Solon - o galã
No início foi aquela confusão. Andaram acusando um
e outro da turma. Na realidade, ninguém senão a própria vítima teve culpa.
- Olhe aqui, meu amigo, mulher só não vai com cobra
porque não sabe distinguir o macho da fêmea - falou o pai de um dos rapazes,
dando por encerrado o caso. O pai da moça que fosse lá tomar suas providências.
Certo que Solon era um tipão: alto, forte, olhos
esverdeados e pele morena. Mas só mesmo uma assanhadinha como aquela moça para
se meter com um cara que toda cidade sabia ser doente mental. O trabalho que
dava a família era enorme. Muito comum na vizinhança se ouvirem os gritos de
aflição da pobre mãe. Era um tal de “Solon! Pare, Solon!” que enchia
toda uma manhã e tarde inteira.
- Solon! Oh, meu filho, deixe disso! Pare de enfiar
esse dedo na tomada que você leva choque.
- Choque é bom, mãe?
- Não, meu filho. Choque pode até causar a morte -
explicava a mãe com paciência.
- De onde vem o choque, hein, mãe?
- Solon, meu amorzinho, pare. Venha para o
alpendre, venha.
Logo em seguida, via-se assomar à porta aquela
figura boa pinta, em bons trajes, mas num jeitão engraçado do abobalhado que
sempre fora.
Quando tudo parecia calmo, a mãe pedalando a
máquina de costura, Solon saia de suas reflexões idiotas para, de maneira
brusca, indagar:
- Mãe, oh mãe, onde mora Deus?
- Deus mora no céu, meu filho.
- Mãe, oh mãe, urubu vê Deus?
Fulminada pela idiotice do filho, já rapaz, dona
Rita quase que se deixou espetar pela agulha da máquina de costura.
- Solon!!...
Até que surgiu aquela história do jipe. Visitas na
sala, quando de lá veio Solon:
- Mãe, já pensou se pai fosse um jipe e a senhora
uma jipa?
- Solon!!..
- Eu seria um jipinho, né, mãe?
- Solon!!...
Depois do grito, vinha novamente a brandura de mãe:
- Meu filho, você já está crescidinho. Pare de
fazer perguntas tolas - pedia, chorosa mas afagando com ternura o filho que
Deus lhe dera.
Com o tempo, os pais de Solon entenderam que,
apesar de tudo, ele era um rapaz e devia como tal sair da barra da saia da mãe.
Procurar enturmar-se um pouco com as pessoas de sua geração. Quem sabe o
desenvolvimento mental não melhorasse? Foi a partir daí que Solon passou a andar
com a turma. Todos o tratavam com o devido cuidado, seguindo as recomendações
da família preocupada.
Quem, no entanto, iria adivinhar aquele sucesso?
Sempre que a turma freqüentava alguma festinha, lá vinham os suspiros
femininos:
- Uau, que gato!
Sem a companhia dele não havia suspiro algum. De
forma que a coisa foi-se ajeitando. Solon entrava com a beleza e o resto da
turma com o papo. No final, cada um a um canto mordendo uma garota, e Solon,
coitado, já entregue à família, são e salvo.
Bem que naquele dia houve um certo descuido.
Contudo, não se pode falar em culpa de A ou B. Solon sentadinho com a garota
(seria de outra cidade?), de conversas e beijinhos, só podia ser ficção
científica. Parecia um artista de novela. Tinham-se esquecido de levá-lo mais
cedo para casa, envolvidos que estavam no baile, e quando deram por isso já foi
tarde.
A garota tinha achado o máximo. Toda conversa de
Solon ela entendia como brincadeira das mais humoradas. Tudo chocante. E ficava
de gritinhos ante o vozerio de Solon.
- De quem é esse dedinho?
- É seu, meu gato.
- Então vou pegar ele pra mim - disse Solon,
prendendo o dedo mindinho da moça com sua mão direita.
- Pode pegar, meu gato.
- Então vou quebrar...
- Quebra
não, meu gato: ele é seu.
- Eu quebro...
Quando se viu foi o estalo. A moça deu um urro. Num
rápido movimento, Solon - o galã, havia-lhe arrancado o dedo.
Tio, adorei o texto e visitarei sempre este blog, continue nos presenteando com seus textos. Beijo
ResponderExcluirCatarina
Palavra. Gosto de crônica nessa linha. Escrevo pros amigos. Beijos.
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