho, que conhece o mundo de frente para trás – contra-argumentava o colega.

- Ela está revoltadíssima com o pai, meu cunhado – acentuava. – Por isso que a mãe, minha irmã, resolveu trazer para aqui por uns dias. Está doida que ela arrume um namoradinho, mas da mesma idade, filho de gente conhecida, pra que sossegue o facho.

Tinha que vestir essa camisa, pensou Ítalo ao insinuar-se numa apresentação dela aos garotos. Mas ela nem aí.

Parecia até ter sido escalado pela seleção local para acompanhar os passos de Suze, a novidade vinda de fora. Quando não contava com o apoio de familiares, ela acompanhava desinteressada a pequena torcida adversária de sua cidade, unindo-se a eles no alambrado apenas para fazer volume. O futebol menos violento, mais clássico, com alguns ensaios de jogadas de acordo com o sopro de renovação da última copa, do carrossel holandês:

- Demá acaba de realizar um passe em profundidade, o conhecido overlapping, como se diz hoje em dia – comentou Roch, com um olhar crítico.

A tarde indo embora, o dia indo embora, Suze indo embora. Ítalo lembrou dos lábios molhados de choro escondido de Suze e quando lembrava a partida de futebol, falava com propriedade:

-  O mais bonito zero a zero que já vi.


sexta-feira, 5 de setembro de 2025

 

Eliane

 

         Ítalo se sentia bem aquecido com aquele blusão marrom. Era possível transmitir charme e segurança, mantendo alguém próximo ao coração, envolto em um abraço. Ao decidir dar um tapa na irmã de Catão, uma jovenzinha que vivia provocando em tentativa de se aproximar do grupo, foi nesse momento que ele percebeu:

 - Vai pra lá, moça, que aqui só entra homem! – haviam dito.

Não adiantava, quando se descuidava, ela estava enroscada no blusão de Ítalo, perto da mesa de sinuca. Ítalo achava quentinho, gostosinho, jeitoso, mas, por conveniência, melhor que se atribuísse tal modo ao frio que se instalava:

 - Deixe ela comigo! - afirmou Ítalo, segurando a garota, e, nessa posição, aparentando normalidade, permaneceu. Afinal, era a irmãzinha excêntrica de Catão, e ela merecia um amparo.

Aproveitando a chegada do sol, que se espalhava pelas ruas como uma novidade de renovação, caminharam pela área como um casal novo, sem compromisso, em passeio,

- Como é mesmo seu nome, Benzinho?

- Eliane – disse aninhando-se a gosto, cheirosinha, cabelo louro.

 - Sua família não reclama dessas atitudes suas  não, Eliane?

Nesse momento, Roque sinalizava, como se quisesse dizer que a família havia largado de mão. Repetente na escola, estava progredindo bem. E falava com entusiasmo sobre as notas que recebia.

-  Estou quase passada de ano – disse Eliane.

- Pegue pra mim essa pedra aí – ordenou Ítalo.

Ela viu qual era a intenção dele, então tomou da mão do rapaz o arame e fez o serviço batendo com uma pedra na outra. Depois ficou exibindo a ponta:

  - Pra jogar finca está pronto. Vamos tirar a sorte? – perguntou escolhendo um canto de chão mais enxuto para o risco do sorteio.

 Quando Ítalo percebeu, estava cheio de riscos em volta do largo da igreja e ela batia com uma canhota certeira.

 - Vamos comprar umas balas doces ali em frente? Faça de conta que perdi pra você no jogo. Segure aí, que é  minha vez.

Como ela não desgrudasse dele, foram os dois abraçados, desviando das poças d’água  Antes, porém, ela agachou-se para dobrar a barra da calça de Ítalo.  Após o término de uma partida, ela teve a ideia de lhe dar um beijo de boca como forma de comemoração. Assim, ela passava a bala que estava chupando.

- Humm! -  disse Ítalo após engolir a bala chupada.

         Repetiram essa cena mais vezes até que, perto de uma casa em ruínas, a garota se encostou de jeito na parede e puxou Ítalo para um beijo prolongado, sem bala no meio. Dado o andamento das coisas, ele complementou. Em seguida, precisava manter uma postura de macho e começou a vasculhar os bolsos como se estivesse à procura de algo, quando Eliane, adivinhando, lhe ofereceu o maço de cigarros e o fósforo que trazia escondidos na blusa. Ele estava ciente das travessuras da menina, mas não esperava um progresso tão ousado.

         - Só tem um... – disse retirando um cigarro e amassando a certeira de Chanceler.

         - E você queria fumar mais de um? Você me dá a segunda.

                  Como a chuvinha ameaçava voltar, acomodaram-se no meio das pedras, num resto de cobertura de casa, e ficaram apreciando o cair da tarde chuvosa fumando a dois.  

         Anos depois, Italo estava fazendo supermercado com Selmas. Quando passava pelo caixa, ao questionar a nota, acabou ouvindo da funcionária que apontava para o portão:

         - Ela que pegou e disse que estava com você.

         Ergueu-se e ainda pôde ver a ponta dos cabelos de Eliane, no portão de saída, com um embrulho na mão e descascando o invólucro de chocolate com os dentes.

 

quinta-feira, 10 de julho de 2025

 

Josefina

 

                Ítalo havia se apresentado como um novo professor e, ao se dirigir ao estacionamento para pegar seu carro, foi abordado por alguns alunos que moravam em sua vizinhança. Caronistas com certeza. Trocava de palavras com o mestre também:

               -  Professor Ítalo, estamos em três.

             - Conheço todo mundo. Fazia tempo que não via essa menina, irmã de Roch, Josefina. Como vai você? Resolveu fazer vestibular?

                - Fora do tempo certo, o professor quer dizer?

                 Não esperando o mestre esboçar desculpas, ela emendou;

                -  É, temos que aproveitar. Ensino bancado pelo Estado, né?

          Foi tudo apressado, eu fiz o concurso e fui logo chamado para um treinamento acelerado e assumir a vaga para essa região. E já estamos em sala de aula, né?

                Recordava-se de Josefina como uma das gatas mais desejadas da cidade. Branquinha, com cabelos pretos adornando um corpo esguio e bumbum bem definido em um jeans azul. Era um fetiche da molecada. Porém, ela era uma das mais reservadas, como se não se importasse com o que acontecia ao seu redor. Muitos chegavam a desistir. Não, Ítalo. Ele era colega de Roch. Tinha mais acesso. Daí o desejo intenso durante esse tempo. Ele foi estudar na capital, enquanto ela, mais velha, foi buscar um casamento em S. Paulo. Em seguida, o retorno de uma mulher divorciada com uma filha pequena. Bem que observou o empenho dela como uma mãe jovem batalhando como pesquisadora durante o censo do IBGE. Estava nessa e agora buscava expandir seus estudos. Era louvável, por enquanto.

                   Estabeleceu-se, então, a prática semanal de recolher esses passageiros. Às vezes, sobrecarregado de trabalho, ele nem se importava em manter o mesmo tom nos diálogos. Ninguém prestava atenção no que ia pela cabeça de gente, mas, sem querer, acabou ouvindo o que falavam de Josefina:

                   - Casou com um cara rico e tudo começou a ruir quando se descobriu que era um fracassado.

                   -  Depois?

                   - Depois, ela veio embora. Ele ainda veio aqui atrás dela com mil e uma promessas, até que eles romperam de vez.

                   Apetitosa, ela sabia da tara que despertava nos meninos da cidade. Não conseguia disfarçar esse traço que lhe era característico:

                   - Bonita, charmosa, mas é uma pessoa vissuneira – dizia dela a esposa que o advertia sobre aquela carona garantida toda semana.

                   Ítalo observou pelo retrovisor o rosto de uma mulher que já desfrutou de luxo, mas agora se encontrava em tentativas vãs. E ele acabava de prestar atenção nela quando a viu subindo as escadas da faculdade, com livros apertados contra o peito, assumindo o papel de uma universitária.

                   Mas no domingo, dia de corrigir redações no jardim enquanto a esposa lavava os  carros, foi Ítalo chamado a se explicar:

                   - Ítalo, venha ver! – Selmas apontava para o banco traseiro do seu carro, como se indagasse, que explicação ele dava por aquilo.

                   Era um preservativo. Ítalo sacudiu a cabeça:

                   -  É, alguém deixou cair.

                  

Cba. 10/07/25

quarta-feira, 9 de julho de 2025


 

Lena

 

Ítalo usava uma camisa listrada e uma calça amarela. Era suficiente. Pronto para um São João, celebração típica do interior. Comentavam sobre o fora que Ítalo levara de Carmem.

- Não, senhor, não levei fora nenhum. Carmem, como todos sabiam, era uma namoradeira, já tinha um histórico de namoros – justificava-se.

Na verdade, não havia uma festa; a cidade era apenas alguns pontos festivos dispersos. Assim, ao lado de uma fogueira distante, decidiu se juntar ao grupo com um violão de aprendiz que o pau lhe havia dado, alternando entre conversas e canções. Logo, viu-se rabiscando no instrumento uma canção nova, tipicamente urbana, soul music, que Cassiano havia popularizado: Sei que você gosta de brincar de amores.

- Essa música é da novela das sete – alguém falou.

- Estou aprendendo agora. Ela é boazinha de levar – disse Ítalo.

                   Amauri, um usineiro da região, desceu do carro que acabara de chegar, acomodou-se ao redor da fogueira e pediu bis. Ítalo não se mostrou indiferente e, todo prestativo, atendeu à solicitação do jovem empresário do algodão. Ítalo gostava de ouvir as suas histórias, de quando estudava em Montes Claros, a cidade grande mais próxima. Naquela época, os estudantes voltavam com algumas tentativas de vestibular registradas no histórico ou com a interrupção dos estudos para auxiliar a família no comércio de algodão. Amauri cumprira essa fase mas carregava muitas  histórias suas, de cachaçadas, mulheres, namoros e paixões.

                   - Eu namorava Leninha de Almeida. Fui para Minas e lá me chegou a notícia de que aqui ela estava dançando com uns rapazes de fora. Botei um disco pra rodar no pensionato durante uma semana, fiquei traçando um conhaque Dreher, só ouvindo “Adeeeeus, ingrata”.

                   Disse Amauri que levou tempo para ele se curar daquela paixão.

                   - Mas o que rolou no meio dessa moçada da minha geração foi que Leninha teria sido a culpada de eu deixar os estudos,  mas não,  pura gozação.

                   Enquanto queimavam paus de fogueira, a conversa sobre a paixão intensa do jovem Amauri se prolongava noite adentro, com um friozinho disfarçado pelo quentão que corria entre mãos.

-                  - Não, não era um namorico não, era namoro mesmo, meu irmão.

                   Pegou o copo que passava de mão em mão e deu um trago, depois retornou:

                   - Toquei tanto a música de Claudio Fontana que foi mesmo um “adeus” à Lena, aquela ingrata.

                   - O que você precisa fazer agora é acompanhar o Ítalo, que perdeu sua namorada para um desses "paulistas". Mas hoje não é "Adeus ingrata"; ele canta essa música que acabou de cantar", brincou Ivo.

                   - Você tem que fazer agora é companhia a Ítalo, que perdeu sua garota para um desses “paulistas”. Só que hoje não é mais “Adeus ingrata”, ele canta é essa música que acabou de cantar – brincou Ivo.

                   Antes de voltar para casa, Ítalo guardou o violão na capa e ficou observando a fogueira por um tempo:

                   - Amauri, você quer saber de uma, nós somos uns vencedores. Ao vencedor as batatas, nós vamos esperar.

                   Ivo, ao redor da fogueira, afastava alguns tições e, de maneira providencial, colocava ali algumas batatas, trazidas pelo apaixonado Amauri.

 

 

 

 

 


segunda-feira, 7 de julho de 2025

 

Lena


Ítalo usava uma camisa listrada e uma calça amarela. Era suficiente. Pronto para um São João, celebração típica do interior. Comentavam sobre o fora que Carmem dera a Ítalo.

- Não, senhor, não levei fora nenhum. Carmem, como todos sabiam, era uma namoradeira, já tinha um histórico de namoros – justificava-se.

Na verdade, não havia uma festa; a cidade era apenas alguns pontos festivos dispersos. Assim, ao lado de uma fogueira distante, decidiu se juntar ao grupo com um violão de aprendiz que o pau lhe havia dado, alternando entre conversas e canções. Logo, viu-se rabiscando no instrumento uma canção nova, tipicamente urbana, soul music, que Cassiano havia popularizado: Sei que você gosta de brincar de amores.

- Essa música é da novela das sete – alguém falou.

- Estou aprendendo agora. Ela é boazinha de levar – disse Ítalo.

                   Amauri, um usineiro da região, desceu do carro que acabara de chegar, acomodou-se ao redor da fogueira e pediu bis. Ítalo não se mostrou indiferente e, todo prestativo, atendeu à solicitação do jovem empresário do algodão. Ítalo gostava de ouvir as suas histórias, de quando estudava em Montes Claros, a cidade grande mais próxima. Naquela época, os estudantes voltavam com algumas tentativas de vestibular registradas no histórico ou com a interrupção dos estudos para auxiliar a família no comércio de algodão. Amauri cumprira essa fase mas carregava muitas  histórias suas, de cachaçadas, mulheres, namoros e paixões.

                   - Eu namorava Leninha de Almeida. Fui para Minas e lá me chegou a notícia de que aqui ela estava dançando com uns rapazes de fora. Botei um disco pra rodar no pensionato durante uma semana, fiquei traçando um conhaque Dreher, só ouvindo “Adeeeeus, ingrata”.

                   Disse Amauri que levou tempo para ele se curar daquela paixão.

                   - Mas o que rolou no meio dessa moçada da minha geração foi que Leninha teria sido a culpada de eu deixar os estudos,  mas não,  pura gozação.

                   Enquanto queimavam paus de fogueira, a conversa sobre a paixão intensa do jovem Amauri se prolongava noite adentro, com um friozinho disfarçado pelo quentão que corria entre mãos.

-                  - Não, não era um namorico não, era namoro mesmo, meu irmão.

                   Pegou o copo que passava de mão em mão e deu um trago, depois retornou:

                   - Toquei tanto a música de Claudio Fontana que foi mesmo um “adeus” à Lena, aquela ingrata.

                   - Você tem que fazer agora é companhia a Ítalo, que perdeu sua garota para um desses “paulistas”. Só que hoje não é mais “Adeus ingrata”, ele canta é essa música que acabou de cantar – brincou Ivo.

                 Antes de se retirar para casa, Ítalo colocou o violão na capa, olhando demoradamente para a fogueira:

                   - Amauri, você quer saber de uma, nós somos uns vencedores. E ao vencedor as batatas, que eu vou esperar.

                   Ao redor da fogueira, Ivo afastava uns tições e de forma providencial introduzia ali umas batatas, trazidas pelas mãos do apaixonado Amauri.

 

 

 

 

 

segunda-feira, 30 de junho de 2025

 

Coração repartido

 

                  A cancela de ferro da casa dos avós seguia escoando o tempo. Notícias sobre Talita chegavam. Selmas era flagrada lamentando-se pelos cantos:

                   - O que foi, Selmas? Por que chora assim do nada?

                   Nada respondia. Era necessário compreender de forma intrínseca. Era o que se obtinha do processo. E ele estava mergulhando ali. Mas também era necessário emergir, e o fazia renovando:

                   - Se você quer ir até lá, pois que vá, eu fico olhando os meninos.

         Nesse compromisso, recordava-se de ter honrado a palavra e cuidar  dos pequenos, tendo cometido apenas uma falha:

                   - Não deixe que ele veja você colocar o mussilon na mamadeira, caso contrário, ele não vai aceitar.

                  Pois essa foi sua única falha: o garoto ter se recusado a aceitar a mamadeira. Pelo menos Ítalo se tornou mais presente como pai. De até tomarem banho juntos e dormirem lado a lado. Por seu turno, além de seus filhos, Selma também se preocupava com seus irmãos. Sentia assim o dever de acompanhar Talita no procedimento cirúrgico ao qual ela se submeteria. Sentimento que ele, engolindo os soluços, compartilhava.

                   Mais de um mês após a cirurgia, Selmas deixou a enferma e, relutante, voltou para cuidar de sua casa.  No entanto, as chamadas interurbanas continuaram quase dobrando e se estendendo até a madrugada.   Falava diretamente com o médico. Quando se pensava que tudo estava bem, Selma era encontrada chorando. Não se conformava:

                   - Trinta e seis anos, duas filhas...

                  A idéia de ir a S. Paulo pegar Talita de volta para a casa dos seus pais foi uma atitude corajosa que Selmas pôde tomar:

                   - Vamos trazer Talita para casa .

                   Ítalo ainda recordava Talita, impossibilitada de se alimentar, sentada na poltrona, cercada por amigos e familiares, recebendo visitas na sala. Ao redor dela estavam Ítalo, com palavras de despedida disfarçadas, e Roch, que, com seus anacronismos, mantinha o comportamento brincalhão de sempre. Nesse meio tempo, por meio da articulação de Talita, o  companheiro dela, partido de S. Paulo, estava indo buscá-la para o seu desencarne naquele estado alguns dias depois.


domingo, 22 de junho de 2025

 .A hora que Talita chegar

                  

                   Os priminhos de Talita eram os únicos que se preocupavam com como seria quando ela chegasse, enquanto o casal vinte se embriagava de primavera ao som da música tocada na vitrola do tempo.

                    Uma maiorzinha até que tentava explicar para as outras, que Selmas, mal comparando, só estaria jogando para assegurar Ítalo de outras.

                   Mas diante dos dois passeando para lá e para cá no maior relaxo, passou-se a outra conversa que resultou num abalo. Ítalo descobria que Selmas ora aparecia para frente, ora aparecia borocoxô:

                   - Que foi?

                   - Você é namorado de minha irmã, vá ficar com ela.

                   - Minha namorada é você, Selmas. Talita está noutra.

                   - Não, não é direito. Você pode fazer o favor,,,– disse quase que num soluço.

                   - A prova é tanta, Ítalo, que você nem mais usa a aliança.

                   Só então percebeu que a aliança não estava lá. Ao notar esse descuido, interrompeu o afago e recolheu a mão. E não fazia diferença apresentar argumentos. Era preciso deixar o silêncio prevalecer por mais algum tempo. E assim prosseguiriam até que, superada essa crise, eles encontrariam outra onda, outra sincronia. Aprendia também a se guiar apesar das adversidades.

                   Notara a meninada que nada mudou com a chegada de Talita, pois Ítalo e Selmas permaneciam noivos, de forma civilizada, inclusive combinando de ir a uma festa juntos.

                   Mas Ítalo ficou um tanto animado com a combinação de semelhanças entre as duas, que se diferenciavam pelos cabelos: lisos, da irmã mais velha, e anelados, de Talita. E nessa mistura de imagens, Ítalo, alterado pela bebida, mergulhava, por vezes, nos anelos de Talita, que o empurrava para lá:

                   - Vai ficar com ela, vai, sua namorada é ela.

                   E ele não podia afirmar nem negar se era do mesmo encanto, porém os três voltavam para casa abraçados após a noite de celebrações, malgrado a desfaçatez do tempo.

                  E seguiam nesse ritmo até que anunciaram a mudança permanente de Talita para S. Paulo, para acabar dessa forma com uma iniciativa de triamor em um relacionamento que despontava.