O menino estava com a irmã mais velha admirando
um brinquedo de outro menino, que posava seguro com um carrinho de madeira todo
transado, cabine, carroceria, com paralamas e até lameiras (um brinco!),
empurrado por um cabo de vassoura enroscado em parafuso num barbante, como algo
de sonho inalcançável por gente modesta como ele.
Como inalcançável? Tinha lá em casa
também algo muito valioso, que fizera com inteligência e muito esmero. Era o
que, de imediato, se podia dar em rolo numa empolgante comparação. E então o
menino do carrinho rompeu, como um homem de negócios na feira, e ponderou na
resposta:
- Depende. Em quê?
- Numa casinha legal.
-
Pega lá para ver.
Aí que estava: não podia, e o menino,
que tinha se inclinado para um possível crédito ao seu posicionamento, voltara a
ser o implacável negociante e ia negar, o que fez subir a luz de alerta do cúmulo
da pretensão, que o forçou a dar uma explicação:
- Não pode, fica lá no meu quintal...
é bonitinha. Você não quer ir lá para a gente ver?
- Não. Pensei que fosse de... papelão, algo assim...
Esse menino sonhador era eu, no meu
primeiro negócio, o que principiava como uma amostra do que seria eu dali para
frente, sempre em choque de realidades, vida afora, com pretensão desse tipo.
Cheguei de volta em casa e me pus a
apreciar a casinha feita com barro da água que caia da cisterna próxima, à
sombra de um pé de manga, com uma estradinha feita com cerca de gravetos dos
paus de lenha amontoada acolá, com o curral ao lado da casinha, cheio de gado
de osso, com um pasto verdinho, nascido por igual do arroz em casca; lama,
aguadas, e era um brinquedo em que se viajava pelo mundo o dia inteiro, com os
carrinhos de plástico, enquanto permitia a luz ainda tênue do sol da manhã ou
da tarde. O caminhãozinho do menino também era um encanto, mas era mais para
passear pelas ruas e sua mãe proibia arredar-se do quintal.
Fico a pensar desse gosto meu pelo singelo. Desde pequenas coisas a outras de maiores considerações. Quando na adolescência tinha-se que escolher a namorada entre duas irmãs, eu fui preferir a segunda, menos em disputa... A mais velha, muito bonita (era demais), mandava recados para mim, e eu, em resposta, mandei combinar com a mais nova, feiosa e que não fazia parte da história.
Como, por exemplo, a história do cinto, mais emblemático, que comprei na venda de Iris de Possidônio, após muito tempo de paquera, tanto que pedi a minha mãe, que acabou me chamando para uma espécie de prestação de contas, para ver onde e como eu gastei o dinheiro, após gritar “deixe me ver esse cinto aqui, menino”:
- Hum-hum-hum, cinto jacaré..., completou num muxoxo, e até hoje não sei o que significa “jacaré”.
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